1 - Lavoisier
Na poesia,
natureza
variável
das palavras,
nada se perde
ou cria,
tudo se
transforma:
cada poema,
no seu perfil
incerto
e caligráfico,
já sonha
outra forma.
2- Look Back In Anger
Podia ser a névoa habitual da noite, os charcos
cintilantes, o luar trazido por um golpe de vento às trincheiras da Flandres,
mas não era. Quando acordou mais tarde num hospital da retaguarda, ensinaram-no
a respirar de novo. Lentas infiltrações de oxigénio num granito poroso, durante
anos e anos, até à imobilidade pulmonar das estátuas.
Hoje, um dos seus filhos sobe ao terraço mais obscuro
da cidade em que vive e olha o passado com rancor. O sangue bate, gota a gota,
na pedra hereditária dos brônquios e ele sabe que é o mar contra os rochedos, a
pulsação difícil das algas ou dos soldados mortos nessa noite da Flandres.
As imagens latentes, penso eu, porque sou eu o homem
na armadilha do terraço difuso, entrego-as às palavras como se entrega um filme
aos sais da prata. Quer dizer: numa pura suspensão de cristais, revelo a minha
vida.
3 - O círculo
Caminho em volta desta duna de cal, ou dum sonho mais
parecido com ela do que a areia, só para saber se a áspera exortação da terra,
o seu revérbero imóvel na brancura, pode reacender-me os olhos quase mortos.
O que eu tenho andado sobre este círculo incessante; e
ao centro o pólo magnético ainda por achar, a estrela provavelmente extinta há
muito, possivelmente imaginada, conduz-me sem descanso, prende-me como um íman
ao seu rigor já cego.
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