Nos romances de G. Grass encontramos, com frequência,
referências à petrologia. É assim em O
Tambor, Um Campo Vasto, A Ratazana e Mau Agouro. Lápides funerárias, pedras tumulares e as falésias de cré de Møns Klint, na Dinamarca, encantavam o escritor alemão, nascido na
polónia.
As falésias de cré e as pedras tumulares tanto tocam a veia
poética do escritor como lhe inspiram belas alegorias. E, calcorreando a ilha
de Vitte, os rochedos no horizonte lembram-lhe os vultos (Einstein, Freud e
Thomas Mann) que por ali passaram.
1)
As pedras
cinzentas e negras
Que caem do
cré
E se
amontoam na costa de Møns
São mais
velhos do que se pensa.
Nós somos
turistas de verão,
Inclinamos a
cabeça para trás
E olhamos
para o alto das falésias de cré,
Que se
chamam Klints e têm nomes dinamarqueses.
Depois vemos
o que jaz
Aos pés dos
Klints e aos nossos: arredondadas
Como corpos,
as pedras-pomes,
Quase todas
com arestas cortantes.
Raramente,
cada vez mais raramente,
Quando a sorte
– voo de gaivota – nos roça,
Encontramos
animais tornados pedras,
Como um
ouriço-do-mar.
Adeus Møns e
ao olhar lá para cima.
Adeus ilha
de verão e as crianças
Onde
poderíamos ter envelhecido
E ficado
dinamarqueses.
Adeus aos
postos de radar por cima
Dos bosques
de faias, que estão para nos proteger.
Ah, se
pudéssemos embeber-nos no cré e perdurar
Até que,
daqui a cinquenta milhões de anos,
Turistas de
uma nova espécie venham e, bafejados pela sorte,
Encontrem
pedacinhos de nós petrificados: a minha orelha,
O dedo com
que apontas.
(poema retirado de A Ratazana)
2)
«À direita, observa uma casa com escada externa em caracol que
dizem ter sido desenhada pelo arquiteto Adolf Loos. O povoado de Vitte começa
com casas cobertas de telha ou palha. Aqui e ali, proprietários ainda
conhecidos ou já esquecidos. À esquerda, a casa em que outrora residiu a atriz
do cinema mudo Asta Nielsen. Como antes Ringelnatz, mais tarde o cantor Ernest
Busch veraneou ali. Eisntein e até Freud tomaram ali banhos de sol. Quando
Thomas Mann quis se estabelecer lá com a família, achou a ilha pequena demais
para duas personalidades.»
(excerto retirado de Um Campo Vasto)
3)
«Felicidade: não era o tambor, sem dúvida, mas tão-somente um
sucedâneo; mas a felicidade bem pode ser também um sucedâneo, e até é possível
que a felicidade só exista como sucedâneo: a felicidade substitui a felicidade
e vai se sedimentando. Felicidade de mármore, felicidade de arenito – arenito
do Elba, arenito do Meno, de Ti, de Todos: felicidade de Kirchheim, felicidade
de Grenzheim. Felicidade dura: carrara. Nebulosa, frágil felicidade: alabastro.
A felicidade de aço cromado penetrando a diábase. Dolomita: a felicidade em
verde. Branda felicidade: o tufo. Felicidade multicolor de Lahn. Felicidade
porosa: basalto. Felicidade fria do Eifel. Como um vulcão brotava a felicidade,
e sedimentava-se em pó, e me rangia os dentes.»
(excerto retirado de O Tambor)
2 comentários:
São de facto um local único, emocionante, quer visto de cima - passeando pelo encantatório bosque de faias - quer lá em baixo ao fundo das imensas paredes brancas, onde procurar âmbar na praia e obrigatório. è das melhores recordações que tenho da visita à Dinamarca. Obrigado pelo complemento literário !
O Prof. Galopim de Carvalho pediu-me para comentar que o nome correcto em português deve ser "falésias de cré" e não de "giz".
Carlos Fiolhais
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