sexta-feira, 30 de setembro de 2016

JOGOS OLÍMPICOS E ACTIVIDADE FÍSICA


“Não troco um êxito desportivo, de repercussão internacional, de um atleta ou de uma selecção, pelo prejuízo da falta de iniciação desportiva de alguns milhares de rapazes e raparigas das nossas escolas do ensino primário”. 
José Esteves

No rescaldo dos últimos Jogos Olímpicos, referencio o artigo do Público (21/08/2016), de Pedro Teixeira, professor da Faculdade de Motricidade Humana  e  director  do Programa Nacional de Promoção da Atividade Física da Direcção-Geral da Saúde (nomeação que saúdo), intitulado “Atividade física: um novo sinal vital de saúde”. 

Suscitou-me este artigo umas tantas reflexões sobre uma temática que mereceu a minha atenção em conferência por mim proferida na Sociedade de Estudos de Moçambique (1973), enquanto presidente da respectiva Secção de Ciências, intitulada “Educação Física: Ciência ao Serviço da Saúde Pública” (publicada no respectivo boletim, vol. 42, nº. 174, Jan./Dez. 1973).

De então para cá, a sociedade portuguesa continua  cada vez mais vitimada por doenças hipocinéticas, a que a televisão e os computadores  deram  uma “preciosa ajuda”, pela inactividade em  sentar, durante horas,  os nossos jovens na escola e em casa  em posições viciosas, quais “ostras fixadas ao rochedo” (Jean-Pierre Gasc). Desta forma, o nosso múnus social tem dificuldade em libertar-se de um platonismo que via no corpo o túmulo em vida da alma, aprisionado, séculos depois, em garras do dualismo cartesiano, procurando, ipso facto, encontrar mais espaço para determinadas disciplinas teóricas sonegando-a à educação física escolar, através do documento “Matrizes Curriculares dos Ensinos Básico e Secundário” (2012). 

Para além de acções de protesto de associações de professores de Educação Física, esta medida mereceu a crítica de uma carta aberta de professores da Faculdade de Medicina da Universidade de  Coimbra, Carlos Fontes Ribeiro, Anabela Mota Pinto, Manuel Teixeira Veríssimo e João Páscoa Pinheiro (o primeiro e o último, igualmente, docentes na Faculdade de Educação Física e Desporto desta Universidade), dirigida ao então ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, de que extraio este excerto: “As acções governamentais deverão ter em conta que a promoção da saúde, na qual se inclui o combate ao sedentarismo, deverá começar cedo sendo a escola um lugar privilegiado para valorizar as atitudes e incutir hábitos de vida saudável que irão nortear o indivíduo ao longo da vida”. 

Face ao exposto, impõe-se a mudança radical de mentalidades  dos que teimam em ver na exercitação física uma fábrica de hercúleos mentecaptos, de entre eles políticos e pseudo-intelectuais  de fato e gravata que, julgando fazer obra asseada e patriótica, se identificam, como almas gémeas, com políticos de antanho de colarinho engomado e bigodes revirados, descritos pela pena impiedosa de Ramalho Ortigão: “Como cultura física indigência igual à sua cultura mental. Se falando metem os pés pelas mãos, calados metem os dedos pelo nariz. Não têm ‘toilette’, não têm maneiras e têm caspa”. É, ainda, a “Ramalhal figura” que, em denodada campanha em prol da exercitação física da juventude, chama a atenção da Câmara dos Pares para um estudo demonstrativo que os exercícios ginásticos são úteis não só ao desenvolvimento físico dos educandos: “Nas escolas inglesas em que se introduziu a ginástica os alunos aprenderam mais e em menos tempo do que naquelas em que a ginástica não existia”. 

Sai reforçada esta constatação da velha Albion por um estudo nacional sobre a ginástica na melhoria da fadiga intelectual de 36 crianças do ensino primário na realização de provas de ditado. De uma forma muito resumida, ficou demonstrado que nos dias em que a prova de ditado era precedida de 15 minutos de ginástica os erros ortográficos dados eram em menor aos dias em que a ginástica não era ministrada. 

Este trabalho, intitulado “Influência do Exercício Físico na Fadiga Intelectual", foi levado a efeito por uma equipa de professores do então Instituto Nacional de Educação Física (actual Faculdade de Motricidade Humana), tendo merecido o segundo prémio científico da prestigiada Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa (1963), atribuído em colaboração com o Laboratório Pfizer, "com o objectivo de contribuir para a dinamização da investigação em Ciências da Saúde em Portugal”. 

Com o velho costume nacional de só nos lembramos de Santa Bárbara quando troveja, em face do desalento de uma única medalha de bronze alcançada nos últimos Jogos Olímpicos, por Telma Monteiro, não me parece ser caso para chorar sobre o leite derramado, mas, isso sim, estudar as medidas seguidas pelos países mais medalhados, mesmo em tempos de euforia pelo primeiro lugar alcançado pelas cores nacionais no último Campeonato Europeu de Futebol (2016).  Ainda que mesmo sabendo-se que o chamado "desporto-rei" deverá ser referenciado como espectáculo, na opinião desse inesquecível professor de Educação Física (antigo bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian), percursor da Sociologia Desportiva portuguesa, de seu nome José Esteves. Espectáculo que movimenta hoje multidões e quantias astronómicas gastas com transferências de jogadores, numa espécie de mercado de escravos pagos a peso de ouro.

E numa letargia dos nossos políticos, responsáveis pelo pelouro da Educação, em que os maiores sacrificados têm sido os nossos escolares por escassearem nos horários escolares horas de actividade física, preconizada pela própria Organização Mundial de Saúde (OMS), faltarem instalações desportivas condignas e se discutir se a nota da Educação Física do 12.º ano de escolaridade deve contar ou não, em igualdade com as outras disciplinas, para o ingresso no ensino superior podendo, como tal, dar prioridade de ingresso a pequenos Ernestinhos, “com membros franzinos, ainda quase tenros, que lhe dão um aspecto débil de colegial”, tão bem caracterizados pelo imortal Eça. 

Ou seja, conquanto o “Departamento de Saúde e Serviços Humanos”, dos Estados Unidos, tivesse emitido a recomendação de que “60% dos jovens deviam ter aulas de educação física diariamente, 70% deviam ser testados periodicamente nos níveis de aptidão física e 90% deviam participar em actividades físicas apropriadas para a manutenção de um efectivo sistema cardio-respiratório” (1980), três décadas depois (2012), nesta “ocidental praia Lusitana”,  foram partejadas  as muito contestadas “matrizes curriculares”. 

Razão continua a assistir a Antero: “A nossa fatalidade é a nossa história”!

2 comentários:

Banake disse...

E ainda assim, o mundo seria um lugar muito melhor sem as olimpíadas. - http://www.newsweek.com/why-olympics-and-other-sports-cause-conflict-75043

Rui Baptista disse...

Agradeço o seu interessante comentário aconselhando vivamente os seus leitores a lerem o texto referenciado no seu comentário:”Why the Olimpics and Other Sports Cause Conflict”.

O espírito de concórdia dos Jogos Olímpicos da Grécia Antiga, com as sua tréguas sagradas, foi-se perdendo, como sói dizer-se, na espuma do tempo, tendo eu escrito décadas atrás: Na actualidade, corre-se o risco de atingir a decadência do circo romano sem se ter conhecido sequer os benefícios de uma Educação Integral helénica.

Haja em vista os Jogos Olímpicos da Alemanha nazi, em manifestação de uma “raça superior” que se preparava para desencadear a II Guerra Mundial. Recorde-se, outro tanto, o ataque mortífero palestiniano à representação de Israel em Jogos Olímpicos bem mais recentes. Como diziam, os romanos: “O tempora! O mores!

Este um tema deveras interessante e não menos importante que, devido ao tempo que medeia entre a publicação do meu texto e do seu comentário, corre o risco de não ser lido e, como tal, ampliado com novas e possíveis achegas.

Cumprimentos amistosos,

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