A 25 de Novembro de 1915, Albert Einstein
submetia à Academia Prussiana de Ciências em Berlim um artigo intitulado As equações de campo da gravitação, que continha
a equação principal da teoria da relatividade geral. Essa equação é vista hoje como
a sua coroa de glória, pois substituiu a lei da gravitação universal que Newton
tinha formulado em 1687 por uma outra que, embora contendo a descrição newtoniana
como caso particular, tinha um âmbito mais vasto, podendo aplicar-se a astros de
qualquer massa, a conjuntos de astros ou ao próprio cosmos. Einstein adiantou uma
explicação da força gravítica: é a deformação do espaço e do tempo (dois conceitos
ligados por ele na sua teoria da relatividade restrita de 1905) devido à presença
de matéria e de energia (outros dois conceitos unidos na mesma teoria, através
da famosa fórmula E=mc^2). Espaço, tempo,
matéria e energia passaram todos a estar ligados por uma equação que cabe numa t-shirt. Chegava ao fim o intenso trabalho,
ao longo de uma década, para generalizar a fecunda ideia do físico suíço de 1905:
as leis da física são as mesmas para todos os observadores, quer eles estejam em
movimento uniforme - relatividade restrita - quer eles estejam em movimento acelerado
- relatividade geral.
A teoria de Einstein mantém-se inultrapassada
nos dias de hoje. Nos últimos cem anos acumulou-se todo um manancial de dados observacionais
e experimentais que a corroboram. De resto, hoje em dia, nada na cosmologia pode
ser entendido sem essa teoria. Não podemos falar de pulsares, buracos negros, big bang sem falar de Einstein. Há ainda
confirmações por fazer como a das ondas gravitacionais, para as quais existe evidência
indirecta, mas não directa. As ondas gravitacionais estão para a gravidade como
as ondas electromagnéticas (vulgo luz) estão para o electromagnetismo, mas a sua
observação requer experiências sofisticadas. Uma experiência da ESA (Agência Espacial
Europeia) sob o nome de eLISA (Evolved Laser
Interference Space Antenna), com um protótipo a lançar em breve, destina-se
a detectar ondas gravitacionais. Por outro lado, não se pode dizer que as aplicações
da teoria da relatividade geral sejam tantas como as da relatividade restrita -
que incluem a energia nuclear e os exames PET nos hospitais. Mas o GPS hoje omnipresente
não poderia funcionar sem atender à relatividade geral, designadamente ao facto
de relógios a bordo de satélites se adiantarem por estarem sujeitos a uma gravidade
mais fraca do que à superfície da Terra.
Segundo Einstein o seu pensamento
mais feliz ocorreu dois anos depois da formulação da teoria da relatividade restrita
quando, sentado numa cadeira, se imaginou a cair com ela. A cadeira não “sentiria”
o seu peso, pois ambos estariam a cair com a mesma aceleração. O foco dos seus estudos
passou então a ser a extensão da sua teoria para casos em que há aceleração. A empresa
afigurava-se difícil. Planck avisou-o em 1913: “Como um velho amigo, devo avisar-te de que não faças isso; em primeiro
lugar, porque não vais conseguir e, em segundo lugar porque, mesmo que consigas,
ninguém vai acreditar em ti. Mas Einstein
não se intimidou. O sábio não demorou a descobrir que a gravidade se deve ao encurvamento
do espaço-tempo. Teve de recorrer à ajuda matemática de um dos seus colegas do curso
de Zurique, que lhe ensinou as geometrias que permitem descrever o espaço curvo.
No espaço à volta de um corpo pesado não é válida a geometria de Euclides que aprendemos
na escola, mas sim geometrias não euclidianas que tinham surgido no século XIX e
pareciam irreais.
Entre Julho e Novembro de 1915, estava-se
em plena guerra mundial, deu-se o ataque final à relatividade geral. É preciso discussão
para que haja luz. Em Junho, Einstein tinha estado com Hilbert, o maior matemático
da época e um dos maiores de sempre, com quem tinha partilhado a sua turbulência
mental. Os dois ficaram amigos, mantendo correspondência. No dia 18 de Novembro
um artigo de Einstein anunciou dois resultados notáveis: uma previsão do desvio
da órbita de Mercúrio em relação ao previsto pela mecânica de Newton e um novo valor
para a deflexão pelo Sol dos raios de luz de uma estrela por trás dele. O primeiro
foi confirmado imediatamente, consultando a literatura científica, ao passo que
o segundo tinha de esperar pela observação de um eclipse solar. Einstein ficou com
palpitações com o resultado de Mercúrio: “Durante
alguns dias fiquei fora de mim com o entusiasmo.” E não era caso para menos
pois a nova teoria permitia resolver na perfeição um velho enigma da astronomia. Quando, uma semana volvida, a equação principal
de Einstein viu finalmente a luz do dia, a teoria ficou basicamente terminada. “A teoria é de uma beleza incomparável”, comentou
o seu autor. Mas uma teoria física não pode apenas ser bela, tem também de ser verdadeira.
E o que a tornou credível foi, para além da previsão certeira da órbita de Mercúrio,
a observação do encurvamento da luz realizada em 29 de Maio de 1919, por uma expedição
britânica à ilha do Príncipe (em S. Tomé e Príncipe), então território colonial português,
e a Sobral, no Brasil. No Outono de 1919, Einstein escreveu um postal à sua mãe:
“Querida mãe, hoje trago-lhe notícias alegres.
H. A. Lorentz informou-me de que as expedições inglesas demonstraram realmente a
deflexão da luz pelo Sol.” A coroação de Newton como sucessor de Newton teve
lugar em Londres a 6 de Novembro de 1919 numa sessão conjunta da Royal Society e da Royal Astronomical Society. O Times
noticiou: “Revolução da ciência – Nova
teoria do Universo – Ideias de Newton ultrapassadas”. Planck estava
enganado: não só Einstein conseguiu o que queria como praticamente toda a gente
passou a acreditar nele.
Einstein não disse, na Física, a
última palavra. Hoje ainda falta, por exemplo, juntar a teoria da relatividade geral
com a teoria quântica, isto é, unificar a descrição da força gravitica com a das
outras forças, que exigem a teoria quântica. Einstein trabalhou até ao fim dos
seus dias no problema da unificação da força da gravidade coma força electromagnética,
mas não teve êxito. Newton deixou escrito, numa bela metáfora sobre a construção
do conhecimento, que se conseguiu ver mais longe é porque estava aos ombros de gigantes.
Einstein subiu há cem anos aos ombros dele. Espera-se agora que alguém suba aos
ombros de Einstein. A paisagem que avistará será decerto deslumbrante.
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