Margarida Miranda, professora do Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra tem-se dedicado ao estudo da pedagogia dos Jesuítas e publicou há pouco tempo a tradução que fez da Ratio Studiorum, que é a primeira tradução moderna em Portugal de tal obra.
Lembrou ela, em sessão pública, que teve lugar na passada terça-feira, na livraria Minerva, o especial cuidado com que no século XVI (sim, no século XVI!), se determinou, no âmbito desta pedagogia que os professores deveriam ser tratados para que pudessem ensinar bem.
Depois de lermos as recomendações que se seguem, constantes das versões de 1586 e 1599 da Ratio, percebemos que alguns conhecimentos de pedagogia poderiam ajudar a decidir as políticas e medidas educativas.
Obrigada, Margarida, pela partilha desse conhecimento.
Ratio Studiorum de 1586/B
Preservar a boa disposição dos professores
“Nada deve ser mais importante nem mais desejável (…) do que preservar a boa disposição dos professores (…). É nisso que reside o maior segredo do bom funcionamento das escolas (…).”
“Com amargura de espírito, os professores não poderão prestar um bom serviço, nem responder convenientemente às [suas] obrigações.”
Recomenda-se a todos os professores um dia de repouso semanal: “A solicitude por parte dos superiores anima muito os súbditos e reconforta-os no trabalho.”
“Quando um professor desempenha o seu ministério com zelo e diligência, não seja esse o pretexto para o sobrecarregar ainda mais e o manter por mais tempo naquele encargo. De outro modo os professores começarão a desempenhar os seus deveres com mais indiferença e negligência, para que não lhes suceda o mesmo.”
Incentivar e valorizar a sua produção literária: porque “a honra eleva as artes.”
“Em meses alternados, pelo menos, o reitor deverá chamar os professores (…) e perguntar-lhes-á, com benevolência, se lhes falta alguma coisa, se algo os impede de avançar nos estudos e outras coisas do género. Isto se aplique não só com todos os professores em geral, nas reuniões habituais, mas também com cada um em particular, a fim de que o reitor possa dar-lhes mais livremente sinais da sua benevolência, e eles próprios possam confessar as suas necessidades, com maior liberdade e confiança. Todas estas coisas concorrem grandemente para o amor e a união dos mestres com o seu superior. Além disso, o superior tem assim possibilidade de fazer com maior proveito algum reparo aos professores, se disso houver necessidade.”
Ratio Studiorum (1599)
"I. 22. Para as letras, preparem-se professores de excelência
Para conservar (…) um bom nível de conhecimento de letras e de humanidades, e para assegurar como que uma escola de mestres, o provincial deverá garantir a existência de pelo menos dois ou três indivíduos que se distingam notoriamente em matéria de letras e de eloquência. Para que assim seja, alguns dos que revelarem maior aptidão ou inclinação para estes estudos serão designados pelo provincial para se dedicarem imediatamente àquelas matérias – desde que já possuam, nas restantes disciplinas, uma formação que se considere adequada. Com o seu trabalho e dedicação, poder-se-á manter e perpetuar como que uma espécie de viveiro para uma estirpe de bons professores.
II. 20. Manter o entusiasmo dos professores
O reitor terá o cuidado de estimular o entusiasmo dos professores com diligência e com religiosa afeição. Evite que eles sejam demasiado sobrecarregados pelos trabalhos domésticos."
Nota: Os sublinhados são de Margarida Miranda.
Referências:
- Ratio Studiorum da Companhia de Jesus (1599). Regime escolar e curriculum de estudos. Edição bilingue Latim-Português. Introdução, versão e notas por Margarida Miranda. Ratio Studiorum, um modelo pedagógico por José Manuel Martins Lopes S. J., Faculdade de Filosofia de Braga – Universidade Católica Portuguesa, Província Portuguesa da Companhia de Jesus, Edições Alcalá, 2008, 482 pp.
- “A Ratio Studiorum e os Estudos Humanísticos II: A defesa dos professores de Humanidades” Boletim de Estudos Clássicos 37 (2003) 105-115.
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5 comentários:
Essas indicações/sugestões, deveriam ocorrer em todas as profissões. Como se espera um bom desempenho, em qualque área, se os trabalhadores não estão satisfeitos?
Rui Peres
Há dois momentos graves na cultura e educação em Portugal. O primeiro foi a expulsão dos judeus e assim a elite científica. Acabados os judeus logo se inventou outro bode expiatório que veio a recair sobre os jesuítas expulsos por Pombal, o homem do absolutismo e do regime da direita, destruindo assim o ensino secundário que nunca até aos dias de hoje se recompôs. Voltaire ridicularizaria este feito, e Portugal nunca mais teve sistema de ensino que se visse.
Aos jesuítas se atribuiu todos os males como aos judeus e até os "comem" em bolos assim chamados (bons por sinal)! Curiosamente a esquerda sempre apoiou esta política da direita e do absolutismo português. Porque será?
Porque os jesuítas fazem mal ao colesterol?
Rui Peres
Tive a felicidade de assistir a esta belíssima sessão. Parabenizo a oradora e a incansável Prf.ª Helena Damião pela sua acção em promover estas sessões em prol de um melhor ensino.
À livraria Minerva endereço, outrossim, os meus parabéns pelo apoio prestado.
Parece-me que a Escola perdeu a sua função essencial de transmissão de conhecimentos e passou a ser uma coisa qualquer sem forma, sem função clara para a sociedade que a sustenta. A Escola não foi inventada nem para o aluno, nem para o professor, nem para o político, nem para o pedagogo, nem para o sociólogo. A Escola foi inventada para que os que não sabem possam aprender com os que sabem. Ou seja, para o Ensino.
Se centrarmos de novo a função da Escola, os problemas que hoje temos desaparecem, em grande medida. A Escola como campo de concentração, como jardim infantil, como espectáculo, como "educadora", isto é, como transmissora explicita de ideologia, destruiu a lógica da Escola de outros tempos. Por arrasto surge todo um conjunto de problemas ligados a esta descaracterização da sua função. A escola não cumpre e é geradora de desigualdades.
Ela, só por si, cumprindo estritamente o seu papel, ensinando, já teria carga ideológica que bastasse e já diria o suficiente do regime que a sustentasse. Diria que se tratava de um regime que se preocupava com as gerações mais novas e que queria que essas gerações, beneficiando dos conhecimentos acumulados, estivessem mais aptas para o seu futuro e pudessem ir mais longe que a gerações anteriores. Com essa pretensão, também iria mais longe a sociedade que essas gerações constituíssem e, assim, cumpria-se o papel civilizacional da Escola. Com essa pretensão, as gerações sucessivas das classes sociais mais baixas ir-se-iam promovendo socialmente, ao invés do que se faz hoje que é alargar o fosso que separa as diferentes bandas sociais existentes. A utopia de esquerda da sociedade sem classes poderia ser cumprida de baixo para cima, não de cima para baixo, aniquilando o existente, como se entende de muita retórica e prática. Os valores do trabalho e do esforço, que na Escola são, aparentemente, valores de direita, retrógrados, teriam que ser tomados por uma certa esquerda que anda perdida ao sabor das teorias sociais "científicas". Estes teóricos pretendem, erradamente, que o real se ajuste à teoria, em vez de pretender apenas, modestamente, que as suas teorias consigam explicar a realidade.
O que é certo é que a Escola funcionou muito bem enquanto teve principalmente os propósitos de ensinar, talvez sem o saber, e deu ao mundo grandes génios, grandes homens de cultura e fez, de facto, avançar a sociedade. Se avaliarmos a relação do desenvolvimento verificado, com os recursos materiais e humanos envolvidos no processo, percebemos que a escola, enquanto veículo de transmissão do conhecimento acumulado pela Humanidade, funcionou muito melhor do que Escola de hoje, que faz pesar exageradamente o papel ideológico da chamada "educação" na sua função.
A Escola foi inventada para os que sabem ensinem os que ainda não sabem. A Pedagogia serve apenas para que aqueles que sabem possam ensinar melhor aqueles que ainda não sabem. A Sociologia, se olhar para o passado, está a fazer História, se olhar para o presente, está a tirar retratos, se olhar para o futuro, está a fazer política. Não percebo porque é que tem havido tanto sociólogo a tomar conta da Escola.
Recentrem a função da escola e deixem os professores ensinar, dando-lhes condições para o fazerem bem.
Luís Ferreira
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