sexta-feira, 7 de novembro de 2008
ESTADO SEM GRAÇA
Minha crónica no "Público" de hoje:
Já dizia Aristóteles que o homem é o único animal que ri. Conta-se, a propósito, a história de um candidato a doutor da Universidade de Coimbra que, dando um bom exemplo da irreverência coimbrã, insistia, na Sala dos Capelos, em dizer graças durante o exame. De modo que um dos membros do douto júri entrou em diálogo com ele:
- Mas porque é que o senhor graceja tanto?
- Saiba Vossa Excelência que, de todos os animais, o homem é o único que ri.
- E o senhor tem assim tanta necessidade de acentuar a diferença?
Pois os nossos políticos, em contraste com o espirituoso jovem, e salvo uma ou outra excepção, não parecem ter necessidade de acentuar a diferença. O nosso Primeiro-Ministro, que passou na sua juventude por Coimbra, mas não pela Universidade, é, neste aspecto, o primeiro a dar o exemplo, pois muito raramente graceja. Pelo menos em público, compraz-se em aparecer com um ar bastante sério, muitas vezes sorumbático e, em certos casos, zangado. Não nos costuma surpreender nem se costuma surpreender a si próprio com um pequeno chiste. Sócrates, o filósofo grego, dizia que se deve usar o riso como se usa o sal - com parcimónia. O problema de Sócrates, o engenheiro, é que usa o riso com demasiada parcimónia. Foi ele aliás quem disse de si próprio que era um “animal feroz”.
Mas, por vezes, lá lhe sai uma ou outra piada. Saírem três piadas seguidas é tão raro que não pode passar sem referência. Teve graça ele ter dito, na recente Cimeira Ibero-americana, depois de ter oferecido um portátil Magalhães a cada chefe de estado ou de governo, que todos os meus assessores usam o Magalhães e não precisam de mais nada. A piada parece, porém, não ter surtido efeito porque ninguém se riu (talvez fosse um “private joke”). Assim como ninguém se riu quando ele explicou que não há um computador mais ibero-americano do que este desde logo porque se chama Magalhães (de facto, o nome pelo qual um computador igual é conhecido na Líbia, “Classmate PC”, não é muito latino). Mas já houve risos e muitos quando Sócrates acrescentou, para gabar a solidez do equipamento e num ar de quem vende bugiganga na feira, que o Presidente Chávez já o atirou ao chão e não o conseguiu partir (o visado estava ausente, quiçá por recear a concorrência na diversão). O humor socrático foi, contudo, sol de pouca dura pois, mal regressou, o Primeiro-Ministro voltou ao seu ar sisudo. Conforme disse o humorista Pedro Tochas, ser sisudo não é um sinal de competência, é só um sinal de que se é sisudo.
E há humor na oposição? Não, não há. O principal partido da oposição está tão ou mais macambúzio que o governo. A nova líder Manuela Ferreira Leite, a quem passou rapidamente o estado de graça, quando fala, fá-lo com um ar grave e crispado. A muito custo se lhe ouve um gracejo. Outro dia, ouviu-se um, ainda que tenha parecido involuntário. Foi quando, na televisão, a propósito da discussão, na opinião dela extemporânea, da candidatura à Câmara de Lisboa, comentou: É o PSD no seu melhor! Ficámos só sem saber como será o PSD no seu pior. Será o BPN, em cuja bancarrota aparecem envolvidos vários ex-governantes dessa cor partidária? Se as sondagens são neste momento favoráveis ao governo, talvez seja porque, aos olhos dos eleitores, o governo dá de graça o Magalhães e a oposição dá a desgraça do BPN.
Valha-nos que dos Estados Unidos veio algum humor eleitoral, tanto de um como do outro dos dois principais partidos. Teve muita piada ver, durante a campanha presidencial, num jantar de caridade em Nova Iorque (“Al Smith Dinner”), patrocinado pelo bispo da cidade, Barack Obama e John McCain dizerem pilhérias com grande descontracção. Por muito esforço de imaginação que faça, não estou a ver José Sócrates e Manuela Ferreira Leite a dizerem graças, sob os auspícios de D. José Policarpo. Mas já estou a ver nesse papel António Vitorino e Rui Rio, ambos possuidores de fino humor. Nesta altura de crise, estamos a precisar de quem não leve tudo demasiado a sério. Precisamos de alguma graça na desgraça.
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3 comentários:
Ó Doutor Catedrático Fiolhais, e este post teve piada? Eu não acho, nem acho que a maior parte dos posts deste blogue tenham alguma piada, nem mesmo aqueles assinalados com humor, aquelas coisas que vêm do Público, acho fracotas.
E como se costuma dizer, trabalho é trabalho e conhaque é conhaque.
E que é que Vossa Excelentíssima Excelência diz do caso do Newton, aquele rapaz que era um génio mas que morreu virgem? Vossa Excelentíssima Excelência acha que isso teve alguma piada? E se o Newton tivesse sido uma praga que nenhuma gaja era capaz de aturar, um super-hiper-chato a quem as gajas fugiam a 7 pés? Não foi um grande seu colega físico?
Vossa Excelentíssima Excelência acha que deviamos pôr o Hermano José a PM e o Ricardo Araújo Pereira a Presidente da Cómica República de Portugal?
Não me venha cá com tangas, Vossa Excelentíssima Excelência, pense bem no que diz, pense melhor, porque ouvi dizer que o Sócrates até é um gajo com piada, só mostra aquela cara para um gajo se portar melhor, para ver se endireita isto.
Deixe lá o magalhães em paz que isso já me está a dar alta seca, Vossa Excelentíssima Excelência está a ficar muito chato, desculpe lá que lhe diga.
Vá conversar aí com o Norberto, entretenha-se nessa, mas deixe-nos, nós já sabemos que o magalhães vai ser o fim do mundo da educação portuguesa.
Cumprimentos respeitosos.
Até à próxima.
Recordo-me de um restaurante que era muito conhecido pelos seus pratos de javali, ao tempo uma excitante novidade. Nunca mais lá voltei e não sei se ainda existe e, caso exista, se ainda prepara os pratos de javali.
O curioso é que, no menu, a palavra javali surgia entre aspas. Nunca cheguei a perceber, nem eles explicavam, é claro, se as aspas se destinavam a dar ênfase ao javali se a prevenir alguma acusação de baptismo de um provável porco. A segunda hipótese, encarada como um caso de humor de fino recorte, recolhia mais adeptos.
Vem isto a propósito da expressão (…) Sócrates, o engenheiro (…) utilizada por Carlos Fiolhais. Eu gostava de deixar aqui a sugestão de que, a exemplo do velho restaurante, a palavra engenheiro, quando associada a Sócrates, passe a ser colocada entre aspas. Tanto dá para o ênfase, como para o baptismo.
Quer-se-me parecer que o humor do "engenheiro" se propagou (pegou de estaca...) dentro da classe que assessores que bajula uma certa classe de políticos - a tal que só precisa de magallanes para trabalhar.
Mas não é nada que uma série de eleições não cure...
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