domingo, 23 de outubro de 2016

"O ser humano é o mesmo"

Ainda Arturo Pérez-Reverte, o jornalista e escritor espanhol que passou recentemente por Portugal (aqui).

Nas muitas entrevistas que deu não foi (felizmente) meigo ao referir-se aos sistemas educativos ocidentais actuais e à escola para onde mandamos as crianças e jovens. Talvez uma linguagem como a sua, fria e directa, seja aquilo de que precisamos para acordarmos do "encantamento" que, a pouco e pouco, mas muito eficazmente, se vai apropriando do nosso pensamento. Na verdade, vejo que a promessa de auto-aprendizagem minimalista, soft, lúdica, prazerosa, que conduz ao sucesso pleno é levada a sério, ao ponto de ser integradas em orientações curriculares da tutela e operacionalizada na formação de professores e no trabalho escolar.
O ser humano é o mesmo. A questão da cultura como solução mantém-se. É a única solução. Cultura no sentido de formação, educação, conhecimento. A diferença é que, na altura [Iluminismo], sentia-se que ainda era possível mudar muito as coisas, e hoje já percebemos que não. Foi uma ocasião perdida. A condição humana impôs-se às ideias (...) 
É uma cultura de facilidade. Temos medo de traumatizar os meninos com a Ilíada, ou com a História... O objetivo principal passou a ser não haver insucesso escolar, e nivela-se tudo muito por baixo. Os sistemas de educação no mundo ocidental, hoje, são feitos para normalizar (...) 
O mundo é um sítio perigoso, cheio de filhos da puta. O terrível é que o Ocidente e tudo o que custou tanto a construir ao longo dos séculos, liberdades e direitos, com os bons e nobres valores de que falam os protagonistas do meu romance, está a morrer, a desaparecer... E não voltará. Os jovens ignoram-no. Nem se ensina nas escolas (...).

3 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Não alinho com este tipo de discurso bomba de fragmentação, que tudo reduz ao próprio estrondo.
Já estamos cansados dos profetas da desgraça envoltos por auréolas dignitárias, quais Ricardos Salgados entronizados como comentadores da crise, na televisão e não só e, não obstante serem os maiores beneficiários (quando não causadores) do estado de coisas a que se assiste, atiram culpas dos males, não para todo o lado, mas para aqueles que vêem como ameaça (real ou imaginária).
Sobre a realidade dos nossos dias, comparativamente à de antanho, preferia ouvir o que têm para dizer as "vítimas" (desta tal cultura, da guerra, do sistema de ensino, enfim, da facilidade).
Aceitaria que todos os dignitários aureolados deste planeta viessem para a comunicação social denunciar, concretamente, o que está a ser destruído tão rapidamente, na biodiversidade, nas condições humanas básicas...
Mesmo que não soubessem, ou não quisessem dizer o que se deve fazer, ou o que é possível fazer, ou como fazer para reverter as coisas.

Anónimo disse...

Estava , precisamente, a pensar no ensino em alguns países orientais. Que iremos fazer com o nosso "sucesso"?

Ivone Melo

marina disse...

El instinto de la manada siempre lleva a valorar muy alto lo mediocre. Lo aprecia como algo valioso. Creen que son fuertes porque representan a la mayoría. En las capas medias no existen la sorpresa ni el temor. Se empujan unos contra otros para sentir la ilusión del calor. En la mediocridad nadie puede encontrarse a solas con algo, mucho menos consigo mismo. ¡Y cuan felices parecen!'.
Elfriede Jelinek

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