“O princípio da igualdade, que está na Constituição, significa que o que é igual deve ser tratado igualmente e o que é desigual deve ser tratado desigualmente”.
Rui
Alarcão, ex-reitor da Universidade de Coimbra
Meu artigo de opinião saído hoje no Público:
Ao que se subentende pelo ponto de exclamação
final, no intuito de criar suspense
nos leitores, “agraciou-me” Joaquim
Sande Silva (J.S.S.), professor do Politécnico de Coimbra, com um artigo de opinião intitulado “Obrigado, Rui J. Baptista!” (Público, 01/09/2016) .
Obrigo-me a
responder ao seu autor, não tanto para o privar de momentos de glória junto dos seus pares, mais para
resguardo de memória futura de factos envolvidos numa contenda em nome
de uma mediocrização de usos e costumes que postergue todo e qualquer valor e
anule toda e qualquer diferença entre os dois subsistemas de ensino superior:
universitário e politécnico. Assiste-se, ipso
facto, por parte do ensino politécnico, a um agitar de águas tumultuosas em prol da respectiva possibilidade de outorgação de doutoramentos, ainda que apenas com o
brilho dos falsos diamantes.
Em rejeição ao estatuto que me foi atribuído de cidadão
que tem como hobby “malhar “nos
politécnicos, através de um jornal diário (J.S.S.), encontro honrosa companhia
na notícia seguinte: “Os reitores das universidades públicas não querem que os politécnicos
passem a atribuir doutoramentos” (Público, 17/06/2016). Regredindo a tempos passados, encontro arrimo
numa extensa notícia jornalística, intitulada “Entre a greve geral e as
manifestações”, que se reporta a uma
Assembleia Magna da Universidade de Coimbra, de que respigo:” Nós
[universitários] suamos mais e trabalhamos mais do que os dos politécnicos”.
“Setenta por cento marxista, Cristina, originária de Bragança, estudante da
Faculdade de Ciências e Tecnologia, subiu anteontem à noite ao palanque da
Assembleia Magna da Associação Académica de Coimbra (AAC), dissertou sobre as
túnicas de Cristo e, às tantas, a
propósito das alterações à Lei de Base do Sistema Educativo, conseguiu arrancar
a primeira chuva de aplausos da sessão” (Público,01/11/1996).
Esta insistência em miscigenar o ensino
universitário com o ensino politécnico, pela atribuição de doutoramentos por
ambos, teria como efeito misturar um
vinho de excelente colheita com água de fonte cristalina para produzir uma intragável zurrapa! Assim, continua a ser minha forte convicção que
a razão do desnorte do ensino
politécnico, em busca de uma identificação com o ensino universitário, reside
no facto do ensino politécnico enjeitar uma
identidade própria. Ora a
identificação com o ensino universitário exigiria que o ensino politécnico tivesse
a mesma exigência de acesso que o ensino
universitário e não uma segunda escolha de alunos com notas mais baixas do ensino secundário.
Termina
J.S.S. o seu artigo da forma seguinte: ”Por isso faço votos para que Rui
J. Baptista responda a este artigo e continue a criticar os politécnicos e os
seu dirigentes em artigos futuros”. Embora nos possa, porventura, separar um fosso da largura da verdade
(Miguel Torga), aqui estou eu a responder à sua exortação na tentativa de encontrar pontes que possam ajudar a consensos tendo sempre
presente a preocupação ética de Fialho de Almeida: “A luta é legítima: eu não
respeito as suas ideias, respeito-o a si”!
Para além disso, seria uma descortesia retirar-me de uma procissão que ainda vai no
adro de uma igreja de fervorosos fiéis. Fiéis que teimam na concessão de doutoramentos politécnicos à custa de mudanças estruturais que permitam uma subversão de valores
tradicionais retirando à multissecular
universidade portuguesa o exclusivo da atribuição do mais elevado grau
académico: o doutoramento!
Sei bem que determinadas tomadas de posição minhas
me trazem, em inspiração pessoana, “pedras no caminho”. A elas me tenho habituado!
No início da década de 90, em carta ao director de um jornal, fui acusado de
“xenofobia académica” por um professor do politécnico (muito provavelmente de formação universitária por terem esse
estatuto a esmagadora maioria dos docentes deste subsistema de ensino superior).
A essa acusação respondi, nesse mesmo jornal, com um artigo de opinião de que extraio o
essencial: “Tenho que aceitar a acusação que me foi feita de ‘xenofobia
académica’, mas que colhe nobre exemplo nos franceses que, durante a II Guerra
Mundial, lutaram contra os alemães nas Forças
da Resistência, enquanto compatriotas seus colaboravam com os invasores. Nesta
perspectiva a minha ‘xenofobia académica’, mais do que uma mera opção, deve
ser tida como uma questão de honra!”
Como ultima
ratio, no que respeita ao exemplo de
J.S.S. sobre a inexistência do sistema binário de ensino superior em Espanha, “essa boa amiga que dorme deitada ao
nosso lado o sono da indiferença, tendo por travesseiro os mesmos montes e por lavatório
os mesmos rios”(Eça), ainda que assim seja esta situação embora não pondo as
mãos no fogo, julgo não corresponder à
verdade. Mas mesmo que assim acontecesse, este facto não beliscaria a vox populi : “Cada terra com seu uso,
cada roca com seu fuso”.
Mas isto é
apenas um fait divers face a novos
problemas que se avizinham com a criação de cursos profissionalizantes de
curta duração (2 anos), a exemplo da
criação inicial do ensino politécnico
que nasceu com essa limitação e dela fez rampa de lançamento para a pretensão actual de atribuir
doutoramentos. Segundo François Chateaubriand, “toda a instituição começa por três estágios: utilidade, privilégio e
abuso”. Será que nada aprendemos com os erros do passado?
Sem comentários:
Enviar um comentário