terça-feira, 20 de setembro de 2016

Precisão de relojoeiro nos detalhes da esporulação de bactérias


Se já sabemos o que nos faz ter neurónios, glóbulos brancos ou epiderme, apesar de todas essas células terem exactamente os mesmos genes, em bactérias esses mecanismos são ainda pouco conhecidos. Perceber como funciona a formação de esporos bacterianos é essencial para saber como podem depois voltar à forma activa e desencadearem infecções. Investigadores do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, ITQB NOVA, publicaram na prestigiada revista científica PLOS Genetics o intrincado mecanismo responsável pela forma final de esporos na bactéria patogénica Clostridium difficile.

O Clostridium difficile (ou C. difficile) é uma bactéria que persiste em infecções hospitalares. Provoca um síndrome intestinal, cujos sintomas podem ir de diarreia simples a complicações potencialmente mortais. Estas bactérias têm a capacidade de disseminar e persistir em ambiente hospitalar graças à sua capacidade para formar esporos que resistem ao ar e também aos desinfectantes. Como não respondem à maioria dos antibióticos disponíveis, é urgente encontrar-se formas de conter a propagação dos esporos e desenvolver novas terapias.

A esporulação passa pela formação de um pré-esporo dentro de uma célula-mãe; o pré-esporo será um “condensado” de bacteria, com os elementos essenciais para o seu crescimento quando encontrar condições favoráveis. Contém o genoma e algumas proteínas essenciais. A célula-mãe que o contém tem o mesmo genoma e todo o conteúdo normal de uma célula bacteriana.

Bactérias de Clostridium difficile, esporos a laranja ou a verde e célula mãe a azul. 

Durante o processo de formação de esporos, são precisos centenas de genes para que tudo decorra com o rigor e precisão necessários para garantir a sobrevivência do esporo. Nada é deixado ao acaso, e o modo como cada gene é posto a trabalhar em cada altura é fundamental.

Sabia-se que uma proteína, chamada sigmaK, é responsável pela formação da camada exterior do esporo, sendo a superfície do esporo importante para a infecção. O que o grupo do investigador Adriano Henriques agora percebeu é que o mecanismo que controla sigmaK é muito mais complicado do que se pensava. 

A investigadora Mónica Serrano dedicou os últimos meses a tentar responder à questão de que proteínas regulam quais, de que forma e em que altura. Os resultados agora publicados na PLOS Genetics dão-nos a descobrir um intrincado mecanismo de relojoeiro, controlado de forma muito precisa. A activação da proteína sigmaK requer a excisão da sequência que interrompe o gene, pela acção de uma enzima chamada recombinase. A actividade desta recombinase é controlada por outra proteína, e são estas que em conjunto determinam o tempo exacto de activação do sigmaK. A alteração deste controlo temporal resulta em defeitos drásticos na estrutura da superfície do esporo - pode-se ver na imagem abaixo a diferença entre a integridade do esporo bem produzido e a desagregação completa das camadas exteriores na ausência deste controlo. Com o desvendar do mecanismo molecular, perceberam ainda que a recombinase tem a capacidade de tirar, inserir e inverter genes bacterianos, o que abre novas possibilidades de engenharia genética in vivo e in vitro.

 
 Esporo normal (esquerda) e esporo produzido na ausência de controlo sigmaK. Imagem captada pelo Laboratório de Desenvolvimento Bacteriano ITQB NOVA

“Um dos aspectos mais excitantes do trabalho é que enquanto que o controlo da excisão da sequência que interrompe o gene  sigmaK é essencial para a formação correcta da superfície do esporo, por sua vez importante para a interação do esporo com as células do hospedeiro durante a infecção, sabemos agora que nalgumas estirpes epidémicas o gene sigmaK não está interrompido. A previsão é de que estas estirpes tenham descoberto um modo, manipulando o tempo de activação da proteína SigmaK, de gerar um esporo com uma superfície alterada, que em certas circunstâncias pode representar um modo de “esconder” aquilo que seria um esporo normal do hospedeiro, facilitando assim a infecção”, segundo Adriano Henriques.


Os investigadores do Laboratório de Desenvolvimento Microbiano do ITQB NOVA

2 comentários:

Anónimo disse...

1 - Na linha 10, "uma síndrome" ficaria melhor do que "um síndrome";
2 - Na linha 21, "são precisas centenas de genes" ficaria melhor do que "são precisos centenas de genes".

Manuel dos Santos

Joana Lobo Antunes disse...

Caro Manuel dos Santos,
Obrigada pela sua leitura atenta.
Não encontro o "precisas" da linha 21, está precisos. Quanto ao/à síndrome, apesar de feminino ser a forma mais correcta, dado o uso generalizado da versão em masculino esta passou a ser também integrada na norma. Concedo que no feminino estaria na forma mais "pura", mas gosto mais do som do artigo indefinido no masculino. Vou ficar a pensar neste assunto.

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