Um grupo de investigadores de vários países reuniu-se em
Lisboa, entre 14 e 16 de Outubro de 2015, para apresentar e debater os
resultados das suas pesquisas no âmbito da História da Medicina Tropical. O
objetivo foi promover uma “reflexão histórico-social obre o papel da medicina
tropical no âmbito da saúde pública global, nos séculos XIX e XX” [1]. Os três
dias de evento deram lugar a 17 sessões temáticas, 66 comunicações, 3
conferências plenárias, uma mesa redonda, 2 exposições e uma visita ao Museu da
Associação Nacional de Farmácias [2].
Estas apresentações levaram à publicação de artigos nos
Anais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, num volume especial dedicado a este
encontro. Na impossibilidade de referir todos os artigos, irei debruçar-me
apenas sobre aqueles que foram escritos pelos investigadores do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da
Tecnologia (CIUHCT), por ser o centro de investigação ao qual pertenço. O
total dos artigos pode ser consultado aqui.
A professora Isabel Amaral analisou o impacto da II Guerra Mundial na obra de Aldo Castellani (1877-1971) e a influência do médico na escola portuguesa de medicina tropical (1946-1971), partindo do estudo do espólio legado ao Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT).
A professora Isabel Amaral analisou o impacto da II Guerra Mundial na obra de Aldo Castellani (1877-1971) e a influência do médico na escola portuguesa de medicina tropical (1946-1971), partindo do estudo do espólio legado ao Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT).
O italiano Aldo Castellani foi investigador na London
School of Tropical Medicine e na Ceylon Medical College, onde estudou a doença
do sono e a framboesia, respetivamente. Ensinou micologia, medicina tropical e
foi médico pessoal da Família de Savóia, que acompanhou no seu exílio para
Portugal, após a II Guerra Mundial. Quando chegou a Portugal já era conhecido
dos médicos tropicalistas, pois, no início do século XX, vira-se envolvido numa
disputa internacional com os médicos portugueses sobre quem tinha descoberto o
agente etiológico responsável pela Doença do Sono. A prioridade da descoberta
seria dada à equipa inglesa, da qual Castellani fazia parte. A sua carreira foi
pautada pela identificação de microrganismos responsáveis pela causa de doenças
tropicais. Autor prolífico, publicou mais de 500 artigos científicos. Apesar de
estar inserido na comunidade médica portuguesa, optou por movimentar-se por
outros circuitos, buscando reconhecimento internacional. [3]
O trajeto de Francisco de Cambournac na OMS (1952-1964)
foi estudado pela Rita Lobo e por mim, cujos resultados apresentámos em
co-autoria. Tendo encontrado novos documentos em arquivo, conseguimos
complementar uma lacuna existente na historiografia da medicina tropical,
discutindo os meandros da escolha de Cambournac para o Bureau Regional Africano
da OMS [4]. Os resultados do nosso trabalho já mereceram destaque na Imprensa.
Sendo a literatura farmacêutica no século XVIII relevante
para a história da farmácia e da medicina portuguesa, Wellington Filho apresentou
o estudo das obras de Frei Jesus Maria (1716-1795), monge-boticário e
administrador da botica do Mosteiro de Santo Tirso, influenciado pela
classificação de Lineu e pela ilustração do naturalista Domenico Vandelli -
duas figuras históricas importantes para a Botânica. As obras de Jesus Maria
revelavam a preocupação em melhor utilizar as riquezas coloniais e em conciliar
os conhecimentos populares do uso das plantas com o conhecimento médico-farmacêutico
do Iluminismo [5].
Ana Paula Silva, num artigo exploratório, recorrendo a
análise de documentos, procura argumentar que o trabalho de técnicos e
cientistas portugueses, nos anos 1960-1970, envolvidos na construção do lago
artificial de Cahora Bassa, terá aberto o caminho para a Medicina Ambiental em
Portugal e para a atual linha de investigação transversal do IHMT, as “Doenças
Emergentes e Alterações Ambientais”. Este trabalho deixou-lhe em aberto uma
questão que procurará responder no futuro, se a Medicina Ambiental foi
introduzida em Portugal através da Medicina Tropical [6].
Na organização do evento, estiveram envolvidos o Centro
Interuniversitário de História das Ciências e Tecnologia (CIUHCT), a Faculdade
de Ciências e Tecnologia da Univ. Nova de Lisboa (FCT-UNL), o Instituto de
Higiene e Medicina Tropical (IHMT), a Casa de Oswaldo Cruz, a Universidade de
York e a Fundação Friedrich Ebert.
Notas:
[1] Isabel Amaral (2016), in Anais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, p.7
[2] Maria Paula Diogo (2016), idem, p.17
[3] Isabel Amaral (2016), idem, pp.119-124
[4] Rita Lobo & João Lourenço Monteiro (2016), idem,
pp.133-140
[5] Wellington Filho (2016), idem, pp.161-166
[6] Ana Paula Silva (2016), idem, pp.175-182
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