“O que em sociedade desagrada aos grandes espíritos
é a igualdade de
direitos e, portanto, de pretensões,
em face da desigualdade de capacidades,
de
realizações (sociais) dos outros.
A chamada boa sociedade admite méritos de
todo o tipo,
menos os intelectuais: estes chegam a ser contrabando”.
Arthur Schopennauer
No Dia do Professor,
Fernanda Câncio, com o apelativo título “Faltam professores com boa disposição e alegria”, traça
o perfil da docência com a ajuda de uma professora que, aos 59 anos de idade, diz ser preciso
‘sangue novo’ nas escolas” (Diário de Notícias, 05/10/2016).
Fundamenta-se
esta peça jornalística no testemunho de
Teresa Santos Costa, com 36 anos de docência do 1.º ciclo do ensino básico e, há quatro anos, ‘professora de apoio’, por
‘achar a função mais adequada à sua idade e por se sentir muito cética, muito
desencantada com o momento presente por entender que a escola se tornou numa
coisa pouco interessante”. E logo
acrescenta que esse desencanto possa ser fruto da idade dos professores, como em outras profissões, mas quem sai
prejudicado são os alunos: “é aborrecido quando há um número significativo de
professores que não estão satisfeitos, estão aborrecidos” (sic.). E aqui se
encontra fundamento para a falta de boa
disposição e alegria dos professores “velhotes”! “
A professora em
causa, nasceu em Moçambique e veio para
Portugal em 1974, aos 16 anos, tendo
tirado o curso do magistério primário
(curso de ensino médio), tendo obtido,
posteriormente, a licenciatura e o
mestrado e, ipso facto, encontra-se hoje no topo de uma carreira
docente que mete no mesmo saco docentes do 1.º ciclo do básico e professores do
ensino secundário “ao contrário do que
se passa na generalidade dos países da OCDE”, como ela própria
reconhece. Pelo que julgo saber (que me corrijam se eu estiver enganado), isto
passa-se não na generalidade, mas na totalidade
dos países deste organismo internacional. A única razão que concedo para o desencanto
da entrevistada pode residir no facto de
ter antigas colegas do magistério do 1.º ciclo do básico que, até uma determinada altura, se reformaram com 32 anos de serviço e 52 anos de velhice
mais do que precoce!
Para não serem tidos como excepção os inúmeros artigos de
opinião críticos por mim escritos, ao longo de anos, no “Público” e no blogue “De Rerum Natura”, tendo
como leitmotiv a temática da profissão docente, trago à colação passagens
de “uma carta ao director”, subscrita por António Cândido Miguéis. Escreve ele, com o
desassombro de uma escrita bem
fundamentada que corta a direito:
“Actualmente, existe uma situação no sistema educativo, pós-25 de Abril, que muita gente tem receio de aflorar pelo melindre, pelo desconforto e pelo conflito que, eventualmente, poderá provocar em ambiente laboral, agora que existem os Agrupamentos Verticais (adoro este designação), que mais não trouxeram do que confusão e burocracia, fazendo jus ao anexim de que ‘muita gente junta não se salva’.
(…) quem mais beneficiou com a revolução abrilina foi a classe dos professores primários, hoje designados, e bem, professores do 1.º ciclo. Se no regime autoritário do professor António O. Salazar já era uma classe simpática, respeitada e dignificada – lembremo-nos nas aldeias a ‘importância’ do sr. Cura, do médico e do professor primário, com o 25 de Abril ainda se tornaram mais simpáticos, mais respeitados (e ladinos) ao alcançarem a proeza de ingressar na Carreira Única, igualando (nalguns casos ultrapassando) e colocando-se ao nível do designado professor do liceu de outrora, que, nestes tempos ensandecidos, desceu de ‘importância’ e é um Zé-ninguém” (Público, 24 de Abril de 2010).
De idêntico modo, vinte anos
atrás, foi com uma paz de alma muito
reconfortante que li a belíssima crónica da festejada académica Clara Pinto
Correia, sobre os professores do liceu, quiçá, porque
“o mundo das palavras cria o mundo das
coisas” (Lacan), em que ela escreve que
“mesmo que o liceu, estabelecimento de ensino que ministrava do 5.º ao 12.º
anos de escolaridade, em terminologia dos nossos dias, seja uma palavra que já
não se usa, dá jeito, no caso vertente, para simplificar o discurso”.
Transcrevo um pequeno trecho do seu exaltatório e premonitório texto,
intitulado “O render dos heróis”:
“A barbárie não anda longe. Nunca andou. É contra o seu fundo de trevas que se desenha o brilho da civilização e a escuridão total desce sobre a floresta. É cíclico. Já aconteceu antes. Mais que uma vez. Não temos nenhuma razão, pelo contrário, para pensar que não a acontecer. Para evitar que assim sejas temos nos professores do liceu a mais importante das nossas arma. Devíamos beijar-lhes as fímbrias do manto” (Diário de Notícias, 22/10/1955).
Refere, ainda, esta professora do 1.º ciclo do ensino básico que, após o seu curso do magistério primário,
obteve uma licenciatura e um mestrado que dava acesso ao topo da carreira
docente. Colho de Adam Smith que “a
ambição dos homens é colherem aquilo que nunca plantaram”. Ou seja, um percurso académico plantado sem oportunismos de qualquer espécie!
Ora, para além de um grande
facilitismo de que se revestiram esses
diplomas, outorgados por determinadas escolas de ensino superior privado, que distribuíam diplomas qual duvidosa padaria que vende a
granel pão de má qualidade e mal cozido,
debrucemo-nos com seriedade sobre a realidade dos factos. Até ao recente
congelamento das carreiras docentes, o acesso dos professores ao 10.º escalão
era feito num processo avaliativo de arrepiante facilitismo. Ou seja, esse
acesso dependia, apenas, de um pequeno
relatório auto-avaliativo relativo à
qualidade dos anos de serviço prestados e da frequência de acções de formação
meramente presenciais, por vezes, em temáticas nada relacionadas com as
disciplinas ministradas. Não considerando os casos de indivíduos que entretanto
faleceram ou desistiram da docência, tratava-se, portanto, de um processo de
avaliação laxista em que a percentagem dos que chegavam ao 10.º escalão devia
rondar os 100 por cento. Para uma maior
clarificação desta situação, seria
conveniente que essa percentagem constasse de dados oficiais devidamente
publicitados!
Ou seja, todo este aberrante e inédito estatuto da Carreira
Docente, arrancado a fórceps em parto demorado, desenrolou-se em reuniões, com o ministro da Educação da altura, politizadas até ao tutano pela Fenprof em nome de uma pretensa democracia
que anulou todo e qualquer diferença e postergou todo e qualquer valor talvez porque “en
politique une absurdité n’est pas un obstacle”, como reconheceu Napoleão!
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