quarta-feira, 4 de julho de 2012

Biologia e geologia: os programas, o ensino e os exames transformados num problema

Texto que recebemos há quase um ano do nosso leitor José Batista da Ascenção e que muito agradecemos. Publicamo-lo sem alterações porque (infelizmente) permanece actual.

Desde a época de 2005-2006, os exames de biologia e geologia tornaram-se um quebra-cabeças para alunos e professores, com resultados muito abaixo do que era comum antes disso. O que se terá passado? Os professores são praticamente os mesmos, e com eles aprenderam muitos médicos, bioquímicos, farmacêuticos, analistas, investigadores, etc, que são hoje profissionais competentes ou mesmo brilhantes. Por outro lado, os alunos não ficaram repentinamente diminuídos de então para cá. Se os professores não se tornaram subitamente incompetentes nem os alunos ficaram estúpidos, o que mudou então? E as coisas até se agravam se se pensar que se tornou habitual, a meio do ano, o ministério disponibilizar testes intermédios, da mesma tipologia dos exames, numa acção que bem pode dar razão aos que entendem ser criticável um certo adestramento com vista à realização de provas.

Ora, não havendo efeitos sem causas, razões há-de haver para explicar tais resultados. Razões que não têm sido discutidas, salvo a repetida necessidade de formação de professores. Formação a que os docentes se sujeitam, mas que, pelos vistos, está longe de corresponder aos objectivos. Este ano, por exemplo, houve formação específica para professores classificadores, em que formadores e formandos honestamente se aplicaram, mas que não resolvem os problemas a montante.

Em meu entender, as razões são muitas. Entre elas:

A nível do ensino secundário, a disciplina de biologia e geologia devia ser desdobrada em duas. E competiria aos alunos e seus encarregados de educação escolher uma ou ambas consoante os seus planos futuros. Naturalmente, qualquer aluno, no final do secundário poderia autopropor-se a exame, independentemente de estar matriculado ou não. Como as coisas estão apouca-se a geologia, que parece andar a reboque da biologia, e limita-se a biologia, que não pode estudar-se como devia, por condicionalismos de tempo e horário. Hoje, muitos alunos odeiam a geologia, porque a vêm como obstáculo a que possam entrar em medicina. É triste, e era escusado. Em contrapartida, há, embora menos, alunos que gostam de geologia (por exemplo filhos de geólogos) que passam dois anos pouco entusiasmantes, a abordá-la pela rama. O que é pena.

Os programas. Dominados por teorias diversas, os programas são uma dor de cabeça para os professores, porque fazem doutrina e não especificam o que deve ser ensinado. De modo muito resumido, costumo dizer que o programa da parte de biologia do ano I (normalmente o décimo ano) mais parece ter sido feito para impedir que os alunos aprendam e que os professores consigam ensiná-los. Tal é a profusão de temas, sem sequência lógica, relação ou articulação, abordados a correr e simplificados de modo por vezes caricatural. E dói, dói muito a um professor ter que “ensinar” aquilo que sabe que os alunos não podem, mesmo que queiram - e alguns querem muito - aprender.

O domínio da língua portuguesa. Como se sabe, os alunos revelam cada vez mais dificuldades no uso da língua. Claro que há uma fracção deles (20-30%?) que não sofrem desse mal, mas grande parte, se não a maioria, não entendem bem o que lêem e alguns, cada vez mais, não compreendem mesmo o discurso dos professores nas aulas. É um problema terrível…

Os exames têm sido concebidos dentro de um certo padrão, com algumas variações. Devemos questionar-nos sobre se este tipo de exames é o mais adequado para testar os conhecimentos dos alunos. A começar… pela linguagem. Na realidade, os exames apresentam quatro grupos de questões que se iniciam por um texto longo, deliberadamente críptico, nem sempre bem redigido. Por exemplo, no texto do grupo I, do exame mais recente, em três parágrafos diferentes, ao correr do texto, escreve-se “obter Li”, “tratamento do Li”, “fornecedor de Li”, quando se devia ter escrito “obter lítio (Li)”, “tratamento do lítio (Li)”, “fornecedor de lítio (Li)”. Parecem pormenores, mas são o suficiente para alguns alunos passarem a escrever “li”, agora com minúscula, referindo-se-lhe como “o li”… Outro exemplo, no exame da 1.ª fase deste ano, na introdução à última pergunta do grupo IV, bastaria ter-se começado pela segunda parte e passando a primeira para o fim, e, estou em crer, muito mais alunos teriam dado uma explicação completamente correcta à questão.

A extensão. O último e o penúltimo exames estendem-se por dezasseis (!) páginas. Isto permite um bom espaçamento entre as questões. Mas há páginas em branco (duas em cada) que são um desperdício acrescido. Nas escolas, por razões de economia, não podemos usar mais de cinco ou seis páginas em cada teste. E, para saber se um aluno sabe, não se justifica tamanho esbanjamento. Para além da carteira, o ambiente agradecia.

Erros não assumidos nem corrigidos. Exemplos:

- A pergunta 2 do Grupo II do exame da 1.ª fase deste ano propõe a escolha de uma opção correcta de entre quatro, em que três estariam, obviamente, erradas. Porém, e considerando a versão 1 da prova, se se atendesse ao que está escrito no texto, a resposta a escolher seria a (C), como estipulavam os critérios. Mas, se os alunos tomassem como referência o símbolo da legenda da figura 4 referente às “sequências [que incluem exões e intrões, parêntesis meu] que se tornam intrões”, então, (considerando a mesma versão) já fazia sentido escolher a opção (B), mais de acordo com o que é dito nas aulas, que vem nos manuais e que o programa não discrimina. Como alguns alunos fizeram, ingloriamente;

- Na prova da 1.ª fase, de 2010, a pergunta 2 do grupo III, exigia como certa, de quatro opções, relativas a métodos de datação radioactiva, uma das três que estavam erradas! Foi feito um alerta para este erro, que, não obstante, se manteve até final. Quem se chegou a pronunciar sobre essa situação específica, na sequência da intervenção de uma professora do ensino secundário, foi o Professor Carlos Fiolhais, neste mesmo blogue..
 

Perguntas em que se exige o contrário do que se recomenda no programa. Por exemplo, em matéria de ciclos de vida, no programa do ano II (normalmente o 11.º ano), página 10, “sugere-se, na medida do possível, a selecção de ciclos de vida simples, de seres conhecidos dos alunos (já estudados ou de habitats característicos da zona onde a escola se insere). Será fundamental que o professor seleccione construa e/ou adapte documentos apropriados aos seus alunos, nos quais os ciclos de vida se apresentem de modo simplificado no que respeita à identificação de estruturas morfológicas” (sic.), mas nos exames saem normalmente ciclos incomuns, com referência a estruturas muito específicas, de nomes particularmente esquisitos, e às vezes suportados em esquemas que deviam ter sido melhor adaptados, como aconteceu com o ciclo de vida do nemátodo do pinheiro (grupo III, da prova da 1.ª fase, em 2009), em que, em minha opinião, o esquema original, mesmo em inglês, era preferível, porque... mais claro e mais fácil de entender.

Perguntas que não fazem parte dos programas. Na pergunta 7 do grupo II, do exame da 2.ª fase de 2010, pede-se ao aluno que "explique em que medida as micorrizas contribuem para a prática de uma agricultura sustentável", sendo que há vários anos que as micorrizas deixaram de ser abordadas em qualquer programa de biologia do ensino secundário!

Os critérios de “correcção” são, por vezes, abstrusos, correspondendo mais à intenção ou imaginação(?) dos fazedores das provas do que a aspectos da resposta que os professores “correctores” julguem pertinentes, e com que, em certos casos, manifestamente discordam. Este facto é comum nas conversas entre professores classificadores, embora menos assumido do que o desejável em "letra de forma". Porém, quando o é, cai em saco roto, por imposição (e/ou indiferença) de quem manda.

Quem ganha o quê, com isto? Não havia necessidade…

José Batista da Ascenção

4 comentários:

oversett engelsk norsk disse...

I think he is right - after having studiet 4 years at the universty in Sao P. I think I know what he is talking about.

J. Reis C. Leite disse...

Acho muito pertinentes as críticas aqui expostas. Sou geóloga (única na família) e desde pequena que sou apaixonada por Geologia, mas sem que o ensino básico e secundário tenham contribuído para isso, (pelo contrário fizeram-me questionar essa vocação).
Gostaria muito que o ensino de Geologia fosse melhor, mas o problema não está só do ensino secundário, o problema começa muito antes. Em todos os ciclos do ensino básico as componentes curriculares geológicas são precárias, eventualmente pouco adequadas e não proporcionam bases sólidas sobre esta ciência. Qualquer aluno no final do 9ºano sabe de longe muito mais de Biologia do que Geologia, o que se irá reflectir no secundário quando os programas exigem um domínio de conhecimentos sem que haja um domínio e uma familiaridade com os conteúdos e vocabulário implicado (nomeadamente do que respeita nomes de rochas e minerais, que serão desconhecidos pela maior parte dos alunos).
Quanto aos exames penso que estarão cada vez mais baseados em várias tipologias de questões de escolha múltipla que embora facilitem a correcção não serão necessariamente a melhor maneira de avaliar conhecimentos. Além disso enquanto os alunos abordarem as ciências naturais como testes à sua capacidade de memorização as taxas de sucesso serão necessariamente baixas.
Mas não posso deixar de fazer uma crítica ao que foi dito “A nível do ensino secundário, a disciplina de biologia e geologia devia ser desdobrada em duas. E competiria aos alunos e seus encarregados de educação escolher uma ou ambas consoante os seus planos futuros.” Até concordo com um desdobramento, mas antes do 12ºano deveriam ser ambas obrigatórias. A Geologia é fundamental para a literacia científica e a escola deve contribuir não só para formar académicos, futuros cêntistas e engenheiros, mas também para formar cidadãos. Poder escolher logo à priori entre Biologia e Geologia é como escolher entre Química e Física. É discutível se estas deveriam ou não ser desdobradas em disciplinas autónomas mas é indiscutível que todas são fundamentais para a uma formação básica em Ciências

José Batista da Ascenção disse...

Caro J. Reis C. Leite

Não discordo particularmente da sua discordância. Especialmente depois da aprendizagem - tornada um prazer e um "vício" - que tenho feito no blogue "sopas de pedra" do Professor Galopim de Carvalho. Por exemplo, não me importava nada que a geologia fosse dada no décimo ano e a biologia no décimo primeiro, ou o inverso. Isso permitiria, pelo menos, uma grande coisa: que os pais em vez de serem obrigados a comprar quatro "packs" de livros se limitassem a comprar dois. O que seria ir contra certos interesses materiais, ao que me dizem, muito lucrativos...
Obrigado pelo seu comentário.

José Batista da Ascenção disse...

Ex: ma J. Reis C. Leite

Alertado por alguém próximo vim confirmar que, efetivamente,

a tratei no masculino. Confesso que não sei por que cometi

falha tão desagradável.

Por erro tão deselegante quanto involuntário apresento-lhe

sinceras desculpas.

José Batista da Ascenção

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...