quarta-feira, 4 de julho de 2012

Literatura, Ciência e Barbárie


Novo artigo convidado de Ângelo Alves (na imagem Lise Meitner):
 
O trauma da segunda guerra mundial foi inultrapassável para alguns dos grandes escritores judaicos do século vinte: Primo Levi, Jean Améry, Stefan Zweig, Paul Celan, etc. Para o homem justo a iniquidade e a barbárie são carcinomas, na maioria dos casos, fatais.

Quando Hitler chegou ao poder, em 1933, Stefan Zweig, que convivera com grandes pacifistas e filantropos - Romain Rolland, James Joyce, Thomas Mann, Paul Valéry - exilara-se no Reino Unido e, posteriormente, no Brasil, onde se suicidaria em 1942. No seu livro de contos “Confusão de Sentimentos”, soberbamente traduzido para português, há uma tendência para o destino guiar os homens para a paz, mesmo quando esta advém da morte e da separação. Porém, o destino de Zweig acabará de forma trágica, a única saída que encontrou para o desassossego que o invadira após a ascensão do nacional-socialismo. Para ele a paz e a liberdade são valores que o homem jamais pode abdicar.

Paul Celan - que, na minha opinião, influenciou indelevelmente a poesia do último quartel do século vinte e a hodierna, com o uso abusivo de metáforas e uma escrita hermética -, depois de perder os pais num campo de concentração alemão -  acontecimento que perpassa em toda a sua poesia, mormente no poema belíssimo “Sete Rosas Mais Tarde” – acabou, também ele, por se suicidar em 1970 no rio Sena. Para  Celan a morte é a vida do Nada que somos, visão trágica e pessimista da natureza humana, que se subentende em versos como “...morro e apago-me/ na grande monção – é então que verdadeiramente vivo…”, “confia no rasto das lágrimas/ e aprende a viver,” “o grito de uma flor/ anseia por uma existência” – o nada anseia pela vida, sofrer é ser nada, mas só pelo sofrimento o nada viverá. Como? Pela arte. É uma visão oposta ao existencialismo de Albert Camus. Para Camus a vida é um absurdo porque nada sabemos sobre a morte. Assim só temos uma saída: sermos felizes e justos…Hoje, Celan está bem vivo, felizmente, porque seguiu o caminho da dor – da arte.

Um desfecho completamente diferente teve a física Lise Meitner: viveu noventa anos. Judaica, como os anteriores, refugiou-se em Estocolmo, enquanto, na Alemanha, Otto Hahn bombardeava urânio com neutrões. Da reacção obteve, como fragmentos, o rádio e o bário – o último não o identificou de imediato. Foi Lise Meitner que, correspondendo-se com ele, explicou todo o processo da fissão nuclear. O Nobel da Química acabou por ser entregue somente a Otto Hahn. No caso do efeito fotoeléctrico, tanto Philip Lenard como Einstein receberam o Nobel; ainda que Lenard - nacional–socialista - reclamasse a explicação do efeito fotoelétrico, Einstein é que deu o último e decisivo passo para a sua compreensão: o quantum de luz.

Os cientistas, geralmente, conseguem suster a dor, ao contrário dos escritores. Nestes a dor sobe até transbordar. Ambos têm ambições mas, para o escritor, a dor corre mesclada com as letras. No fim, quer um quer outro, sobrevivem à morte.

A ascensão da extrema-direita na Europa é, para mim, de todo incompreensível, uma regressão. Não se repita o passado. Os “assassinos escrevem poemas”, é verdade senhor Celan, os assassinos escreveram poemas, assim como a injustiça, no meu país, continua a escrever poemas.

Ângelo Alves

5 comentários:

cs disse...

gostei !

Unknown disse...

Tem razão, a ascenção da extrema-direita, basicamente identificada com os valores do socialismo do tipo nacional (nacional-socialismo), é uma tragédia.
Tão grande como a ascenção da extrema-esquerda, identificada com valores muito idênticos.
E, no que respeita aos judeus, pavorosamente iguais.

João de Castro Nunes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cláudia S. Tomazi disse...

Que coisa feia o tabagismo. Seria uma feminista?!
Diria do gesto europeu a excentricidade.

João de Castro Nunes disse...

Os assassinos também
seus versos sabem fazer;
o que não sabem, porém,
é poemas... escrever!

JCN

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