sexta-feira, 20 de julho de 2012

A APOSTASIA DO LATIM EM CENTAZZI


Novo post de João Boaventura:

Guilherme Centazzi, algarvio de nascença, mas transportando consigo sangue paterno italiano e sangue materno lusitano, e do qual se deu aqui conhecimento ao estampar-se, neste blogue, a capa da tese com que concluiu o curso de Medicina, em 1834, em Paris, último refúgio resultante das muitas peripécias e dificuldades vividas na Universidade de Coimbra e nas lutas liberais contra D. Miguel.

Como qualquer emigrante, cujos recursos são por norma escassos, teve no início a ajuda do irmão até que a morte o chamou nas lutas liberais, e pelas dedicatórias ocupando integralmente a terceira página da tese, revelando na primeira a motivação do amor filial para a luta na vida, e na segunda, a evocação e o registo da gratidão em momentos difíceis:

À ma mère, como uma evocação mística, a que acresce uma quadra em língua lusa:

Se um amigo se perde, outro se encontra Pode, perdida a esposa, outra encontrar-se, Mas a mãe carinhosa, oh lei severa; Se se perde uma vez não pode achar-se.

À mon ami et protecteur Monsieur Bernardo José Fernandes (vide Apêndice, no final do post), a merecer este terceto:

Chamar-te é pouco protector, e amigo, O teu valor para mim, é incomparável, Podes crer bom sincero o que te digo.

Numa tese redigida em francês, não se entende a lusofonia das dedicatórias que se afigura talvez como uma forma de esclarecer que é português, e que o nome italiano que o acompanha é um mero acaso, se é que outras motivações se podem evocar.

Os seus recursos musicais e poéticos, novelas, romances, não terão sido os mais eficazes, mas a necessidade, como é mestra de engenhos, permitiu-lhe ainda publicar, em 1833, dois anos antes da sua licenciatura, o


Onde se regista a apelativa motivação aos estudantes liberais para a sua aquisição, com a indicação, sob o nome do autor, de réfugié portugais pour la cause de la liberté, o que assinalava os escassos recursos do autor.

Em 1840 publicou a referência O Estudante de Coimbra, ou Relâmpago da História Portuguesa, desde 1826 até 1838, em três tomos, a cargo da Tipografia de António José da Rocha, aos Mártires, Lisboa, 1840, e considerada como a primeira obra romancista portuguesa, longe de pensar que seria traduzida na Alemanha, antes de Alexandre Herculano.

Por mera curiosidade, e embora tardiamente, já que por aqui se tem abordado o problema do latim, sua utilidade ou inutilidade, dá-se a conhecer o que o médico Centazzi opina no referido romance:
"Na instrução relativa aos Liceus achei coisas mais espantosas do que o gigante Polifemo! Não me quis entrar nos miolos, que um rapaz até aos seus dezassete, ou vinte anos possa ficar sabendo ler, escrever, e contar, Doutrina Cristã, Língua Portuguesa; Francesa, Inglesa, Italiana, Alemã, e Grega, Geografia, Cronologia, História, Retórica, Lógica, Metafísica, Ética, Economia Politica, Aritmética, Álgebra, Geometria, Trigonometria, Desenho, e Latim... Latim... Não posso ainda hoje proferir este nome sem que se me arrepiem os cabelos ! [*]"
_________
[*] Não sei para que serve hoje, o Latim aos que se dedicam às Ciências Naturais? ; se é para estudarem os Autores antigos, os que valem a pena se acham actualmente em Francês, e outras Línguas vivas; se é por causa das Etimologias , não creio razoável que Se perca tanto tempo, com estudo tão espinhoso, a troco de meia dúzia de palavras; se é para desenvoltura do entendimento, muitas coisas mais proveitosas conseguiriam esse fim : devemos confessar, ainda que nos chamem ímpio, que tal ou qual fanatismo nos leva, mais do que a utilidade real, ao estudo da tal Madre Língua, e que nem por isso vejo que se entendem melhor o» que a sabem.

Guilherme Centazzi
O Estudante de Coimbra
Tomo III, Cap. XXXI, pp 31/32"
Apêndice:

Segundo foi possível apurar Bernardo José Fernandes viveu no tempo do vintismo, era proprietário de um bergantim, e a meias com outro de uma escuna portuguesa, meios de que se servia para viagens aos Açores e ao Brasil, destinadas à importação de cereais, havendo pedidos às Cortes para as realizar. (Vide Ordens das Cortes, de 12.02.1822”, in Diário das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, 2.º ano da Legislatura, Imprensa Nacional, Lisboa, 1822, p. 166).

Pela Crónica Constitucional de Lisboa, n.º 44, de 14.09.1833, a p. 834, o dito protector era tesoureiro da Câmara Municipal de Lisboa, com a função de acudir aos pobres refugiados com os socorros possíveis, ou sopa económica.
João Boaventura

1 comentário:

Cláudia da Silva Tomazi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.

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