sábado, 30 de janeiro de 2016

PORTUGAL E O ESPAÇO

Já saiu o livro "Portugal e o Espaço" de Manuel Paiva, especialista em fisiologia no espaço e divulgador científico (laureado com o Grande Prémio Ciência Viva em Novembro de 2015). O editor foi a Fundação Francisco Manuel dos Santos. Para abrir o apetite para o livro, que é pequeno e muito barato, coloco aqui o seu início. 

 A exploração do espaço e, em particular, a investigação científica no domínio espacial têm uma característica a que um antigo diretor da Agência Espacial Japonesa chamou  “triângulo infernal”: a necessária colaboração entre ciência, indústria e política. Portugal não escapa a esta regra e a designação citada pode ter alertado o leitor para um potencial desastre, conhecidas que são as derrapagens nas parcerias público-privadas e a má imagem que os portugueses têm, em geral, dos seus governantes. O referido triângulo não é equilátero, isto é, os lados não são iguais, se os considerarmos proporcionais à importância relativa de cada ator. A separação destes três poderes deveria ser sempre respeitada e o pior aconteceria se interesses políticos, industriais e científicos estivessem concentrados na mesma pessoa. Por outro lado, do carácter espetacular das missões espaciais resulta que os média tenham neste domínio um impacto maior do que em outras áreas da atividade humana.

Apesar dos progressos obtidos pelas Universidades portuguesas, as classificações destas nos rankings internacionais são modestas, as colaborações com a indústria são muito limitadas e o número de patentes registadas é também muito baixo. Felizmente, a contribuição portuguesa para a aventura espacial tem duas características que vão pesar no prato otimista da balança: a juventude da maioria dos cientistas envolvidos e a inevitável internacionalização da investigação no domínio espacial. Como veremos, a investigação espacial realizada em Portugal tem um nível muito aceitável, se levarmos em conta a dimensão do país. Compreender as razões deste sucesso talvez possa fornecer algumas indicações sobre a sua eventual transposição para outros sectores da economia. Uma caraterística interessante dos projetos espaciais é a associação íntima entre investigação científica e a aplicação prática.

 A organização deste livro foi facilitada pelo Portuguese Space Catalogue da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que funcionou como ponto de partida. Este excelente catálogo oferece informações sobre as empresas (industry)  e os institutos de investigação (research institutes) portugueses que indicaram ter uma atividade na área do espaço. Os respetivos sites constituíram a fonte principal de informação para os dois capítulos seguintes. Espero que o leitor leia este livrinho na integra, mas organizei-o de modo a que cada capítulo possa ser lido independentemente dos outros.

 Como é do conhecimento do grande público, o motor da exploração do espaço não foi a curiosidade científica, mas a vontade de hegemonia militar. Assim, o primeiro foguetão que permitiu o transporte de cargas de cerca de uma tonelada a centenas de quilómetros de distância foi a bomba voadora V2, construída durante a Segunda Guerra Mundial. Depois, os progressos gigantescos no domínio da exploração espacial foram devidos à corrida entre os Estados Unidos e a União Soviética, no contexto da Guerra Fria, com a finalidade de conquistar a prioridade de levar um ser humano à Lua e de o trazer de volta são e salvo. A Agência Espacial dos Estados Unidos da América do Norte, a NASA, foi criada com a finalidade de vencer os soviéticos, o que conseguiu de maneira brilhante.

Neil Armstrong ficou associado aos primeiros passos do homem na Lua. Menos conhecido é Alexeï Leonov, que tinha sido selecionado pelo estado soviético para lá chegar primeiro. As razões desta vitória têm sido objeto de múltiplas análises, mas parece-me haver unanimidade sobre um ponto essencial: a maior capacidade de inovação dos norte-americanos. Por exemplo, desenvolveram novos motores para o lançador gigante Saturno V, enquanto na mesma altura os russos construíam com grande secretismo o primeiro andar do lançador  N-1, com 30 motores tradicionais, que explodiu quatro vezes consecutivas. Por outro lado, havia enormes rivalidades no programa espacial soviético, ao passo que na NASA a liderança não sofria contestação. Tendo perdido a corrida à Lua, os russos concentraram-se na construção de estações espaciais e na obtenção de recordes de permanência no espaço, proezas que impulsionaram a medicina espacial e o estudo da adaptação do corpo humano a longos períodos de imponderabilidade. Não sendo a curiosidade científica a motivação inicial, os resultados científicos foram muito limitados.

Mesmo antes da aventura espacial, os observatórios astronómicos e meteorológicos, assim como os centros de telecomunicações,  tinham atividades científicas com uma massa crítica de investigadores que iria beneficiar da exploração espacial. No entanto, a criação da Agência Espacial Europeia (ESA) foi o acontecimento principal para o desenvolvimento da exploração e da utilização do espaço pelos europeus. A ESA nasceu no dia 15 de abril de 1975 com a aprovação, em Bruxelas, da versão final do acordo que levou à fusão de duas organizações: a ELDO (European Launcher Development Organisation), que se dedicava à construção de lançadores, e a ESRO (European Space Research Organisation), dedicada à investigação espacial. Assim, em 2015 foram festejadas as bodas de ouro da exploração europeia do espaço e podemos estar orgulhosos dos resultados alcançados. Se bem que Portugal só tivesse aderido à ESA a 14 de novembro de 2000, beneficiou do que tinha sido realizado até então, mesmo antes da existência da ESA. Em 1973 foram tomadas duas decisões cujas consequências ainda se fazem sentir de modo determinante: a construção do lançador Ariane e do Spacelab, o laboratório que constituiu a contribuição europeia para o programa dos vaivéns. O Ariane é, ainda hoje, um enorme sucesso comercial e o Spacelab mudou radicalmente o modo de fazer investigação em imponderabilidade. Até aí, a via principal para se chegar a astronauta era a carreira de piloto de ensaio. Então, e pela primeira vez, uma parte dos astronautas passaram a ser selecionados em função das suas capacidades para efetuarem experiências científicas.

Nas próximas décadas, o Portugal espacial vai depender das decisões que serão tomadas no quadro da ESA. Parece-me por isso útil mencionar algumas datas que marcaram momentos importantes da sua história.

 23 de dezembro de 1977: seleção dos primeiros astronautas da ESA: Claude Nicollier, Franco Malerba, Ulf Merbold e Wubbo Ockels, respetivamente suíço, italiano, alemão e holandês.

26 de março de 1979: criação de Arianespace, a primeira empresa comercial de transporte espacial.

24 de dezembro de 1979: lançamento do primeiro lançador Ariane a partir do Guiana Space Center em Kourou, na Guiana Francesa.

 28 de novembro de 1983: lançamento do laboratório europeu Spacelab a bordo do vaivém Columbia com o astronauta da ESA Ulf Merbold.

 2 de julho de 1985: O Ariane 1 parte com a sonda Giotto ao encontro do cometa Halley.

13/14 de março de 1986: encontro e fotografias do cometa Halley. Descoberta da estrutura de um cometa.

 29 de setembro de 1988: assinatura do acordo de cooperação entre a ESA e a NASA para a construção do que viria a chamar-se a Estação Espacial Internacional (International Space Station ou ISS).

24 de abril de 1990: lançamento do Telescópio Espacial Hubble com participação europeia. Uma nova visão do Universo, baseada nos dados enviados pelo Hubble, conduziu a milhares de publicações científicas.

 3 de setembro de 1995: lançamento da primeira missão de longa duração de um astronauta da ESA. Thomas Reiter permaneceu 179 dias no espaço.

10 de dezembro de 1999: primeiro voo de Ariane 5.

14 de novembro de 2000: Portugal tornou-se o 15.° membro da ESA.

16 de novembro de 2000: acordo entre a ESA e a União Europeia sobre uma estratégia espacial comum.

2 de junho de 2003: lançamento de Mars Express, a primeira missão europeia para outro planeta. 2 de março de 2004: lançamento da sonda Rosetta para a primeira aterragem num cometa.

14 de janeiro de 2005: a sonda europeia Huygens aterra em Titã, a maior lua de Saturno, a aterragem mais longínqua jamais efectuada. A sonda-mãe Cassini continua a estudar Saturno e as suas luas, como Encélado onde se pensa existir um mar salgado por baixo da superfície gelada.

15 de março de 2007: a partir da órbita marciana, a sonda europeia Mars Express confirma a existência de água em Marte, sobretudo perto do Polo Sul.

7 de fevereiro de 2008: lançamento de Columbus, o laboratório europeu da ISS. 21 de outubro de 2011: lançamento do primeiro satélite Galileo, o sistema europeu de posicionamento e navegação globais.

19 de dezembro de 2013: lançamento de Gaia, sonda capaz de distinguir, a partir da Terra, dois pontos na Lua separados por um centímetro. Estuda galáxias longínquas e está a catalogar mil milhões de estrelas.

25 de julho de 2013: lançamento de Alphasat, o maior satélite europeu de telecomunicações.

12 de novembro de 2014: aterragem de Philae no cometa Churyamov-Gerasimenko e transmissão de dados científicos para a sonda Rosetta que estava em órbita à volta do cometa. Tal significa grandes progressos no conhecimento da formação do sistema solar e no estudo da origem da vida.

Uma das características da maior parte dos projetos espaciais é o tempo que decorre entre a sua concepção e a respetiva realização. Os cientistas que conceberam o Hubble e a Rosetta, e que ainda estão vivos, já devem estar todos reformados. Várias missões foram recentemente selecionadas pela ESA. Uma delas é Athena, que deverá ser lançada em 2028 para estudar os buracos negros, cuja existência foi confirmada graças ao telescópio Hubble.

Este resumo de algumas datas importantes na vida da ESA e de alguns dos seus sucessos permite situar o contexto da integração de Portugal no espacial europeu. Será a responsabilidade dos portugueses que participam nas diferentes instâncias da ESA contribuir para definir o seu futuro. Além dos enormes progressos científicos conseguidos graças aos satélites, os benefícios que nos vêm da investigação espacial estão tão presentes na nossa vida corrente que já nem nos apercebemos deles. É o que acontece quando usamos, por exemplo, o GPS, a informação meteorológica, ou as telecomunicações.
(...)

Manuel Paiva

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