domingo, 9 de outubro de 2016

O direito de escolher a ausência - 2

A jornalista Isabel Lucas do jornal Público, tem dado atenção à escritora-enigma a que me referi no texto anterior e publicado artigos de grande interesse sobre os seus livros, à medida que eles vão saindo em tradução portuguesa.

Foi nesses artigos, focados naquilo que verdadeiramente interessa quando se fala de ou com um escritor, que li declarações já antigas da dita escritora. Ainda no início da sua carreira terá dito o seguinte numa carta dirigida aos seus editores:
“Já fiz o suficiente por esta história. Escrevi-a.”, “Não pretendo fazer nada (…) que possa envolver qualquer compromisso público em que eu apareça pessoalmente”. “Talvez por qualquer desejo neurótico de intangibilidade”, “Escrever sabendo que não vou aparecer produz um espaço de absoluta liberdade criativa.” 
Declaração compreensível e aceitável para muito poucos; incompreensível e inaceitável para quase todos que, em entrevista recente, dada por escrito, é interrogada e explicada, como se tal fosse necessário (mas, sim, é!).
P: Tem-se romanceado muito à volta da sua biografia: ser ou não mulher, ser ou não italiana, ser ou não mãe… O romance que se vai construindo sobre a sua vida anda a par com os seus romances. Neles, muitos leitores tentam ler sinais da autora. Há o que a ficção dá e o que ela sugere acerca de quem a escreve e permanece um mistério. Gostava que comentasse esta ideia, a da biografia ficcionada e a da própria ficção de Elena Ferrante.
R: O meu trabalho pretende chamar a atenção para a unidade original entre autor e texto e para a auto-suficiência do leitor, que pode deduzir dessa unidade tudo aquilo que for necessário. Eu não invento a minha biografia, não me escondo, não crio mistérios. Estou presente, tanto nos meus romances como nestas respostas às suas perguntas. O único espaço onde o leitor deveria procurar e encontrar o autor é o da sua escrita. 
P: Numa entrevista sobre as razões do seu anonimato, respondeu: “Escrever sabendo que não vou aparecer produz um espaço de absoluta liberdade criativa.” Acha que a sua escrita seria diferente se não tivesse escolhido não se revelar?
R: Tenho a certeza disso. Divulgar a própria pessoa ao mesmo tempo que o livro, segundo o costume da indústria cultural, é completamente diferente de nos escondermos no texto e de não sairmos dele a não ser graças às capacidades imaginativas dos leitores. 
P: O nome Elena Ferrante começa e acaba nas páginas de cada um dos seus livros. Veio com a escrita, ela deu-lhe uma identidade. Pode definir-se? Quem é a Elena Ferrante, escritora?
R: Elena Ferrante? Treze letras, nem mais nem menos. A sua definição está toda contida nelas. 
P: Escolheu estar quase invisível, enquanto a obra fez lentamente um caminho até se tornar impossível não especular acerca do autor. Como é que está a viver este processo?
R: O caminho das minhas obras é o meu caminho. Os leitores contentam-se com ele, aliás, alguns até me escrevem pedindo que não revele nunca outros caminhos mais privados e, por isso, menos interessantes. Os meios de comunicação é que, por dever de ofício, não se contentam com as obras, querem caras, personagens, protagonistas excêntricos. Mas pode-se passar tranquilamente sem o que os meios de comunicação pretendem.

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