sábado, 1 de outubro de 2016

Para uma pedagogia do desligamento temporária

Conheci, há alguns dias, Alberto Sánchez Rojo, jovem investigador da área de Teoria e História da Educação. Tive oportunidade de o ouvir num congresso e devo dizer que a sua comunicação sobre o direito à privacidade me impressionou muito positivamente.

A base dessa comunicação foi a tese de doutoramento que apresentou em 2015 à Universidade Complutense de Madrid e cujo título é Educación y derecho a la privacidad enla sociedad del conocimiento.

Trata-se de uma tese teórica clássica com quinhentas páginas, bem pensada, bem fundamentada e bem escrita. A impressão que me deixou é que, por agora, o que há a dizer sobre o assunto está lá. Era preciso um trabalho assim para organizar ideias e abrir portas de um campo de investigação que ainda está no início.

Como Alberto Sánchez Rojo apresenta o resumo (e também a conclusão) em português é esse texto que, de seguida, deixo ao leitor que se interesse pelo tema:
Nos últimos cinquenta anos, as tecnologias da informação e da comunicação (TIC) têm conseguido que nenhum âmbito da vida humana ignore a sua presença. Formamos parte de uma sociedade muito mais informada, na qual não somente recebemos informação, mas onde qualquer um de nós pode ajudar a construí-la, daí que se tenha denominado sociedade do conhecimento. 
As possibilidades educativas e laborais alargaram-se graças à Internet e a política cada vez em menor medida pode-se fazer por portas travessas, ocultando-se dos cidadãos. 
Ora bem, se o âmbito público se tem visto claramente afetado, a esfera privada não fica atrás. Diversas aplicações em linha permitem-nos estar constantemente ligados, partilhar publicamente aspetos da nossa vida pessoal e conhecer gente nova sem importar o lugar nem a distância. 
Num mundo em que tudo se torna facilmente passível de ser publicado, a privacidade entra em perigo, de modo que se torna necessário investigar até que ponto isto é certo e em que medida implica verdadeiramente um problema. 
A presente tese de doutoramento, partindo de uma perspetiva filosófico-educativa e, portanto, fundamentalmente através da análise crítica de textos, pretende dar resposta a ambas as perguntas no que concerne particularmente a educação. 
Em primeiro lugar, analisa-se a relevância da privacidade na formação dos indivíduos enquanto cidadãos e, ao mesmo tempo, sujeitos morais; em segundo lugar, abordam-se as principais vias que conduzem a que seja efetivamente desenvolvida; em terceiro lugar, indaga-se em torno à sua situação no contexto socioeducativo atual; e, em quarto e último lugar, atendendo à consideração tradicional da privacidade enquanto direito humano fundamental, justifica-se o porquê de assim ser considerada, porque deve continuar a sê-lo e quais são as vias educativas que melhor podem conduzir à sua preservação no nosso tempo. 
Os resultados da investigação referem que a privacidade ocupa um lugar essencial na formação ético-cívica dos indivíduos, pois aparece como o principal âmbito de formação da subjetividade pessoal. Para atingi-la torna-se necessário aprender a usufruir de tempos e espaços de solidão, o que é complicado num mundo onde se fomenta um estado de ligação permanente. 
É por isso que, independentemente da existência de opções de privacidade em todas e cada uma das aplicações da Internet que possamos usar a nível pessoal, o direito humano à privacidade torna-se vulnerável desde o preciso momento em que o sistema nos insta a estar ligados o maior tempo possível. 
Assim sendo, uma educação que pretenda proteger este direito, não poderá fazê-lo em caso algum através de quaisquer meios que impliquem o contacto e a ligação. 
O presente trabalho conclui, portanto, que para facilitar a obtenção da privacidade por parte das novas gerações, que nascem e crescem já num mundo em linha, é imprescindível promover, por parte de pais e educadores, uma pedagogia da desligação temporária. 
A mencionada pedagogia não implicará em nenhum momento a recusa das TIC, simplesmente consistirá na introdução de pausas ocasionais no processo educativo com o intuito de que um contacto contínuo e incessante não condene ao esquecimento o facto de que os seres humanos serem indivíduos particulares com subjetividade pessoal.

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