Prefácio de uma publicação da Fundação Francisco Manuel dos santos sobre a organização da rede escolar (amanhã na Torre do Tombo realiza-se uma conferência sobre o tema):
Um sistema educativo funciona através de uma rede escolar, pelo que o cumprimento dos objectivos do sistema está associado à forma de organização dessa rede. Falar da organização da rede escolar é falar da densidade de estabelecimentos de ensino pelo território e da dimensão e constituição de cada um deles, mas também, e sobretudo, do modo como o sistema é governado. Existe a dicotomia, tão discutida nos últimos tempos em Portugal (e nem sempre da melhor maneira), entre o sector público e o sector privado (parte do qual tem contratos com o Estado, por ser subsidiário do sistema público). Mas focamos a atenção no sector público, que é largamente maioritário entre nós. Nele existe uma tensão permanente entre tudo aquilo que é o enquadramento central – determinado pelas instâncias competentes do poder político, seja a Assembleia da República, seja o governo – e aquilo que é regional, local ou mesmo específico de cada escola. Esta é a questão da autonomia, também muito discutida em Portugal, sendo o discurso oficial o da defesa e alargamento da autonomia, e a realidade concreta, a persistência de inúmeros constrangimentos ao exercício pleno dessa autonomia (por exemplo, colocação de professores, metas e programas curriculares, regulamentação, etc.). Um papel na organização da rede escolar compete, decerto, no âmbito do enquadramento educativo do pré-escolar e do ensino básico, aos municípios. Um outro papel cabe aos directores das escolas, que respondem perante os Conselhos Gerais que representam a comunidade, para além de responderem perante o Ministério da Educação. Alguns dos aspectos da organização escolar portuguesa são relativamente recentes e os seus resultados merecem evidentemente ser estudados. Por exemplo, o agrupamento de escolas, motivado em geral por preocupações economicistas, tem levado a uma reorganização da vida escolar cujos benefícios nem sempre estão à vista.
Os sistemas educativos, em Portugal como no mundo, têm estado sujeitos à pressão dos resultados. A questão é: como conseguir uma maior e melhor educação para todos, com os recursos disponíveis, que são sempre limitados? Tem havido uma tendência, em Portugal e no mundo, para medir os resultados educativos através de testes ou exames aos alunos, com base nos quais se fazem, nem sempre bem, rankings de escolas. No plano internacional, essa preocupação comparatista manifesta-se em testes como os do PISA ou do TIMMS, nos quais a posição portuguesa, apesar de melhorias, ainda é relativamente modesta. Os estudiosos da educação sabem, através de numerosos estudos internacionais e nacionais, que o sucesso escolar é determinado em boa medida pela origem socioeconómica dos alunos. Mas sabem também que a forma de organização da rede escolar tem implicações nos resultados. Já não se sabe tão bem quais são, entre os múltiplos aspectos da organização da rede (tamanho e condições físicas da escola, tamanho e constituição das turmas, projecto pedagógico da escola e estilo de liderança dos directores, qualidade e empenho dos professores, ligação da escola à comunidade, em particular aos encarregados de educação, funcionamento interno, etc.), os mais relevantes e porquê. Alguns casos têm revelado que certas escolas conseguem fazer melhor do que outras, apesar de a origem social dos seus alunos ser muito semelhante. Interessa, por isso, apurar qual é o melhor modo de organizar a nossa rede escolar, de forma a aumentar o seu grau de eficácia.
A Fundação Francisco Manuel dos Santos tem, desde 2010, prestado atenção às questões da educação, organizando conferências sobre “Problemas-Chave de Educação”, que nos últimos dois anos têm feito parte de ciclos maiores designados por “Mês da Educação”, realizados em Outubro em vários locais do país. Em seis anos foram realizadas 15 conferências deste tipo que deram origem a outros tantos pequenos volumes da colecção “Questões-chave de Educação”. Para além da preocupação com a pertinência e diversidade de temas, são visíveis duas linhas mestras na escolha e no modo de tratamento das questões em debate: tratar questões internacionais, sobre as quais possamos receber contributos de especialistas estrangeiros, e privilegiar estudos empíricos sobre a realidade educativa. No “Mês da Educação” de 2016, a Fundação Francisco Manuel dos Santos continua no mesmo rumo. Convidou uma especialista da OCDE em questões de organização escolar, Tracey Burns, que discute, num texto em co-autoria com Florian Köster e Marc Fuster, aqui publicado em tradução portuguesa, o que é a “governance inteligente em educação”. Baseados em estudos de caso em vários países, esses autores enfatizam as metodologias mais adequadas para que um sistema complexo e descentralizado, como é qualquer sistema educativo nacional, consiga responder aos desafios que lhe são hoje colocados, a saber: foco nos processos e não nas estruturas, adaptabilidade e flexibilidade, envolvimento dos parceiros e sua capacidade de construção conjunta, uma aproximação sistémica aos problemas (alinhamento de papéis, balanceamento de tensões, etc.) e a recolha e tratamento científico de dados, de modo a possibilitar políticas bem informadas.
Apresentamos também duas contribuições nacionais, ambas baseadas em estudos de caso. Por um lado, Teresa Seabra, Maria Manuel Vieira, Leonor Castro e Inês Baptista, investigadoras do ISCTE – Lisboa, respondem à interrogação “Como pode a escola mitigar a desigualdade de oportunidades?”, a partir de um estudo de caso em duas escolas do ensino básico da Área Metropolitana de Lisboa (AML). Acontece que uma consegue com que os seus alunos tenham melhores resultados em exames nacionais, apesar de provirem de meios mais desfavorecidos. Nas palavras das autoras: “No caso em análise, referente a duas escolas do 1.º ciclo inseridas num contexto territorial próximo – a AML –, o estudo evidencia a importância decisiva que uma dinâmica de funcionamento cooperativa, na busca de soluções para os constrangimentos enfrentados, e pró-ativa, na mobilização de famílias e parcerias para o envolvimento na ação educativa, parece ter na criação de um clima escolar mais propício ao desbloqueamento de contrariedades e à adesão dos mais novos às aprendizagens.” Exemplos de boas práticas como este, em que o estilo de liderança e a ligação à comunidade exercem influência, são merecedores de reflexão. Por outro lado, Leonor Torres, investigadora do Instituto de Educação da Universidade do Minho, escreve sobre “A narrativa da liderança escolar em tempos performativos: notas críticas a partir do olhar dos alunos”. A autora estuda a visão que os alunos de escolas secundárias no norte e centro do país têm do director e do seu trabalho. Conclui: “os quatro estudos de caso revelaram diferenças significativas no modo como os alunos percecionam a organização da sua escola e a sua importância no desenvolvimento do ideário da excelência. Mais ainda, a relação entre a qualidade da escola e o estilo de liderança adotado pelo Diretor foi o enunciado que mais acentuou as diferenças interescolas.”
Na sessão realizada na Torre do Tombo onde foram apresentadas as comunicações reunidas neste volume a questão da rede escolar foi também abordada por Manuel António Pereira (dirigente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares), que falou sobre Reorganização da Rede Escolar: a perspectiva dos dirigentes. A Fundação Francisco Manuel dos Santos espera, com mais este debate, contribuir para a melhoria do sistema educativo português. Agradece a todos os participantes, em especial aos apresentadores de estudos e a todos aqueles, em particular aos organizadores a Mónica Vieira e a Clara Valadas Preto, aos comentadores, ao moderador (João Jaime, diretor da Escola Secundária Camões, em Lisboa), que tornaram possível o debate.
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