domingo, 23 de outubro de 2016

"O essencial que os alunos aprendam" e "conhecimento poderoso"


A sociedade portuguesa expressa, na sua generalidade, uma opinião muito convergente a respeito dos currículos escolares: os programas das disciplinas são muitos extensos, tornando impossível um trabalho de consolidação dos conteúdos.

Com as metas de aprendizagem e, depois, as metas curriculares sistematizou-se, para algumas disciplinas do ensino básico e secundário, o que seria o fundamental dos programas, mas a sociedade manteve a sua opinião.

Manifesta-se, agora, o Ministério da Educação empenhado em definir "o que é essencial que os alunos aprendam". Para tanto, está a ouvir os representantes dos mais diversos sectores educativos, sendo os resultados desta auscultação traduzidos em mudanças que entrarão em vigor no próximo ano.

Quem teve ou terá uma palavra a dizer no processo em causa talvez considere relevante reflectir sobre o conhecimento que ganhamos em ter no currículo escolar.

Segundo Michael Young, ao lado, esse conhecimento deverá ser o que designa por "conhecimento poderoso".

Trata-se do conhecimento mais relevante que a humanidade conseguiu construir e, que, nessa medida, traduz a civilização. 

Se esse conhecimento não for adquirido pelas novas gerações instala-se um retrocesso em todos os sectores da sociedade.

Ao contrário, se esse conhecimento for garantido não se conseguirão superar todos os problemas sociais mas muitas crianças e jovens terão possibilidade de aceder ao pensamento autónomo, crítico e criativo.

Este sociólogo inglês nem sempre pensou assim: pelos anos de 1960 a 1980 afirmava o contrário, que o conhecimento que se inclui no currículo escolar é ditado por quem tem poder para o decidir, impondo-o a quem não tem esse poder. Ora, todos os grupos sociais devem ter o mesmo poder, o poder a escolher o seu próprio currículo. 

Reconhece, agora, que o direito conferido a cada grupo para construir um currículo que traduza as suas especificidades não beneficia a tão almejada igualdade de oportunidade, tem o efeito contrário. E são os grupos mais frágeis que mais se ressentem, precisamente por as suas escolham serem menos "poderosas" no sentido acima apontado.

Esperemos que o "essencial que se irá estabelecer que os alunos aprendam" seja "conhecimento poderoso".

Para se perceber melhor esta ideia valerá a pena ver a conferência que, em 2013, Young deu no Brasil e que se encontra disponível no vídeo acima.

1 comentário:

Carlos Ricardo Soares disse...

Quantos de nós começamos por aprender sem buscar nada? E acabamos a buscar conhecer sem ser por nada? Embora, desde cedo, nos tenhamos apercebido, de que tantos outros buscavam e buscam sistematicamente o conhecimento poderoso? De preferência tudo aquilo que não se ensina nas escolas, porque "o segredo é a alma do negócio?".
De qualquer modo, o conhecimento poderoso não seduz e não interessa a todos. Pode até ser uma boa estratégia, na perspetiva das políticas educativas, mas aí o que está em causa é o interesse coletivo e não o interesse individual. Para instrumentalizar o conhecimento também é preciso conhecimento sobre instrumentalizar, sobre custos e sobre as finalidades. Isso do conhecimento poderoso, até pode ser fácil de perceber o que é, mas porquê e para quê e à custa de quê, pode não ser tão simples. Sem considerar outro lado da questão: basta querer para acontecer conhecimento poderoso?
O próprio conceito de conhecimento poderoso é muito vago e relativo, porque o que é poderoso, rapidamente, deixa de o ser, basta generalizar-se...

Do século das crianças ao século de instrumentalização das crianças

Muito em virtude do Movimento da Educação Nova, iniciado formalmente em finais de 1890 e, em especial, do trabalho de Ellen Key, o século XX...