domingo, 30 de novembro de 2008
Conhecimento primitivo e inferencial
Eis uma confusão que confunde quando se tenta conhecer os fundamentos do conhecimento: a distinção entre os pares conhecimento primitivo / derivado e conhecimento ininferencial / inferencial. É comum confundir as coisas e pensar que todo o conhecimento primitivo é ininferencial, mas há razões para pensar que isto é um erro. Uma parte importante do nosso conhecimento primitivo é inferencial.
A diferença entre conhecimento primitivo e derivado é a seguinte. O conhecimento primitivo é o que se conhece por um dado meio, sem que seja possível conhecer por outro meio mais directo. Por exemplo, a única maneira que temos hoje de saber qual é a composição química da atmosfera de Marte é mandar sondas que façam lá análises ou inferir a composição química da atmosfera através da análise de espectro. Mas se pudermos ir a Marte pessoalmente podemos saber de um modo mais directo a mesma coisa. Analogamente, a única maneira que temos de saber que houve segunda guerra mundial é através da consulta de dados históricos, mas quem vivia em 1943 podia saber que havia tal coisa vendo-a directamente ao viajar pela Europa.
A diferença entre conhecimento ininferencial e inferencial é a seguinte. O conhecimento ininferencial é o que se conhece sem activar a faculdade do raciocínio explícito, ao passo que o conhecimento inferencial é precisamente o que se conhece por meio de uma inferência ou raciocínio. Por exemplo, uma pessoa olha e vê que está a chover — este conhecimento não é inferencial, apesar de o sistema de processamento visual e cognitivo ser extremamente complexo; mas as faculdades de raciocínio explícito não são activadas. Ao invés, para saber que vai ocorrer um eclipse num dado momento, temos de raciocinar explicitamente, fazendo cálculos.
É uma tentação pensar que todo o conhecimento primitivo tem de ser ininferencial. É essa tentação que nos faz pensar que todos os argumentos de autoridade são espúrios: a ideia é que posso sempre ver directamente, de modo não inferencial, se algo é verdade ou não, em vez de me basear no testemunho dos outros. Só que isto é uma ilusão. Se fôssemos ver tudo aquilo em que acreditamos por testemunho, teríamos de ver as coisas mais básicas, e não teríamos tempo para nada mais. O conhecimento funciona numa rede social na qual diferentes agentes cognitivos vêem diferentes aspectos da realidade e depois confiam uns nos outros. Isto falha? Sim. Falha porque os agentes cognitivos mentem, além de não serem omniscientes, e falham, porque não são omniscientes, e são tendenciosos, porque têm preconceitos. Mas qualquer outra alternativa seria ainda pior, pois deixar-nos-ia num solipsismo metodológico que pouco mais nos permitiria saber além de que eu existo agora e estou agora a ter a experiência de ver algo a que chamo “árvore”.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
AS FÉRIAS ESCOLARES DOS ALUNOS SERÃO PARA... APRENDER IA!
Quando, em Agosto deste ano, o actual Ministério da Educação anunciou que ia avaliar o impacto dos manuais digitais suspendendo, entretanto,...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à in...
14 comentários:
Então:
O conhecimento por mim da dor que estou a ter agora no dedo grande do meu pé direito – é um conhecimneto primitivo e ininferencial.
O conhecimento pela minha mãe da mesma dor que tenho e que está à minha frente a ver o dedo e a ver o meu comportamento – é um conhecimento primitivo e inferencial ou derivado e ininferencial?
E o conhecimento por parte do Desidério que não me está a ver mas tem conhecimento da mesma dor pelo que estou aqui a dizer – é derivado e inferencial? Ou é derivado e ininferencial?, uma vez que não pode inferir nada a partir do que eu lhe estou a dizer?
Admitindo que um agente sabe que está a ter uma dor (algo que pode ser disputado e é disputado): a sua mãe só pode saber inferencialmente que você está a ter uma dor, mas esse é conhecimento primitivo para ela, pois não tem ela outro modo mais directo de saber tal coisa. Idem no meu caso, se me disser que está a ter uma dor. Tanto eu como a sua mãe temos conhecimento da sua dor inferindo: a sua mãe porque você lhe diz e porque ela vê o seu comportamento, que é um comportamento típico de dor. E eu porque confio em si, apesar de não o estar a ver. Em ambos os casos o conhecimento é inferencial para nós, mas ininferencial para si.
Temos o Portugal que votamos, os políticos de chinelo arrastar enquanto vendem o seu peixe longe da ASAE!
Quer então este texto afirmar-nos que:
- Conhecimento inferencial é dedutivo ou demonstrativo. ( ver ex.s no texto de Marte e da Segunda Guerra Mundial)
- Conhecimento ininferencial é indutivo e não demonstrativo – Ex. Está aqui um gato, porque oiço miar.
(Conhecimento não inferencial - Por exemplo, uma pessoa olha e vê que está a chover)
Pergunto: O conhecimento não inferencial é o mesmo que conhecimento ininferencial?
É uma tentação pensar que todo o conhecimento primitivo tem de ser ininferencial. É essa tentação que nos faz pensar que todos os argumentos de autoridade são espúrios: a ideia é que posso sempre ver directamente, de modo não inferencial, se algo é verdade ou não, em vez de me basear no testemunho dos outros. Só que isto é uma ilusão. Se fôssemos ver tudo aquilo em que acreditamos por testemunho, teríamos de ver as coisas mais básicas, e não teríamos tempo para nada mais. O conhecimento funciona numa rede social na qual diferentes agentes cognitivos vêem diferentes aspectos da realidade e depois confiam uns nos outros. Isto falha? Sim. Falha porque os agentes cognitivos mentem, além de não serem omniscientes, e falham, porque não são omniscientes, e são tendenciosos, porque têm preconceitos.
Assim, todo o conhecimento primitivo poderá ser inferencial, não inferencial e ininferencial ? !
E ainda sobre os preconceitos, aqui e a ser entendível: Se o conhecimento falha não se deve somente aos preconceitos mas também aos pré-estabelecidos conceitos e já em vias de preconceitos? Ou seja, e a dar aqui o seguinte exemplo: Sabemos (se pensarmos um pouco) que não deveríamos de estar a gastar papel no fabrico de livros e mais livros, uma vez que já temos à nossa disposição eficazes formas de apresentar e ler um livro sem abater árvores.
Olá, Alice!
"Não inferencial" = "iniferencial". Peço desculpa pela oscilação terminológica.
O conhecimento é inferencial desde que envolva raciocínio, mas tanto faz se é raciocínio dedutivo ou indutivo. Os exemplos que dei de Marte eram indutivos e não dedutivos.
O conhecimento primitivo tanto pode ser inferencial como ininfrencial (= não inferencial). Ser conhecimento primitivo quer dizer apenas que é o modo mais directo possível que um dado agente tem de saber algo. E por vezes o modo mais directo que temos de saber algo é através de um raciocínio (ou argumento, que é parcialmente o mesmo). Os argumentos de autoridade são apenas um caso especial de argumentos indutivos, e a maior parte do nosso conhecimento primitivo é inferencial e baseia-se em argumentos de autoridade.
devo inferir da foto que acompanha o post que este e' dirigido a burros, ou que e' so' palha?
Estamos num país livre, pode inferir o que quiser.
Mas eu gosto da paisagem precisamente porque tem muita palha e os burros gostam de palha.
a palha é para as malucas casteleiras, que seguramente se enfartam a ouvir o uso liberal dos prefixos de negação... depois não se pode estar ao pé deles. Os umbigo-diarrentos com gases de má digestão são piores que os esgotos a céu aberto no coina. O fedor mental é tóxico.
Sobre o saber construído socialmente, esta é a teoria do discurso de Jürgen Habermas certo?
Opõe-se diretamente à epistemologia cartesiana.
Não me parece que Habermas esteja a falar da natureza da racionalidade, mas antes das condições de comunicação. Mas conheço mal as ideias dele. É verdade, contudo, que a ideia esboçada neste post se opõe a alguns aspectos da epistemologia cartesiana, nomeadamente a fantasia de considerar que o conhecimento pode ser alcançado por um só sujeito, analisando sozinho os seus dados dos sentidos.
Que conversa de chacha (desculpem-me o tom), ou se quiserem, o «vazio» tornado realidade com uma dicotomia que se vai alargando para dar uma ordem lógica de raciocínio... mas a pergunta é: o que é o pensamento?
A mim, o pensameto serve-se de funções como deduçã0/indução atraves de conhecimento primitivo / derivado e conhecimento ininferencial / inferencial. E ainda outras formas... com nomes diversos. Mas o que é determinante é o conteudo... isso sim eleva a alma.
gostei da materia
o raciocinio primitivo inferencial tambem e uma caracteristica muito forte de psicopatas, tanto como suas paalavras bem complexas e linear
Enviar um comentário