terça-feira, 13 de setembro de 2016

Günter Grass: falésias de cré de Møns Klint



 Nos romances de G. Grass encontramos, com frequência, referências à petrologia. É assim em O Tambor, Um Campo Vasto, A Ratazana e Mau Agouro. Lápides funerárias, pedras tumulares e as falésias de cré de Møns Klint, na Dinamarca, encantavam o escritor alemão, nascido na polónia.
As falésias de cré e as pedras tumulares tanto tocam a veia poética do escritor como lhe inspiram belas alegorias. E, calcorreando a ilha de Vitte, os rochedos no horizonte lembram-lhe os vultos (Einstein, Freud e Thomas Mann) que por ali passaram.
1)

As pedras cinzentas e negras
Que caem do cré
E se amontoam na costa de Møns
São mais velhos do que se pensa.

Nós somos turistas de verão,
Inclinamos a cabeça para trás
E olhamos para o alto das falésias de cré,
Que se chamam Klints e têm nomes dinamarqueses.

Depois vemos o que jaz
Aos pés dos Klints e aos nossos: arredondadas
Como corpos, as pedras-pomes,
Quase todas com arestas cortantes.
Raramente, cada vez mais raramente,
Quando a sorte – voo de gaivota – nos roça,
Encontramos animais tornados pedras,
Como um ouriço-do-mar.

Adeus Møns e ao olhar lá para cima.
Adeus ilha de verão e as crianças
Onde poderíamos ter envelhecido
E ficado dinamarqueses.
Adeus aos postos de radar por cima
Dos bosques de faias, que estão para nos proteger.

Ah, se pudéssemos embeber-nos no cré e perdurar
Até que, daqui a cinquenta milhões de anos,
Turistas de uma nova espécie venham e, bafejados pela sorte,
Encontrem pedacinhos de nós petrificados: a minha orelha,
O dedo com que apontas.

                                                      (poema retirado de A Ratazana)
2)
 
 

«À direita, observa uma casa com escada externa em caracol que dizem ter sido desenhada pelo arquiteto Adolf Loos. O povoado de Vitte começa com casas cobertas de telha ou palha. Aqui e ali, proprietários ainda conhecidos ou já esquecidos. À esquerda, a casa em que outrora residiu a atriz do cinema mudo Asta Nielsen. Como antes Ringelnatz, mais tarde o cantor Ernest Busch veraneou ali. Eisntein e até Freud tomaram ali banhos de sol. Quando Thomas Mann quis se estabelecer lá com a família, achou a ilha pequena demais para duas personalidades.»

                                           (excerto retirado de Um Campo Vasto)

3)
«Felicidade: não era o tambor, sem dúvida, mas tão-somente um sucedâneo; mas a felicidade bem pode ser também um sucedâneo, e até é possível que a felicidade só exista como sucedâneo: a felicidade substitui a felicidade e vai se sedimentando. Felicidade de mármore, felicidade de arenito – arenito do Elba, arenito do Meno, de Ti, de Todos: felicidade de Kirchheim, felicidade de Grenzheim. Felicidade dura: carrara. Nebulosa, frágil felicidade: alabastro. A felicidade de aço cromado penetrando a diábase. Dolomita: a felicidade em verde. Branda felicidade: o tufo. Felicidade multicolor de Lahn. Felicidade porosa: basalto. Felicidade fria do Eifel. Como um vulcão brotava a felicidade, e sedimentava-se em pó, e me rangia os dentes.»
                                                            (excerto retirado de O Tambor)

2 comentários:

Mário R. Gonçalves disse...

São de facto um local único, emocionante, quer visto de cima - passeando pelo encantatório bosque de faias - quer lá em baixo ao fundo das imensas paredes brancas, onde procurar âmbar na praia e obrigatório. è das melhores recordações que tenho da visita à Dinamarca. Obrigado pelo complemento literário !

Carlos Fiolhais disse...

O Prof. Galopim de Carvalho pediu-me para comentar que o nome correcto em português deve ser "falésias de cré" e não de "giz".
Carlos Fiolhais

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