quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Ensinar a filosofar

Neste artigo defende-se duas idéias principais. Primeiro, que compreender a natureza aberta e especulativa da filosofia é uma condição necessária para uma compreensão fecunda do seu ensino. E segundo, que para se ter uma compreensão fecunda do ensino da filosofia é necessário distinguir cuidadosamente as competências estritamente filosóficas da informação histórica, e a leitura filosófica ativa dos textos dos filósofos da sua mera compreensão. Ler mais...

7 comentários:

JC disse...

"Introdução

Neste artigo defende-se duas idéias principais. ..."

Deveria ter escrito: "defendem-se"
João M. Coelho

Desidério Murcho disse...

Obrigado pela sugestão, mas eu não concordo com essa interpretação que alguns linguístas fazem desta construção. "Defende-se" é neste contexto como "Defendo" ou "Defendemos" porque é quem defende que conta e não o que é defendido. "Vende-se sardinhas" quer dizer que alguém indeterminado vende sardinhas, ao passo que "Vendem-se sardinhas" quer dizer que as sardinhas se vendem a si mesmas. Eu sei que alguns linguísticas não concordam com isto, mas paciência. A língua é tanto minha quanto deles! :-)

M disse...

Belo artigo, ó Desidério! Boa, boa! Apoiado!

M disse...

O engano de Deus

Ó Vítor, até o Cândido de Figueiredo diz que «delusão» é arcaísmo. Em tuguês, delusion é «engano», simplesmente. Ou «logro», se quisermos variar. «Delusão» é o mais antipático que se pode imaginar!

Que coisa...

Anónimo disse...

O seu texto é muito interessante e particularmente bem escrito, como tudo o que o Desidério escreve. Como afirmou Jean Piaget "(...) tudo aquilo que não é adquirido através da experiência e da reflexão pessoal não é senão adquirido à superfície e não modifica em nada o pensamento." (Jean Piaget, 1965, Études sociologiques. Genève: Droz, p. 231). Precisamente o mesmo autor que muitos querem "abater", desde o Prof. Nuno Crato (ver O «eduquês» em discurso directo: Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista) até ao Prof. Carlos Fiolhais (http://dererummundi.blogspot.com/2008/09/jos-morais-e-o-construtivismo.html).
No fundo o que retiro do seu artigo é que não existe nenhuma contradição entre ensinar conteúdos e ensinar a pensar. E isto parece-me tão válido para a Filosofia como para qualquer outra área do conhecimento. Quando se ensina de forma dogmática criam-se indivíduos dogmáticos e meros repetidores ao invés de produtores de conhecimento.

Desidério Murcho disse...

Obrigado pelas suas palavras, PJ. Mas não me parece que o Nuno Crato ou o Carlos Fiolhais queiram "abater" Piaget. Aristóteles escreveu que ninguém acerta completamente na verdade, mas também ninguém erra completamente. Com certeza que Piaget escreveu coisas erradas, como toda a gente, e outras certas. Uma coisa totalmente diferente é a aplicação acrítica de tudo o que Piaget escreveu só porque ele o escreveu.

Anónimo disse...

Caro Desidério:

Realmente o termo “abater” não foi o mais adequado quando falei dos textos escritos pelos Professores Carlos Fiolhais e Nuno Crato. O que me choca mais nas opiniões destes dois distintos professores, e não me encontro a ser irónico na minha apreciação (penso que ambos têm desenvolvido um trabalho notável na área da divulgação científica), é sua profunda ignorância no que toca às questões da educação. Nuno Crato em “O Eduquês em discurso directo” fez bem o seu “trabalho de casa” ao seleccionar excertos de obras criticáveis no que respeita à educação. Mas cai no erro de acreditar que aqueles livros influenciam o trabalho dos professores. Ora, quem conhece o trabalho concreto das escolas desenvolvido pelos professores portugueses, com as honrosas excepções que existem em todos os casos, rapidamente verifica que o ensino que se pratica na generalidade das nossas escolas é do mais conservador que pode existir. E seguramente não é pela introdução dos computadores Magalhães ou dos quadros interactivos que as coisas irão mudar. As coisas não se alteraram muito desde o tempo em que era estudante do ensino secundário, conforme escreveu no jornal Público em 2/9/08 na crónica “Lavoisier e a escola”. Os resultados do nosso sistema educativo não são decepcionantes pela absorção de ideias pretensamente “modernas”, mas perniciosas, das abordagens “pedagógicas modernas”. O que cresceu não foi o “eduquês”. Foi a estupidez, um abaixamento dos padrões de exigência e um lento resvalar para o facilitismo que começa no 1º ciclo e termina no ensino superior.

Por outro lado, Nuno Crato fala sempre naquilo que eu designo por “construtivismo adjectivado”: construtivismo radical, construtivismo romântico, etc. Nunca fala de construtivismo simples e das suas aplicações educacionais susceptíveis de serem utilizadas. Faz uma cruzada contra a subalternização dos conteúdos e afirma ser contra o ensino organizado por competências. Ora, neste aspecto parece-me existir uma diferença substancial entre o que propõe para o ensino da filosofia e as teses de Nuno Crato. O Desidério escreve o seguinte: “O estudante tem de compreender os problemas, teorias e argumentos da filosofia, tal como surgem ao longo da história da disciplina, mas tem também de saber discutir por si os problemas, teorias e argumentos da filosofia. Ou seja, tem de saber filosofar.” Em termos educacionais o que propõe tem sido normalmente designado por competência. Se interpretei bem o seu pensamento, e não sendo da área da filosofia é possível que isso tenha ocorrido, o objectivo do ensino da filosofia é formar filósofos competentes. Não poderia estar mais de acordo.

Ainda no que respeita a Nuno Crato leia o texto seguinte:

“A experiência e o método científico podem ser ensinados em muitas matérias além da ciência. Daniel Kunitz é um amigo meu desde a universidade. Tem sido um professor inovador de Ciências Sociais do ensino secundário. Queremos que os alunos compreendam a Constituição dos Estados Unidos? Podemos mandá-la ler, artigo por artigo, e depois analisá-la na aula − mas, infelizmente, isso iria pôr a maior parte dos alunos a dormir. Ou então podemos tentar o método de Kunitz: proibir os alunos de ler a Constituição, e, em vez disso, incumbi-los da tarefa de, em grupos de dois, representarem cada um dos estados numa convenção constitucional. Explicamos em detalhe, a cada uma das treze equipas, os interesses particulares do seu estado e região. Por exemplo, à delegação da Carolina do Sul falaríamos do primado do algodão, da necessidade e da moralidade do tráfico de escravos, do perigo que representa o Norte industrial e assim por diante. As treze delegações reúnem-se e, com uma pequena orientação do professor, mas fundamentalmente por si próprias, escrevem uma Constituição ao longo de algumas semanas. Depois lêem a verdadeira constituição. Os alunos tinham reservado para o presidente o poder de declarar a guerra. Os delegados de 1787 atribuíram-no ao Congresso. Porquê? Os estudantes tinham libertado os escravos. A Convenção Constitucional original não o fez. Porquê? Isto exige uma maior preparação por parte dos professores e mais trabalho dos alunos, mas a experiência é inesquecível. É difícil não pensar que as nações da Terra estariam em melhor situação se todos os cidadãos passassem por uma experiência semelhante.”

Autor do texto: Carl Sagan, um dos heróis intelectuais do Professor Nuno Crato (Um Mundo Infestado de Demónios, 1997, pp. 325-326).

No que respeita ao Prof. Carlos Fiolhais a situação é diferente porque a sua ignorância sobre questões educativas é imensamente superior. Como disse atrás, o Prof. Nuno Crato fez o seu “trabalho de casa” quando escreveu o seu livro sobre o “eduquês”. Fiolhais não se dá a esse trabalho. Em A Coisa mais Preciosa que Temos (2004, Gradiva), ele escreve o seguinte num capítulo intitulado Os Erros do “eduquês”: “O construtivismo, por sua vez, é uma doutrina psicológica e sociológica cuja fama já conheceu melhores dias. Defende que só as ideias construídas pelo próprio têm consistência suficiente para permanecer. Há um certo fundo de verdade nessa afirmação, mas é completamente delirante esperar que o menino Joãozinho, que está no 9º ano do ensino básico, corra um dia da banheira a gritar “eureka”, tal qual Arquimedes, ou que construa por ele a tabela periódica tal qual Mendeleev. A um nível universitário, podem bem esperar os construtivistas que um estudante reinvente sozinho a teoria da relatividade geral.” (p. 51)
Mas o que é que isto tem a ver com as aplicações educacionais do construtivismo? Alguém me conseguirá explicar isto? O mesmo Prof. Fiolhais entra numa flagrante contradição quando no mesmo livro (pp. 84-87) defende métodos de ensino da ciência que genuinamente se podem considerar construtivistas. Para falar em Arquimedes, sugere que se ponha à prova a concepção generalizada de que os corpos mais pesados se afundam e os mais leves flutuam. Como? Muito simplesmente colocando num recipiente com água batatas e maçãs com o mesmo peso e constatando que as maças flutuam e as batatas se afundam. Antes da experiência pede-se aos alunos uma antecipação do resultado, confrontando-se essa expectativa com os resultados observados. Não é necessário muito para perceber rapidamente que estas metodologias são muito mais exigentes para os professores e para os alunos. Mas acima de tudo o que não são de todo é deixar os alunos à sua sorte numa espécie de explorações sem sentido. ISTO NÃO É CONSTRUTIVISMO! Quem assim o afirma pura e simplesmente não sabe do que fala.

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