A presidência dos Estados Unidos
aparece nas listas de empregos mais difíceis do mundo, juntamente com trabalhador
em minas de carvão ou pescador de caranguejo no Alasca. É bem pago, embora com
contenção: o casal Obama declarou que teve no ano passado um rendimento
conjunto bruto de 436.065 dólares (389.170 euros), sujeito a um imposto de 18,7%
(dividido por 14 meses, fica um rendimento líquido de 22.600 euros). Considerado o lugar com maior poder do mundo, não
admira que seja um dos mais difíceis de obter. O processo de selecção é longo,
complicado, cansativo e, para os próprios e seus adeptos, extremamente
dispendioso.
Escrevo quando faltam menos de
seis semanas para a eleição que determinará o próximo morador na Casa Branca. A
televisão está a transmitir o primeiro dos três debates entre os candidatos que
chegaram à final, escolhidos pelos dois maiores partidos: Hillary Clinton e
Donald Trump. As sondagens indicam neste momento um empate técnico, estando
Trump numa trajectória ascendente. Os analistas prevêem a vitória de Clinton,
por uma pequena margem. Um percalço num debate pode custar a qualquer um deles
o pretendido lugar.
Esta eleição tem sido
particularmente dura. Por um lado, os cargos de primeira dama, senadora e secretária de Estado na presidência de Barack
Obama trouxeram à Senhora Clinton um registo político e pessoal controverso. É
uma pessoa endinheirada, como transparece do facto de o casal Clinton ter
declarado, em 2015, 11 milhões de dólares de rendimentos, sujeitos a 31% de
impostos, conseguidos acima de tudo com discursos pagos por empresas. Entre
muitos eleitores, entre os quais uma boa fatia de democratas, é vista como
refém de interesses instalados, que não mudará o establishment. O facto de
poder vir a ser a primeira mulher presidente, após 44 homens, não é sentido
como uma mudança profunda. Por outro lado, Trump é um fenómeno nunca visto em eleições
americanas. É um multimilionário (a sua fortuna foi avaliada pela Forbes em 4,5
mil milhões de dólares, muito maior que a dos Clinton e, claro, dos Obama), mas
recusa-se a revelar o seu rendimento anual e a taxa de impostos. Acima de tudo,
é um personagem com um ego do tamanho da Trump Tower e totalmente
desbocado, conseguindo amiúde irritar altos
dirigentes do Partido Republicano. Alguns dos extremos da sua retórica de
“America First” (leia-se “Trump first”) foram atingidos quando prometeu
construir um muro ao longo da fronteira com o México, pago pelos mexicanos, quando
anunciou ir expulsar cerca de 11 milhões de emigrantes sem papéis e impedir a
entrada na América de quaisquer muçulmanos, e ainda quando declarou a sua
intenção de intensificar a luta antiterrorista com o uso de formas de tortura
mais violentas que o waterboarding (propôs
mesmo matar as famílias dos terroristas). Por muito bruto que seja o seu
estilo, o certo é que uma boa parte da América profunda se reconhece nele.
Eu, não sendo americano, não voto
nas eleições americanas. Mas, se o fosse, não hesitaria em votar contra Trump.
Os pecadilhos ou pecados de Hillary nada são comparados com as desmesuras do
seu opositor troglodita. O racismo e a misoginia
de Trump deveriam bastar para impedir a sua chegada ao poder: declarou recentemente
que uma jornalista que o entrevistou tinha “sangue a sair dos olhos e sangue a
sair do seu... seja lá o que for”, insinuando que estava menstruada; e um dos
seus colaboradores mais próximos da campanha tem espalhado a pergunta:
“Preferia que a sua filha tivesse cancro
ou feminismo?”, percebendo-se ser adepto da primeira opção. Mas acresce a sua
completa ignorância em assuntos tão importantes como a economia, a política
internacional e a ciência e tecnologia. Na economia não chega a ter um plano,
mas apenas as ideias de diminuir os impostos aos ricos e de rasgar os tratados
internacionais. Na política internacional, defende a ideia perigosíssima para o
equilíbrio mundial de que os até agora aliados dos Estados Unidos terão de assegurar
a sua própria defesa, o que implica a proliferação de armas nucleares, por exemplo
com a corrida ao armamento por parte do Japão e da Coreia do Sul (o físico Jeremy Bernstein explicou isto bem
num artigo na The New York Review of
Books de 12 de Maio, intitulado “The Trump bomb”) e a NATO a ficar à míngua.
Por último, na ciência e tecnologia, declarou-se contrário às medidas
ambientais exigidas pelo aquecimento global, algo em que não acredita. Chegou a
afirmar que o “aquecimento global é uma fraude inventada pelos chineses para
destruir a indústria americana.”
Olho para a televisão à espera da
próxima atoarda de Trump. Contudo, considerando todas aquelas que já disse
impunemente, fico com dúvidas se elas funcionam contra ou a favor dele. Vivemos,
de facto, num mundo estranho e perigoso.
PS) Respiro: a CNN diz que Hillary derrotou Donald no
debate.
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