quarta-feira, 18 de julho de 2012

O Poeta Do Chão


Ângelo Alves escreve sobre o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade:

Não gosto de ler antologias poéticas. É como ver pétalas de buganvílias pelo chão, é como ver fragmentos de um todo. Caiu-me, entretanto, nas mãos uma antologia de Carlos Drummond De Andrade (com a chancela Dom Quixote), que me aguçou o apetite para ler a sua obra na íntegra. Do poeta não sabia absolutamente nada, desconhecia a sua tendência política, religiosa, sociológica, antropológica, enfim a sua personalidade. Para mim a poesia só tem sentido se o poeta acompanhar o seu tempo, escrever sobre si e o seu tempo. Por exemplo, a “Mensagem” de Fernando Pessoa e o “Atlântico” de Manuel Alegre são livros vulgares, na medida em que só acrescentam ao leitor o conhecimento histórico; nada está ali do poeta, excepto o seu talento.

Regressando a Drummond de Andrade ele escreveu sobretudo sobre o que sentiu e pensou, pelo menos segundo o que li na antologia. O coração, maior que o mundo iníquo, foi o seu ponto de partida: “Mundo mundo vasto mundo, / mais vasto é meu coração.”; prossegue com o desalento face ao seu país imerso na corrupção: “Perdi o bonde e a esperança”; a solidão: “Nesta cidade do Rio…estou sozinho na América”; a timidez e a incompreensão dos outros: “Mas se tento comunicar-me, / o que há é apenas noite”; a impotência de quem está só: “Posso, sem armas, revoltar-me?”; o ódio ao progresso, ao mercantilismo, à manufacturação e à sujidade: “o tempo é ainda de fezes…”, “ Melancolias, mercadorias espreitam-me?”; a exaltação da Natureza: “Uma flôr nasceu na rua!... Furou o asfalto”; a fraternidade: “tudo, mas tudo é nosso irmão”; o sentimento: “Não cantarei amores que não tenho…”; a indignação contra a hipocrisia das romarias cristãs: “Jesus já cansado de tanto pedido / dorme sonhando outra humanidade”; a profissão: “Hoje sou funcionário público”; o poeta do princípio do mundo: “Sinto-me disperso, / anterior a fronteiras”; a impotência face à injustiça e à guerra: “aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a distribuição / porque não podes, dinamitar a ilha de Manhattan”; a repugnância a ditadores, democratas, às leis e aos partidos: “As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei…”, “ Este é tempo de partido, / tempo de homens de partidos”; a urgência do amor: “Este o nosso destino: amar sem conta,”; e, finalmente, o amor ao chão: “ minha leitura é no chão” .

A sua poesia é a sua personalidade; próxima da de Afonso Duarte, segundo o qual “A terra é tão sociável”, do telúrico Miguel Torga, com laivos do anti-capitalismo de Henry Miller, do anarquismo de esquerda de Kropotkin, do nojo ao cimento e à manufacturação de Garcia Lorca, da saudade da terra natal e do passado de Teixeira de Pascoaes. Em suma a sua poesia é enorme porque é clara. Como modernista soube dosear a metáfora, cujo excesso torna a poesia hermética, na minha perspectiva. O poema “No meu caminho tinha uma pedra”, hoje traduzido em inúmeras línguas, é magnífico pela sua simplicidade:

"No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra. "

Casimiro de Brito fez um poema inspirado neste:

"No meio das pedras há um caminho
há um caminho no meio das pedras
um caminho descrevo
um caminho aberto no meio das pedras.

Como posso esquecer-me deste acontecimento
se meus olhos cansados rebrilharam?
Não posso esquecer-me que no meio das pedras
há um caminho,
um caminho aberto no meio das pedras
no meio das pedras um caminho aberto."


Há na poesia de Drummond de Andrade muitas analogias com a poesia de Walt Whitman e, sobretudo, com a de Frederico García Lorca: A solidão, o amor à terra, a denúncia dos exageros da civilização moderna, a perplexidade face à desumanização da sociedade, que perpassa no “Poeta en Nueva York", por exemplo nestes versos “La aurora de Nueva York / gime/ por las inmensas escaleras / buscando entre las aristas nardos de angustia dibujada”. Lorca, como modernista, abusou da metáfora, mas fê-lo com mestria.

O meu poeta brasileiro preferido é Alberto de Oliveira. Todavia Drummond é igualmente grande. Passaram 110 anos após o seu nascimento. Amiúde roubam os óculos da sua estátua no Rio, mas a Terra, a seus pés, nunca a roubarão.

Ângelo Alves

1 comentário:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Com relação ao poeta: exalta do sentimento a ternura e no entanto mescla na exibida identidade a coerência, equilíbrio e carisma, características do expoente brasileiro. Aliás, diga-se da américa no assíduo contexto a presença.

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