sábado, 28 de novembro de 2015

Acidez do estômago, antibióticos e tudo o resto

 
imagem de um artigo web sobre alternativas naturais ao omeprazol


Comentário a uma crónica de Miguel Esteves Cardoso no Público de de 27 de Novembro de 2015 sobre medicamentos, farmacêuticas e micróbios.

Meu caro Miguel Esteves Cardoso,

A sua crónica, levanta uma série de problemas sobre medicamentos,  farmacêuticas e micróbios que vale a pena analisar com mais detalhe. Para começar, tem alguma razão sobre o omeprazol e outros inibidores da bomba de protões. De facto, desde há pelo menos vinte anos, este tipo de medicamentos está nos primeiros lugares dos tops de lucros das farmacêuticas. De alguma forma a culpa é do mercado: os comilões querem ser livres e comer o que lhes apetecer e não se importam de pagar o preço na farmácia. E, convenhamos que estes medicamentos são mais eficazes e menos caprichosos (mas também mais perigosos) do que a velha pastilha Rennie de carbonato e bicarbonato de magnésio. Mas há algumas subtilezas sobre os lucros das farmacêutucas que é preciso perceber. Os lucros só são fabulosos enquanto estes medicamentos ainda não são genéricos. Quando passam a genéricos (vinte anos depois da serem patentados), logo outro medicamento, supostamente, com menos efeitos secundários e mais eficaz os substitui nos lucros fabulosos. O omeparazole, ainda deve dar algum lucro, mas não tanto como em 1997, ano em que estava no top dos lucros; entretanto outros inibidores da bomba de protões de marca o substituiram nesses lucros (nos últimos anos tem sido o esomeprazol; em 2012 estava no top).

Falarei mais abaixo da questão do interesse das famacêuticas pelos antibióticos, mas, por agora, olhemos para os micróbios intestinais e para as dietas. Sim, é claro que há pessoas com micróbios intestinais muito glutões e por isso parecem poder comer tudo e manter-se sempre magras (por exemplo, aquela nossa amiga sempre elegante e sempre com fome). Mas isso não funciona ao contrário: se comermos menos do que o que precisamos (nós mais os micróbios que nos habitam) de certeza que emagreceremos (mais até se os micróbios forem muito glutões). É que, como já aqui escrevi (noutro contexto), não milagres, existem balanços energéticos e de massa na entrada e saída de alimentos. Uma variável escondida podem ser as bactérias, mas estas não fornecem energia, só a gastam. Assim, claro que fazem todo o sentido os regimes alimentares que tratem bem as bactérias que nos são úteis, minimizando as que nos fazem mal. Mas, da mesma forma que não precisamos de milhares de livros com propostas de dietas mirabolantes, também não precisamos de dezenas de livros que colocam a solução para todos os nossos problemas nas bactérias, das quais temos por vezes de nos defender. E não estou a pensar só nas bactérias que causam infecções desagradáveis ou mortais, penso também naquelas que, devido a excessos alimentares, incluindo o abuso de sal e de álcool, se relacionam de forma indirecta com o cancro do estômago, por exemplo.

Assim, pela mão das bactérias, voltamos à utilidade dos inibidores da acidez do estômago e chegamos aos antibióticos. Desde a altura em que ontem li o seu artigo até este momento, as bactérias que temos nos nossos intestinos já tiveram em média mais de cinquenta gerações. No decurso da vida médio de um ser humano, as bactérias que o habitam têm mais de um milhão de gerações. E, claro, durante esse tempo, as bactérias adaptam-se e evoluem. O aparecimento de resistência aos antibióticos é, assim, de certa forma natural – as bactérias, no decurso das suas várias gerações vão-se adaptando,  pior se as conduzirmos a isso, usando antibióticos em excesso ou de forma incorrecta. Mas penso que não é verdade que as farmacêuticas não se interessem por antibióticos. Embora os tops de lucros, tenham sido dominados nos últimos anos pelos protectores do estômago, pelos psicotrópicos, e pelos medicamentos para o colesterol, precisamos de descobrir e inventar novos e inovadores antibióticos para combater as bactérias que se vão tornando resistentes. Ou encontrar antibióticos que fossem tão específicos que só matassem as bactérias patogénicas e não maltratassem as bactérias úteis. Esses novos antibióticos darão sempre lucros às farmacêuticas, em especial nos países ricos – por isso as farmacêuticas não deixam de os procurar - o problema é que tem sido cada vez mais difícil encontrá-los. Não tinha ainda usado a palavra química... mas qual é a ciência que pode realizar o trabalho de inventar e sintetizar os novos antibóticos, em colaboração com os farmacêuticos e biólogos? A química, claro!

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