Reproduzimos o artigo de Guilherme Valente publicado no Público de ontem:
Absolutamente contra a prova dos factos, dos resultados, dos avanços mais recentes das ciências cognitivas e agora, também, o aviso informado e corajoso de directores, volta a ser imposta a escola facilitista, das teorias delirantes dos "especialistas" da educação, do fim da avaliação, da farsa das aferições, dos resultados (ocultados) sempre a piorar, da desmotivação dos alunos, da desvalorização do trabalho dos professores, do "difícil é sentá-los", do alheamento dos pais, do abandono escolar galopante, da desregulação e irresponsabilização gerais, da fuga para o ensino privado daqueles que o puderem pagar. Das desigualdades sociais sempre a crescerem, como aconteceu em todos esses anos. Porque a escola pública sem exigência, sem avaliação, sem desafio, prejudica sobretudo, como qualquer pessoa que queira ver percebe, os mais desfavorecidos. Os que entrando para ela sem nada, fogem ou saem dela sem coisa nenhuma.
Numa espécie de solução final, com uma cegueira ideológica devastadora, uma sanha vingativa que assusta, liquidaram em poucos dias tudo o que de provadamente acertado pôde ser feito nos últimos anos.
Mudanças recentes cujo acerto foi rapidamente confirmado pela subida das médias nos exames, pela diminuição da necessidade de retenções, pelo crescimento da procura do ensino profissionalizante. Acerto que mais factos acabam de reforçar: as médias dos exames e das classificações externas deste ano, das escolas básicas e secundárias públicas, continuaram a melhorar. Melhoria para a qual foi determinante o desafio colocado pelos exames às escolas, aos directores, aos professores, aos alunos e aos pais. Sem exames não haveria, aliás, resultados sérios para analisar (1).
O resultado foi o contrário do que os ideólogos do laxismo previam: com a exigência verificou-se uma redução finalmente significativa do abandono escolar. É essa conquista que é agora ameaçada.
Estamos a assistir ao acto político mais estúpido, de efeitos mais funestos, na história da educação depois do 25 de Abril. Acto só comparável à liquidação nos anos setenta do ensino técnico e comercial, do projecto de valorização e dignificação dessas vias de ensino preparado por Veiga Simão. Liquidação então também aprovada pela AR, no caso pela unanimidade dos deputados, muitos por cobardia. Começava o tempo da cegueira delirante e socialmente assassina da escola igualitarista, do "todos têm de ser doutores", do ensino público inútil. (2)
Porque esse acto estaria na origem do abandono escolar galopante, que atingiu níveis superiores a 40%, que viria a atirar para a desqualificação, o desemprego e a marginalidade milhares e milhares de jovens portugueses. Abandono escolar que só começou a diminuir, localizadamente, com a criação tímida de cursos técnicos profissionais, com o incentivo que depois lhes deu David Justino. Cursos depois tolerados, mas desencorajados, por Maria de Lourdes Rodrigues. Porque não dava às escolas os meios materiais e os recursos humanos necessários, porque as alternativas eram escondidas e desenquadradas de um caminho de progressão escolar. Juntava-se escondido o insucesso em CEFs, PIERs e outras invenções. Finalmente com o governo de Passos Coelho e Nuno Crato, o ensino vocacional e profissional, com a possibilidade de acesso ao ensino superior, foi assumido como uma prioridade. E em apenas dois anos se revelaram os benefícios de uma via de ensino que nos países avançados, com menos desigualdades sociais, é frequentado por mais de metade da população escolar. Exemplos: a Finlândia, a Suíça.
Como pouco antes de nos deixar Veiga Simão me lembrou, só uma voz se ergueu, então, contra aquela medida educativa socialmente assassina. A voz informada, avisada, de A. Sedas Nunes, que estudara bem a educação e a tragédia da cegueira ideológica.
E hoje? Hoje apenas vi – mas finalmente! – um universitário (socialista, aliás), Vital Moreira, opor-se ao fim do exame do quarto ano de escolaridade. Exame vital na situação concreta educativa e na realidade cultural e social do País. Como esperançosamente Vital Moreira percebeu.
Os exames – é preciso dizê-lo? – não são para "chumbar" os alunos. São, pelo contrário, para que cada vez menos se verifique a necessidade de retenções, para que os alunos transitem sabendo.
António Costa não vê a evidência disto tudo? Como pode defender ou permitir o regresso dessa escola? Dessa escola em que mais de 30% das crianças terminavam o primeiro ciclo do ensino básico sem saberem ler, iletrados para sempre? Como pode escolher o nivelar por baixo, que afectará mais e sobretudo as crianças pobres, as que não podem pagar o ensino privado, voltando a fazer crescer a ignorância e as desigualdades na sociedade, preparando-a, como a nossa história prova, para o jugo de demagogos e de tiranos?
Em vez de defender o nivelar por cima, que não podendo ser, por razões humanas e sobretudo de liberdade, completamente atingível, a todos elevará.
Como pode o PS voltar a ignorar esse ideal humano mais distintivo, fonte da liberdade, herança liberal mais nobre também do socialismo e da esquerda democráticas, na educação? Dar a oportunidade aos mais desfavorecidos de se instruírem e mudarem o seu destino.
NOTAS:
1) “Há mais boas notas e muito mais informação. Mas é preciso cuidar das fragilidades agora mais a nu. (...) mais de 80% das escolas secundárias tiveram este ano média positiva nos exames, mais do que duplicando relativamente ao ano negro de 2013. (...) A informação disponibilizada pelo ministério nunca foi tanta (...) permitindo análises e abordagens até aqui impensáveis”. Ver o editorial do PÚBLICO (12/12/15).
2) Toleraram hipocritamente a emergência, imposta pela realidade, das escolas profissionais privadas, refúgio para os desqualificados do ensino público, que as podiam pagar.
Guilherme Valente
Editor da Gradiva
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6 comentários:
Prezado Dr. Guilherme Valente: Não quero, nem posso, deixar de saudar o seu combate sem tréguas contra um sistema educativo que navega em águas turvas de descarado facilitismo. Bem haja, meu prezado Amigo.
"Os exames – é preciso dizê-lo? – não são para "chumbar" os alunos. São, pelo contrário, para que cada vez menos se verifique a necessidade de retenções, para que os alunos transitem sabendo." Na verdade os exames do ensino Básico não reprovam os alunos, verdadeiramente. Mas, tenho dificuldade em entender como é que os mesmos são para diminuir a necessidade de "reter os alunos para que transitem sabendo."
Descendo ao terreno, apesar da pequena importância que os exames têm na retenção dos alunos do EB há os que , mesmo assim, ficam no 6º ano até atingirem a maioridade, causando inúmeros problemas às escolas que os acolhem, como se imagina. Nem todas as famílias são como as nossas e ao reter esses jovens até ao final da escolaridade no 2º ciclo estamos a fazê-los trilhar o caminho da revolta e da marginalidade.
Por outro lado, estamos a matar a criatividade e o desenvolvimento das capacidades manuais desta geração, há muito mais disciplinas além do Português e da Matemática.
Ivone Melo
Caro Dr Guilherme Valente
Assino por baixo. Ouço muitos dizerem: "Com os exames, os alunos só aprendem para o exame e os professores só ensinam para o exame". Mas que mal há nisso? Falam como se estudar para um exame fosse pecado ou heresia. E acrescentam: "O aluno deve aprender na globalidade e não só para os exames. Isto é um disparate perfeito. Tomáramos nós que os alunos se saíssem bem nos exames. E, para quem diz a frase que cito entre aspas, basta apontar o dedo: melhorem-se os exames, mas não se apaguem!
Um abraço
Guilherme de Almeida
Nunca será demais sublinhar que um sistema permissivo e pouco exigente, eufemisticamente agora chamado de inclusivo ou integrador, prejudica principalmente quem mais precisa da escola, os mais pobres, aqueles que têm o estudo orientado e exigente como única alternativa de mudar a situação que, por nascimento, parece estar-lhe destinada. Quem duvidar disto pode muito simplesmente informar-se sobre a origem social dos estudantes dos cursos mais prestigiados em Portugal. Parece uma grande contradição ser a chamada “esquerda” (defensora, por definição, dos trabalhadores), a dar suporte a estas políticas, mas talvez não seja assim tão contraditório…
Se não houvesse exames nacionais, nunca teria ingressado no Ensino Superior no curso que pretendia. É impossível para um aluno de uma escola pública honesta competir com as médias internas de colégios privados do Porto.
Foi com imensa preocupação e tristeza que tomei conhecimento, pela boca do actual (imberbe, embora barbudo) ministro da Educação, do fim dos exames, substituídos por fictícias provas de aferição. Subscrevo o texto e os comentários acima. Cada vez mais me convenço que, numa democracia como a nossa, a maior parte das decisões do governo deveriam ser referendadas pelos cidadãos. Acaso o povo aprovaria meterem-se 2 mil milhões dos seus impostos, no Banif? E, agora, acaso aprovaria o fim dos exames? (Isto só para mencionar últimos escândalos contra os quais o povo nada pode fazer...)
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