Novo post de Galopim de Carvalho (na imagem Cuvier e Lyell);
O catastrofismo, às vezes referido por teoria catastrofista ou das revoluções, surgiu da obra e no pensamento de Georges Cuvier (1769-1832) para, ao gosto da crença no Dilúvio de Noé, explicar as mudanças abruptas ocorridas no decurso da história da Terra. Este naturalista, Jean Leopold Nicolas Fréderic Cuvier, de seu verdadeiro nome, verificou a existência de descontinuidades importantes e bruscas nas faunas, hoje referidas por “extinções em massa”, que interpretou como catástrofes, após as quais eram criadas novas faunas que viveriam até à sua extinção, numa nova catástrofe. Esta teoria, que marcou grande parte do pensamento geológico até meados do século XIX, explicava não só as citadas descontinuidades faunísticas, mas também as alterações ocorridas na Terra como tendo sido causadas por acontecimentos súbitos e catastróficos, principalmente inundações (responsáveis pela ocorrência de fósseis marinhos em regiões muito afastadas do mar) que alguns aceitavam como castigos ditados pelo divino Pai. Cuvier defendia que estas catástrofes, a que chamou revoluções, tinham atingido determinadas regiões do Globo, extinguindo faunas e floras que somente podiam ser estudadas através dos seus restos fossilizados. Após estes eventos, que se repetiram ao longo da história do planeta este, que foi o grande mestre de anatomia comparada, admitia que estas regiões tinham sido repovoadas por organismos oriundos das regiões não atingidas pelas ditas revoluções. Para alguns defensores do catastrofismo, o repovoamento tinha lugar por acção divina, no âmbito de uma corrente do pensamento, conhecida por criacionismo, aceite por alguns naturalistas do século XIX, que também acreditavam que a última das catástrofes admitidas por Cuvier havia sido o Dilúvio Bíblico. Com o valor de uma crença religiosa, o Criacionismo defende que foi Deus que criou o Universo, a Terra, a vida em geral e a humanidade, e tem sido usado como rejeição ao Evolucionismo darwiniano, numa polémica ainda existente (criação versus evolução) em sociedades mais conservadoras. O criacionismo tornou-se, assim, o argumento usado por um certo fundamentalismo cristão contra a evolução humana. Colaborador de Cuvier no estudo da geologia e da paleontologia da Bacia de Paris, o geólogo, mineralogista, paleontólogo, zoólogo e químico francês Alexandre Brongniart (1770-1847), defendeu as mesmas ideias, sendo lembrado como um dos mais ilustres catastrofistas de entre os seus pares.
Em oposição ao catastrofismo, o uniformitarismo, definido como uma proposta de interpretação do passado com base no presente, radica numa filosofia vinda da Antiguidade, adoptada e divulgada como corrente do pensamento geológico por geólogos dos séculos XVIII e XIX, com destaque para James Hutton (1726-1797), John Playfair (1748-1819) e Charles Lyell (1797-1875). Conhecido por Princípio das Causas Actuais e, também, por actualismo, é unanimemente considerado como uma das bases fundamentais da geologia moderna. Anteriormente à divulgação deste princípio, George-Louis Leclerc, mais conhecido por Buffon (1707-1788), homem mais de gabinete e laboratório do que de campo, procedeu a experiências, fundindo areias e obtendo, assim, material de aspecto rochoso, coeso e duro. Com esta experimentação, precursora do Uniformitarismo, o prestigiado naturalista francês visava combinar materiais e processos físicos e químicos ocorrentes na actualidade e, assim, inferir acerca das rochas e dos processos que as geraram ou transformaram.
Evocado por muitos como o fundador da moderna geologia, o escocês de Edimburgo, James Hutton, foi o grande dinamizador desta ideia, posteriormente corroborada por Charles Darwin (1797-1875) através do estudo do evolucionismo. Segundo esta concepção, os acontecimentos do passado geológico são o resultado de forças da natureza idênticas às que se observam no presente ou, por outras palavras, as transformações geológicas que ocorreram no passado foram causadas por fenómenos análogos aos que se observam na actualidade. Fazendo uso desta ideia, Hutton dizia que um qualquer sedimento, litificado ou não, foi transportado e depositado por agentes naturais idênticos aos que nos é dado conhecer no nosso dia-a-dia, entre os quais, águas correntes, vento, glaciares e gravidade. Queria ele, ainda, dizer que o homem dispõe na actualidade de todos os processos que o ajudam a explicar os fenómenos geológicos, por mais remotos que eles sejam.
Contemporâneo de Darwin, Lyell foi o grande divulgador e continuador da obra do seu conterrâneo James Hutton, tendo-se tornado um dos mais conhecidos e prestigiados geólogos de sempre. Com ele o uniformitarismo ganhou mais visibilidade, impondo-se ao catastrofismo, e os problemas geológicos passaram a ser olhados e interpretados com base em leis naturais. Lyell acreditava na manutenção dessas leis no espaço e no tempo. É sua a frase: “as antigas modificações produzidas na superfície da Terra são devidas a causas semelhantes, quanto à natureza e intensidade, às que agem nos nossos dias”. Para ele a paisagem natural era um sistema dinâmico, só aparentemente estático. Esta linha de pensamento que, como se referiu atrás, abriu as portas à moderna geologia, está expressa na frase que o celebrizou: “o presente é a chave do passado”. Em consonância com Lyell, o geólogo francês Louis-Constant Prévost (1787-1856) defendeu o uniformitarismo contra o catastrofismo do seu conterrâneo Cuvier.
Numa época em que o pensamento geológico reflectia acentuada influência do uniformitarismo, o deão de Westminster, William Buckland (1784-1856), foi um catastrofista e, ao mesmo tempo, um criacionista. Acreditava que, entre a Criação do Mundo e o surgimento dos seus habitantes actuais, decorrera um período marcado por uma longa série de sucessivas extinções e criações de novos tipos de plantas e animais. Em 1820, publicou “ as evidências geológicas com os ensinamentos bíblicos alusivos à Criação e ao Dilúvio. Buckland não era um defensor das ideias neptunistas da escola alemã de Werner, mas acreditava na inundação bíblica ocorrida ao tempo de Noé. Mas, para ele, apenas uma muito pequena parte das sequências sedimentares poderia ter sido formada durante o Dilúvio. A sua crença no respectivo relato, patente nos textos sagrados, levou-o a criar o termo Diluvium, usado para referir o conjunto dos terrenos de aluvião, incluindo argilas, areias e cascalho, hoje lembrado como termo obsoleto, sinónimo de Quaternário. Num pensamento muito marcado pela sua condição de eclesiástico, dizia que os “petrificados” (designação então dada aos fósseis) incluídos nas rochas sedimentares provam que, em tempos anteriores à criação do homem, o nosso planeta fora povoado por espécies de animais e plantas hoje extintas, o que pressupõe uma inteligência e um poder divinos.
Igualmente membro da igreja anglicana e um dos fundadores da moderna geologia, Adam Sedgwick (1785-1873) foi outro ilustre catastrofista inglês, defendendo que as rochas sedimentares resultavam de invasões catastróficas de águas marinhas. Numa fase inicial, acreditou que muitas delas haviam sido causadas pelo dilúvio bíblico, mas, influenciado pelas ideias uniformitaristas de Charles Lyell, passou a defender a existência de grandes inundações em várias épocas da história da Terra. Acreditava e defendia que a vida tinha sido criada por Deus e procurava mostrar que não havia contradição entre os ensinamentos da Bíblia e os da geologia. No entanto, na sua condição de homem de ciência, afirmava que, se houvesse oposição religiosa às conclusões da geologia, a verdade não podia ser distorcida para que elas fossem compatíveis com a Fé. Sem negar as suas crenças religiosas, Sedgwick apoiou firmemente os avanços na geologia contra os clérigos fundamentalistas. Sem descurar os problemas sociais, foi seu propósito assumido relacionar e, sempre que possível, conciliar a ciência com a religião.
Galopim de Carvalho
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