sábado, 22 de novembro de 2008
“Eduquês”: o inimigo errado?
Reagindo a um artigo meu, um leitor põe em causa a ideia muito difundida de que seja o chamado “eduquês” a causa dos males do nosso ensino, sugerindo duas coisas. Primeiro, que os professores não adoptam na sua maior parte os princípios do “eduquês” nas suas aulas; segundo, que estes princípios estão correctos e que a sua aplicação seria vantajosa.
Vale a pena discutir estas ideias. Não tenho quaisquer estudos empíricos que me indiquem quantos professores adoptam ou não adoptam os princípios do “eduquês” nas suas aulas. Mas tenho um conhecimento por observação directa — assistemático, pois, e incientífico — do que se passa no caso do ensino da filosofia no secundário, conhecimento que adquiri ao longo de anos, como formador de professores de filosofia, em visitas às escolas e contactos com professores, lendo os manuais que os meus colegas escrevem (eu próprio sou também autor de manuais), e trocando ideias com os professores em fóruns online.
Reflectindo na realidade que conheço, não me parece que se possa dizer que foi o “eduquês” que causou a falta de qualidade do ensino da filosofia que detecto. E reflectindo no ensino que recebi quando era estudante, vejo que a falta de qualidade era já nessa altura gritante — e nessa altura (sim, já não sou um jovenzinho, daí a minha gloriosa careca) ainda o “eduquês” não tinha tido tempo de fazer estragos. Portanto, não me parece avisado pensar, sem mais estudos, que o “eduquês” seja responsável pela falta de qualidade do ensino da filosofia, em particular. Talvez o ensino da matemática fosse glorioso noutros tempos, mas duvido muito, nomeadamente reflectindo sobre a minha experiência como estudante: tive professores tolos que liam os manuais na aula, ou mandavam os alunos lê-los, e tive professores excelentes, que ensinavam muito e bem, com entusiasmo e eficazmente.
A ideia dos que atacam o “eduquês”, contudo, não é a de que o conjunto algo assistemático que caracteriza esta ideologia é a causa da falta de qualidade do ensino, mas antes 1) que estas ideias estão pura e simplesmente erradas; e 2) que não permitem melhorar um ensino que já era mau.
Estas ideias parecem-me plausíveis, dado o conhecimento que tenho do caso da filosofia. Tomemos o exemplo dos programas de filosofia. Estes sempre foram maus, de tal modo maus que qualquer semelhança entre o que se dava nas aulas e a filosofia propriamente dita era mera coincidência. Ao longo dos anos, os programas oscilaram entre a história da filosofia e programas temáticos. Quando os programas eram de história da filosofia, não só as ideias dos filósofos apareciam distorcidas, como eram agrupadas e sistematizadas de maneiras absurdas, como se se tratasse de uma longa corrida em direcção a um dado fim — os autores desses programas eram pura e simplesmente incapazes de compreender que a história da filosofia não é como a história da biologia, que é uma história de sucessos acumulados em direcção a teorias mais perfeitas, mas antes uma história de tentativas de resolver problemas reais que ainda hoje ninguém sabe resolver. Quando os problemas eram temáticos, como o actual, nenhuma filosofia praticamente incluíam nas suas páginas. Hoje em dia é perfeitamente possível um professor de filosofia não leccionar um só conteúdo filosófico e cumprir integralmente o programa, pois este não exige a leccionação de um só problema, teoria ou argumento filosóficos; mas tem muita conversa fiada sobre o mundo contemporâneo e a cidadania.
O que é interessante é reflectir sobre a razão de ser desta falta de qualidade, pois é isso que nos permitirá compreender o que se passa com o chamado “eduquês”. Numa só palavra, a razão de ser desta falta de qualidade é a falta de domínio da área em causa — neste caso, a filosofia. Se um professor tiver uma formação sólida em filosofia, ou história ou matemática, nenhum método, por mais errado que esteja, poderá ter grandes efeitos negativos na qualidade do seu ensino, porque esse professor não irá esquecer os conteúdos e competências da sua área, e tudo fará para os transmitir aos estudantes. Mas se o professor não tem essa formação — porque não lhe foi dada nas universidades — então qualquer tolice será absorvida acriticamente como uma ideia educativa salvadora da pátria.
Vejamos um exemplo simples, uma vez mais da área da filosofia, pois é a que conheço. Em quase todos os manuais do passado, e em alguns actuais, há uma cantiga tola sobre a maior e menor extensão e intensão (com “s”) dos termos gerais, no capítulo de lógica aristotélica. Muitos professores, mesmo que o manual que hoje adoptaram não tenha essa cantiga, sentem falta dela e leccionam-na à mesma. Esta cantiga está errada, e nem sei qual é a sua origem. A ideia seria a seguinte: um termo geral qualquer, como “portugueses” tem uma dada extensão, que neste caso é as pessoas portuguesas. E tem uma dada intensão (com “s”) ou “compreensão”, que é a propriedade ou propriedades que determinam a extensão: neste caso, a propriedade de ser português. Por alguma razão, inventou-se a tolice de que, dado um qualquer termo, a uma maior intensão corresponderia uma menor extensão e vice-versa. Isto é obviamente falso porque a extensão de “portugueses” é muitíssimo mais pequena do que a extensão de “brasileiros”, mas seja qual for a intensão dos dois termos, não será com certeza tal que a intensão de um seja maior do que a de outro. (Além disso, não faz sentido logicamente medir o tamanho das intensões, mas não vale a pena explicar isso agora.)
Ora bem, o que faz um professor mal formado, que interiorizou esta tolice sem pensar muito bem (pois se pensasse, veria que é uma tolice), é inventar exercícios criativos sem se dar conta de que nem sequer está a avaliar nem a leccionar qualquer conteúdo lógico ou filosófico. Esse professor dá ao aluno listas de palavras (do género: “portugueses”, “europeus”, “seres humanos”), pedindo que o aluno as ordene em termos da maior ou menor intensão ou extensão. Mas o que está realmente a ser avaliado, a competência que está a ser invocada, é puramente geográfica: nada tem a ver com a lógica nem com a filosofia. Isto seria óbvio se o professor tivesse duas coisas centrais que infelizmente não adquiriu na universidade: 1) formação sólida na sua área de actuação, neste caso a filosofia, e 2) uma atitude crítica relativamente ao que vê escrito algures. Estes são os dois factores que explicam o disparate. E que explicam também o desinteresse do aluno, evidentemente, pelas aulas de filosofia. Não sei até que ponto este exemplo é ilustrativo do que acontece noutras disciplinas, no ensino secundário, mas é pelo menos plausível que o seja.
Se a falta de conhecimentos e competências fundamentais que detecto nos colegas da filosofia for transversal — se existe também nos colegas da matemática, português, etc. —, então as próprias ideias das ciências da educação serão deturpadas, vilipendiadas, aplicadas às cegas e transformadas em mais um conjunto de tolices sem sentido. Poderão não ser elas a causa da falta de qualidade do ensino — mas reforçam essa falta de qualidade porque não colocam a ênfase onde ela deve ser colocada: na formação intelectual do professor, que é muitíssimo deficiente.
A formação intelectual integral dos nossos professores é o problema mais grave do ensino e que está na origem dos problemas que temos, na minha opinião. Por “formação intelectual integral” entendo 1) um domínio sólido das matérias (filosofia, matemática, etc.), 2) autonomia intelectual e 3) sensibilidade didáctica e social. Quando o professor foi deformado nas universidades, decorando tolices e perdendo o sentido crítico normal que qualquer ser humano tem, quando o professor não adquiriu uma sensibilidade didáctica e social que lhe permita por si mesmo conceber estratégias de ensino que cativem os alunos mais carenciados, está nas mãos de toda a tolice emanada do Ministério da Educação — que, por sua vez, é constituído por pessoas que padecem exactamente da mesma falta de formação intelectual integral.
O que se pode então fazer?
Em primeiro lugar, cooperar. Parar de fazer guerras e compreender que temos de estudar, aprender, ler, discutir matérias, conteúdos e métodos. Temos de ter uma atitude cooperativa, cabendo aos que tiveram a sorte de ter uma formação melhor, saindo do circuito bolorento da universidade nacional, ajudar os outros. Cabendo a quem pode ler livros directamente noutras línguas disponibilizar esses conhecimentos e metodologias aos outros. Cabendo a quem tem um maior conhecimento das coisas partilhar isso com os outros.
Em segundo lugar, parar de encarar o conhecimento como um instrumento de opressão. É esta mentalidade que provoca guerras e animosidades. Se eu disser a um colega de filosofia que escreveu um manual com erros científicos elementares, ele fica zangado comigo porque pensa que o meu objectivo é vilipendiá-lo e não apenas melhorar o ensino no meu país (que é cada vez menos meu, claro, dado que agora tenho a obrigação de melhorar a realidade brasileira, que tem os seus problemas próprios, que ainda não conheço bem). Se eu lhe mostrar bibliografias actualizadas, de qualidade óbvia e de profunda sensibilidade didáctica, ele vai procurar esconder a sua ignorância dizendo que é “anglo-saxónico”, como se a matemática, a filosofia, as artes — os seres humanos, enfim — pudessem ser adequadamente classificados como insectos, preferindo-se então uns insectos a outros.
Procurar activamente as bibliografias com as exposições mais claras e didacticamente adequadas dos conteúdos das disciplinas só pode ocorrer quando admitirmos que fomos mal formados pelas universidades. A cooperação só pode ocorrer quando pararmos de prostituir o conhecimento, encarando a partilha como uma coisa perfeitamente normal. E sem essas duas condições, nada do que se fizer no ensino poderá ter grandes efeitos causais na direcção desejada da excelência.
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5 comentários:
Antes do mais agradeço ao Desidério Murcho ter dado um destaque às minhas palavras que seguramente não esperava na medida em que poderei esclarecer o meu pensamento e tentar perceber melhor os seus argumentos. Quando afirmo que o ensino na generalidade das escolas portuguesas continua a ser muito tradicional devo enfatizar que também eu não possuo nenhum estudo empírico que sustente tal afirmação. Baseio a minha opinião no meu contacto com as escolas e professores, decorrente da minha actividade de formador de professores, e como pai de dois filhos que frequentam o 1º e o 2º ciclos do ensino básico em escolas públicas. Neste aspecto em concreto deve dizer-se que a discussão sobre esta matéria e matérias afins não constitui uma originalidade portuguesa. Veja-se, por exemplo, o manifesto "No es verdad" (http://www.redires.net/?q=node/15) referente à situação vivida na nossa vizinha Espanha.
Escreve o Desidério que talvez seja injusto atacar o "eduquês" pelos males da educação em Portugal escrevendo: "Reflectindo na realidade que conheço, não me parece que se possa dizer que foi o “eduquês” que causou a falta de qualidade do ensino da filosofia que detecto. E reflectindo no ensino que recebi quando era estudante, vejo que a falta de qualidade era já nessa altura gritante — e nessa altura (sim, já não sou um jovenzinho, daí a minha gloriosa careca) ainda o "eduquês" não tinha tido tempo de fazer estragos. Portanto, não me parece avisado pensar, sem mais estudos, que o "eduquês" seja responsável pela falta de qualidade do ensino da filosofia, em particular. Talvez o ensino da matemática fosse glorioso noutros tempos, mas duvido muito, nomeadamente reflectindo sobre a minha experiência como estudante: tive professores tolos que liam os manuais na aula, ou mandavam os alunos lê-los, e tive professores excelentes, que ensinavam muito e bem, com entusiasmo e eficazmente."
Constato que, contrariamente a muitos outros que escrevem sobre a educação em Portugal, não identifica o "eduquês" como sendo a origem dos problemas da educação em Portugal nem sente saudades de uma suposta "idade de ouro" onde o saber fluía dos mestres para os alunos e o nível educacional era excelente. Estamos de acordo neste ponto. Aliás, o discurso sobre a ignorância dos alunos tem um longo passado. Basta consultar as frases compiladas pelo Professor António Nóvoa no seu notável livro "Evidentemente ‒ Histórias da Educação"
(http://www.asa.pt/produtos/produto.php?id_produto=702236&origem=autor&id_autor=413) ou, recuando mais no tempo, até meados do século XIX, ler o "Le niveau monte", que Christian Baudelot e Roger Establet escreverem há quase 20 anos.
O Desidério afirma que eu sustento que os princípios do "eduquês" estão correctos e que a sua aplicação seria vantajosa. Eu não escrevi nada disso porque, para ser franco, não sei o que seja o "eduquês". Foi o Eng.º Marçal Grilo, ministro da Educação do primeiro governo de António Guterres, que cunhou a expressão "eduquês" para criticar uma linguagem obscura, pesada e por vezes impenetrável que ocasionalmente encontramos nas abordagens sobre a educação realizadas por alguns supostos especialistas. Não podia estar mais de acordo com ele. Mas à semelhança do "eduquês" existiria também um "juriduquês", um "arquitectês" ou um "sociologês". Num livro que o Desidério traduziu, e que apreciei muito ler ‒ A Arte de Argumentar, de Anthony Weston ‒ é reproduzida uma frase Talcott Parsons, um dos sociólogos mais famosos do século XX, que reza assim: "Para aqueles cujos papéis envolviam primariamente a execução de serviços, por oposição à assunção de responsabilidades de chefia, o padrão básico parece ter sido uma resposta às obrigações invocadas pela chefia, que eram concomitantes com o estatuto de membro na comunidade societal e em várias das suas unidades segmentadas. A analogia moderna mais próxima é o serviço militar exercido por um cidadão comum, excepto que o chefe da burocracia egípcia não precisava de uma emergência para evocar obrigações legítimas." Segundo Weston este longo trecho pode ser dito desta forma: "No antigo Egipto as pessoas comuns podiam ser recrutadas para trabalharem."
O que Marçal Grilo criticava não era uma proposta de prática educacional, mas, se bem o entendi, um discurso, que, sob a capa de uma suposta densidade conceptual, escondia um pensamento confuso e débil.
A expressão "eduquês" não significa actualmente nada de concreto e, por isso mesmo, tornou-
se uma espécie de insulto que alguns lançam sobre tudo aquilo de que não gostam na educação, como antigamente alguns afirmavam, de forma crítica, que determinados indivíduos eram comunistas ou fascistas. Por isso, quando o Desidério escreve que a "ideia dos que atacam o "eduquês", contudo, não é a de que o conjunto algo assistemático que caracteriza esta ideologia é a causa da falta de qualidade do ensino, mas antes 1) que estas ideias estão pura e simplesmente erradas; e 2) que não permitem melhorar um ensino que já era mau", eu desconheço exactamente quais as características dessa mesma ideologia. Ela consiste em quê exactamente? Se não conseguirmos delimitar com rigor o que se entende por "eduquês" o conceito torna-se tão vago que eu não faço a mínima ideia do que pretende criticar.
Todavia, tendo a concordar consigo quando afirma que se "um professor tiver uma formação sólida em filosofia, ou história ou matemática, nenhum método, por mais errado que esteja, poderá ter grandes efeitos negativos na qualidade do seu ensino, porque esse professor não irá esquecer os conteúdos e competências da sua área, e tudo fará para os transmitir aos estudantes." Prossegue afirmando que "a formação intelectual integral dos nossos professores é o problema mais grave do ensino e que está na origem dos problemas que temos, na minha opinião. Por "formação intelectual integral" entendo 1) um domínio sólido das matérias (filosofia, matemática, etc.), 2) autonomia intelectual e 3) sensibilidade didáctica e social. Quando o professor foi deformado nas universidades, decorando tolices e perdendo o sentido crítico normal que qualquer ser humano tem, quando o professor não adquiriu uma sensibilidade didáctica e social que lhe permita por si mesmo conceber estratégias de ensino que cativem os alunos mais carenciados, está nas mãos de toda a tolice emanada do Ministério da Educação."
A pergunta que lhe faço sobre esta matéria é a seguinte: quem são os responsáveis pela formação científica dos futuros professores? São os docentes das várias áreas científicas nas quais se formam professores: história, filosofia, matemática, etc. E estes professores, por norma, em particular nas Universidades Clássicas, nutrem um profundo desprezo quer pelas Ciências da Educação, quer pela formação de professores. Poderemos concluir, portanto, que a qualidade científica dos professores, condição absolutamente incontornável para se ser um bom professor, nada tem a ver com o "eduquês". Se existe alguma escola onde as ideias do "eduquês" não penetraram ela chama-se universidade. Com algumas inovações como o PowerPoint em substituição dos velhos acetatos ou de estratégias de e-learning, muito pouco mudou ao nível do ensino no mundo universitário, embora reconheça, sem grandes dúvidas, que a universidade portuguesa actual é substancialmente melhor do que era há 25 anos atrás quando eu por lá passei como aluno de licenciatura.
Mas, deve colocar-se a pergunta, como é que poderemos melhorar a qualidade científica dos futuros professores? Antes do mais mudando os métodos de ensino com que são ensinados. Veja o caso de Erik Mazur, professor de Física em Harvard. Nesta entrevista ao Prof. Carlos Fiolhais (http://nautilus.fis.uc.pt/gazeta/revistas/26_1/entrevista.pdf) ele afirma o seguinte: "Ensinar é apenas ajudar a aprender e é esse o meu papel enquanto professor." Mazur, cujas ideias podem ser escutadas numa conferência proferida em Janeiro de 2007, que pode ser descarregada em http://www.exo.net/~drsteph/brownbags.html, aplica ideias que são relativamente antigas no campo da educação, em particular o "peer-teaching". Com base na investigação que ele e o seu grupo de investigação conduziram foi possível demonstrar empiricamente que esta estratégia de ensino conduz a melhores resultados do que os métodos tradicionais.
Quando colocamos a questão a este nível podemos fazer perguntas muito concretas sobre ensino e verificar o que a investigação nos diz sobre esta matéria ou nós próprios realizarmos essa mesma investigação. Esta é uma forma de abordar a educação muito mais profícua do que criticarmos o "eduquês" e as suas debilidades. Por exemplo, podermos perguntar se a aprendizagem activa, cooperativa ou baseada na resolução de problemas, por comparação com uma abordagem tradicional, são ou não mais eficazes ao nível dos resultados que permitem atingir. Uma resposta a esta pergunta pode ser encontrada em http://www4.ncsu.edu/unity/lockers/users/f/felder/public/Papers/Prince_AL.pdf e a resposta parece ser sim para as duas primeiras estratégias de ensino e um sim com algumas interrogações para a terceira.
É a este nível que gosto de discutir sobre educação. Clarificar conceitos, avançar argumentos e procurar evidência empírica que corrobore ou não determinadas posições.
Penso que a cruzada contra o "eduquês" tem sido uma grande distracção dos problemas da educação em Portugal.
Não estou de acordo com a frase: "Se um professor tiver uma formação sólida em filosofia, ou história ou matemática, nenhum método, por mais errado que esteja, poderá ter grandes efeitos negativos na qualidade do seu ensino, porque esse professor não irá esquecer os conteúdos e competências da sua área, e tudo fará para os transmitir aos estudantes."
Se um professor for altamente competente na sua área mas não se preocupar muito com o que o aluno realmente sabe quando o aprova, facilmente aprova ignorantes. É assim que as universidades conseguem produzir muitos dos maus professores que depois aparecem. A formação sólida é condição necessária mas não suficiente para um bom ensino.
Estou 100% de acordo com: "Em primeiro lugar, cooperar. Parar de fazer guerras e compreender que temos de estudar, aprender, ler, discutir matérias, conteúdos e métodos."
As guerras têm sido um péssimo serviço à educação em Portugal.
Caro PJ,
O eduquês está perfeitamente identificado no livro de Nuno Crato sobejamente conhecido.
abraço
Rolando
O livro do Nuno Crato usa uma metodologia que me parece muito discutível. Cito algumas frases das primeiras páginas do livro:
"este texto incide sobre as ideias expressas (...) Não constitui um estudo empírico nem uma síntese dos resultados ou das influências práticas das ideias." (p. 16)
"apresentam-se as citações e sublinham-se as ideias, o que não é fácil, pois elas têm de ser descortinadas, para não dizer adivinhadas, ao longo de leituras repetidas e pacientes." (p. 16)
"Muitos dos que falam em «ensino centrado no aluno» repudiam esta visão extrema. Mas todos devemos ser confrontados com a origem e significado desta e doutras expressões, de forma a termos cuidado com o seu uso e, sobretudo, de forma a podermos dialogar conscientes do significado das ideias." (p. 19)
Como eu interpreto estas frases:
1 - o livro sugere que o eduquês seja algo relevante na prática mas não faz qualquer esforço para provar esta afirmação discutível;
2 - as ideias que o livro critica têm que ser descortinadas em leituras repetidas dos textos;
3 - o significado que os autores criticados dão às palavras e expressões que usam não pode ser livremente esclarecido pelos próprios: têm que que levar em conta os significados que o livro lhes adivinha nas tais leituras repetidas.
Caro Desidério e caro PJ, bem-hajam por este debate.
Também acho que o Prof. Fiolhais e o Nuno Crato andam a malhar no ferro errado, e já a ambos tive oportunidade de o dizer. Mas claro, o que os preocupa são os exageros do construtivismo, não propriamente o dia-a-dia... só que ao atacarem o eduquês como sinónimo de construtivismo (e fazem-no em vários textos), prestam um mau serviço. Porque o que muitos professores fazem é tudo menos inspirarem-se no construtivismo e nas ciências educativas dos últimos 100 ou 120 (!) anos...
O desconhecimento geral de que fala o Desidério era pior antes: lembro-me de ter professores de ciências com o 9º ano de escolaridade (os professores, não eu). Mas mantém-se como um problema de base.
O "malhar no ferro errado" revela-se nesta frase, Prof. Desidério:
"1) que estas ideias estão pura e simplesmente erradas; e 2) que não permitem melhorar um ensino que já era mau. Estas ideias parecem-me plausíveis, dado..."
Acontece que no resto do texto nada se diz em suporte destas ideias; nada mostra que a ciência educativas dos últimos 100 a 120 anos não tenha contribuído com boas ideias (e más também, claro), nada mostra que não permitam melhorar o que há. De facto, não se podem mudar de uma assentada todos os professores de uma área por outros tantos com boa formação científica, por isso é melhor é pensar em como melhorar o que há!
Mas a frase acima preocupa-me, por transparecer uma falta de vontade de olhar com olhos de ver para as ideias educativas "novas" (dos últimos 100 a 120 anos). Estarei a perceber mal?
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