terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Petição que circula na Internet sobre endogamia

Tive conhecimento desta petição. Concordo com a preocupação da endogamia mas não assinei, pois não penso que o problema se resolva chamando estrangeiros (veja-se o caso da pseudo-avaliação da FCT):


Exmo Senhor Presidente da Assembleia da República, 

1) Considerando que a endogamia universitária, contratação de professores pela mesma universidade onde lhes foi conferido o grau de doutor, é uma prática reconhecidamente prejudicial para a produtividade científica (Heitor et al., 2014)*;  

2) Considerando que um recente estudo publicado em Junho de 2015 sob o título “Academic inbreeding in the Portuguese academia”**, analisou 1217 doutorados de diversas áreas e em diferentes universidades, revelando a existência de elevadas percentagens de endogamia, entre 60 e 93%, que comparam mal, por exemplo, com as percentagens médias de endogamia de 8% que são correntes no Reino Unido e na Alemanha, assim confirmando que aquela prática contamina de forma transversal e negativamente o sistema universitário em Portugal;

3) Considerando que o preâmbulo do novo ECDU (Decreto-Lei n.º 205/2009 de 31 de Agosto) refere explicitamente que o desenvolvimento científico de Portugal e a formação e atração de recursos humanos altamente qualificados vieram permitir que “a universidade portuguesa nivele, doravante, os seus critérios de recrutamento, seleção e promoção pelas boas práticas internacionais”.

4) Considerando que o referido instrumento legislativo veio impor “a obrigatoriedade de concursos internacionais para professores, com júris maioritariamente externos à instituição” que abre o concurso (vide Artº 46, Alínea d).

5) Considerando contudo que num pequeno país como Portugal onde existe um número reduzido de Professores, que se repetem nos júris, e onde como escreveu a Professora Maria Filomena Mónica no Expresso em 10 de Dezembro de 2011, em muitos concursos académicos vigora o princípio, "hoje votas no candidato que me interessa a mim e amanhã eu voto no candidato que te interessa a ti" a referida disposição mencionada no ponto anterior revelou-se manifestamente insuficiente para impedir que os concursos entretanto abertos continuem a ser maioritariamente ganhos pelos candidatos que já trabalham na instituição para a qual é aberto o concurso, assim perpetuando as elevadas taxas de endogamia que atualmente caracterizam as universidades portuguesas.

As cidadãs e os cidadãos abaixo assinados vêm, pedir à Assembleia da República que a alínea d do Artº 46 do Decreto-Lei n.º 205/2009 de 31 de Agosto seja alterada para passar a ter a seguinte redação:
d) Serem compostos maioritariamente por individualidades externas de instituições estrangeiras de referência.




*Heitor, Manuel; Horta, Hugo; Mendonça, Joana (2014) Developing human capital and research capacity: Science policies promoting brain gain. Technological Forecasting & Social Change 82, p.622

**Tavares,

5 comentários:

Carlos Fiolhais disse...

Comentário recebido de Pacheco Torgal:


Esta petição assenta numa proposta polémica, pois uma Academia sem polémica é uma Academia que “jaz morta e apodrece”, melhor prova não havendo a este respeito do que a forma tão pacífica com que a mesma tem convivido com o tema em apreço. É abundantemente evidente, que nem eu próprio, nem aqueles muitos Colegas que já subscreveram esta petição somos ingénuos ao ponto de acreditamos que o simples recurso a jurados estrangeiros pode solucionar miraculosamente o problema da escassa imparcialidade, que continua a existir em muitos concursos académicos, pela simples e óbvia razão que também lá fora existem “colegas” com poucos escrúpulos e que estão disponíveis para participar em processos eticamente reprováveis, mas ainda assim curiosamente conformes com a (fraca) lei vigente. Aqueles que já subscreveram esta petição fizeram-no isso sim porque reconhecem que existem problemas graves na Academia relacionados com a contratação de Professores e também porque entendem como absolutamente necessária uma discussão sobre quais as formas mais adequadas para resolver os referidos problemas. Questão diferente e bem mais controversa reside em se saber porque motivo as instituições que lá fora lideram ou simplesmente seguem as melhores práticas internacionais, referidas no preâmbulo do ECDU, conseguem tal sem a isso estarem obrigadas por nenhuma Lei enquanto outras por cá denotam uma estranha atracção por divergir dessas mesmas práticas necessitando por conseguinte de Leis que obstem a essa pulsão desviante.

Fernando Pacheco Torgal

Anónimo disse...

Os estrangeiros normalmente decidem o seu voto de acordo com os conselhos ou sugestões que recebem dos elementos portugueses do júri. Porque desconhecem o ambiente e geralmente nem percebem onde estão metidos. Se num doutoramento duvidoso alguém quiser facilitar a vida ao canditado, o melhor que tem a fazer é tentar fazer com que nomeiem estrangeiros para o júri. É o que me diz a minha experiência. Além de que os portugueses não são eticamente inferiores aos estrangeiros, são, mais ou menos, iguais. É o que me diz a minha experiência. Quem está fora do ambiente é fácil de enganar. Acham que estou errado? Admito que possa estar (com fraca probabilidade).

Anónimo disse...

É diferente ter um júri todo composto por investigadores não-residentes em Portugal ou ter apenas um ou dois membros do júri nessas condições. Neste último caso estou de acordo que há uma grande probabilidade de os visitantes não estarem à vontade para ir contra o que percebem ser a vontade dos anfitriões, embora se deva também dizer que isso é bastante mais provável em provas de doutoramento ou agregação (neste último caso, já presenciei uma situação em que votei contra e o elemento estrangeiro disse durante a discussão que estava de acordo comigo mas que não se sentia à vontade, como convidado, para votar outra coisa que não favoravelmente).

Por outro lado, há uma acção bastante mais simples e que penso que terá algum efeito: pelo menos no caso de áreas como biologia, física, matemática, química, etc, criar um blogue apenas dedicado a concursos e onde são publicadas as listas de publicações e citações no Web of Science dos membros do júri nos últimos 10 anos à altura do concurso, bem como o sentido das votações.

Se se conseguir tornar o blogue popular, algumas das aves-não-tão-raras que promovem a mediocridade (ou pelo menos que não promovem os melhores candidatos) pensarão duas vezes antes de sequer aceitar fazer parte de um júri. Isto para já não falar da reputação da instituição onde o concurso tem lugar.

Eduardo Martinho disse...

Julgo que é oportuno (e, eventualmente, útil) recomendar a leitura do post "Escândalo num concurso para Professor Catedrático de Geologia na Universidade de Lisboa, sendo reitor António Sampaio da Nóvoa":
http://tempoderecordar-edmartinho.blogspot.pt/2015/12/escandalo-num-concurso-para-professor.html

Anónimo disse...

Eu tenho uma opinião que poderá ser um pouco controversa em relação a este assunto. Os júris deviam ser internos, apenas do departamento, isto é responsabilidade total para os departamentos na escolha dos seus professores. Porquê que hão-de ser professores externos a decidir qual o melhor candidato para o meu departamento? Se o departamento acha que fica melhor servido com endogamia em termos de qualidade de ensino, em termos de investigação, em termos de captura de fundos nacionais e internacionais através de projectos, em termos de diversificação de estratégia de diversificação de recursos humanos, tudo bem. Responsabilidade total para os departamentos.
Para aqueles que ainda não perceberam, eu sou contra a endogamia por várias razões.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...