quinta-feira, 20 de novembro de 2008
Ensinar a filosofar
Neste artigo defende-se duas idéias principais. Primeiro, que compreender a natureza aberta e especulativa da filosofia é uma condição necessária para uma compreensão fecunda do seu ensino. E segundo, que para se ter uma compreensão fecunda do ensino da filosofia é necessário distinguir cuidadosamente as competências estritamente filosóficas da informação histórica, e a leitura filosófica ativa dos textos dos filósofos da sua mera compreensão. Ler mais...
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9 comentários:
"Introdução
Neste artigo defende-se duas idéias principais. ..."
Deveria ter escrito: "defendem-se"
João M. Coelho
Obrigado pela sugestão, mas eu não concordo com essa interpretação que alguns linguístas fazem desta construção. "Defende-se" é neste contexto como "Defendo" ou "Defendemos" porque é quem defende que conta e não o que é defendido. "Vende-se sardinhas" quer dizer que alguém indeterminado vende sardinhas, ao passo que "Vendem-se sardinhas" quer dizer que as sardinhas se vendem a si mesmas. Eu sei que alguns linguísticas não concordam com isto, mas paciência. A língua é tanto minha quanto deles! :-)
Os mesmos linguistas que escrevem uma entrada especializada de "música" num dicionário português e traduzem "keynote" por "Tónica dominante" - estaria tudo bem se fosse contexto coloquial, mas especificamente em música não se pode confundir tónicas com dominantes. Nem tónicas com tonalidades.
Linguistas que são incapazes de distinguir "delusão" de "ilusão", de tal modo que um editor português tem medo de pôr "delusão" (correctamente) na capa de um livro (the god delusion) para escrever o mais familiar "desilusão"... Distinção que qualquer dicionário de inglês-inglês em condições faz...
Linguistas do "mais ou menos prontos coiso, vai lá"... para isso não precisamos de linguistas, já temos o linguajar comum que... mais ou menos prontos coiso vai lá!
Não dizemos "Estão a chover (gotas de chuva)", dizemos "Chove" ou "está a chover". De igual modo, há um sujeito ou sujeitos, que fazem a defesa das ideias. Ora troquemos a ordem aos elementos da expressão:
a) defendem-se as ideias de...
b) as ideias de... defendem-se
Escrevendo desta maneira, estamos pura e simplesmente a gerar mais psicobalda, mais confusão... como se a que já existe não chegasse.
Belo artigo, ó Desidério! Boa, boa! Apoiado!
O engano de Deus
Ó Vítor, até o Cândido de Figueiredo diz que «delusão» é arcaísmo. Em tuguês, delusion é «engano», simplesmente. Ou «logro», se quisermos variar. «Delusão» é o mais antipático que se pode imaginar!
Que coisa...
A questão não é saber qual das duas palavras é mais antiga. A questão é saber se "ilusão" ou "desilusão" são boas traduções de "delusion". Não são. Porque se trata de coisas diferentes. Que os lexicógrafos tugas e que o linguajar tuga, que para pouco mais serve do que para tentar insultar os outros (alguem ontem ouviu aquela besta do governo ou do partido governante, já não me lembro, a falar em "detalhes que geram entropias"?) não captem estas diferenças, é indiferente à realidade das coisas.
Nós usamos as palavras como se fossem bolinhas para pôr na árvore de natal... não para falar da realidade com respeito pela realidade.
Qualquer dicionário de inglês-inglês capta a diferença, quer etimológica, quer de uso corrente, entre "illusion" e "delusion". Por que razão isto não acontece em português? SImples: porque somos uma cultura inferior, de taberneiros barrascos, que só usam a língua para ladainhas religiosas ou para falar mal dos vizinhos e da vida deles.
Por que raios não podemos traduzir as coisas correctamente, só porque o povão não está habituado a uma palavra x ou y? Que se habituem porra, estudem, aprendam, o povão que faça mais qualquer coisa além de urrar como javalis por causa do futebol, ou cantar fados ou loas à divindade.
O seu texto é muito interessante e particularmente bem escrito, como tudo o que o Desidério escreve. Como afirmou Jean Piaget "(...) tudo aquilo que não é adquirido através da experiência e da reflexão pessoal não é senão adquirido à superfície e não modifica em nada o pensamento." (Jean Piaget, 1965, Études sociologiques. Genève: Droz, p. 231). Precisamente o mesmo autor que muitos querem "abater", desde o Prof. Nuno Crato (ver O «eduquês» em discurso directo: Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista) até ao Prof. Carlos Fiolhais (http://dererummundi.blogspot.com/2008/09/jos-morais-e-o-construtivismo.html).
No fundo o que retiro do seu artigo é que não existe nenhuma contradição entre ensinar conteúdos e ensinar a pensar. E isto parece-me tão válido para a Filosofia como para qualquer outra área do conhecimento. Quando se ensina de forma dogmática criam-se indivíduos dogmáticos e meros repetidores ao invés de produtores de conhecimento.
Obrigado pelas suas palavras, PJ. Mas não me parece que o Nuno Crato ou o Carlos Fiolhais queiram "abater" Piaget. Aristóteles escreveu que ninguém acerta completamente na verdade, mas também ninguém erra completamente. Com certeza que Piaget escreveu coisas erradas, como toda a gente, e outras certas. Uma coisa totalmente diferente é a aplicação acrítica de tudo o que Piaget escreveu só porque ele o escreveu.
Caro Desidério:
Realmente o termo “abater” não foi o mais adequado quando falei dos textos escritos pelos Professores Carlos Fiolhais e Nuno Crato. O que me choca mais nas opiniões destes dois distintos professores, e não me encontro a ser irónico na minha apreciação (penso que ambos têm desenvolvido um trabalho notável na área da divulgação científica), é sua profunda ignorância no que toca às questões da educação. Nuno Crato em “O Eduquês em discurso directo” fez bem o seu “trabalho de casa” ao seleccionar excertos de obras criticáveis no que respeita à educação. Mas cai no erro de acreditar que aqueles livros influenciam o trabalho dos professores. Ora, quem conhece o trabalho concreto das escolas desenvolvido pelos professores portugueses, com as honrosas excepções que existem em todos os casos, rapidamente verifica que o ensino que se pratica na generalidade das nossas escolas é do mais conservador que pode existir. E seguramente não é pela introdução dos computadores Magalhães ou dos quadros interactivos que as coisas irão mudar. As coisas não se alteraram muito desde o tempo em que era estudante do ensino secundário, conforme escreveu no jornal Público em 2/9/08 na crónica “Lavoisier e a escola”. Os resultados do nosso sistema educativo não são decepcionantes pela absorção de ideias pretensamente “modernas”, mas perniciosas, das abordagens “pedagógicas modernas”. O que cresceu não foi o “eduquês”. Foi a estupidez, um abaixamento dos padrões de exigência e um lento resvalar para o facilitismo que começa no 1º ciclo e termina no ensino superior.
Por outro lado, Nuno Crato fala sempre naquilo que eu designo por “construtivismo adjectivado”: construtivismo radical, construtivismo romântico, etc. Nunca fala de construtivismo simples e das suas aplicações educacionais susceptíveis de serem utilizadas. Faz uma cruzada contra a subalternização dos conteúdos e afirma ser contra o ensino organizado por competências. Ora, neste aspecto parece-me existir uma diferença substancial entre o que propõe para o ensino da filosofia e as teses de Nuno Crato. O Desidério escreve o seguinte: “O estudante tem de compreender os problemas, teorias e argumentos da filosofia, tal como surgem ao longo da história da disciplina, mas tem também de saber discutir por si os problemas, teorias e argumentos da filosofia. Ou seja, tem de saber filosofar.” Em termos educacionais o que propõe tem sido normalmente designado por competência. Se interpretei bem o seu pensamento, e não sendo da área da filosofia é possível que isso tenha ocorrido, o objectivo do ensino da filosofia é formar filósofos competentes. Não poderia estar mais de acordo.
Ainda no que respeita a Nuno Crato leia o texto seguinte:
“A experiência e o método científico podem ser ensinados em muitas matérias além da ciência. Daniel Kunitz é um amigo meu desde a universidade. Tem sido um professor inovador de Ciências Sociais do ensino secundário. Queremos que os alunos compreendam a Constituição dos Estados Unidos? Podemos mandá-la ler, artigo por artigo, e depois analisá-la na aula − mas, infelizmente, isso iria pôr a maior parte dos alunos a dormir. Ou então podemos tentar o método de Kunitz: proibir os alunos de ler a Constituição, e, em vez disso, incumbi-los da tarefa de, em grupos de dois, representarem cada um dos estados numa convenção constitucional. Explicamos em detalhe, a cada uma das treze equipas, os interesses particulares do seu estado e região. Por exemplo, à delegação da Carolina do Sul falaríamos do primado do algodão, da necessidade e da moralidade do tráfico de escravos, do perigo que representa o Norte industrial e assim por diante. As treze delegações reúnem-se e, com uma pequena orientação do professor, mas fundamentalmente por si próprias, escrevem uma Constituição ao longo de algumas semanas. Depois lêem a verdadeira constituição. Os alunos tinham reservado para o presidente o poder de declarar a guerra. Os delegados de 1787 atribuíram-no ao Congresso. Porquê? Os estudantes tinham libertado os escravos. A Convenção Constitucional original não o fez. Porquê? Isto exige uma maior preparação por parte dos professores e mais trabalho dos alunos, mas a experiência é inesquecível. É difícil não pensar que as nações da Terra estariam em melhor situação se todos os cidadãos passassem por uma experiência semelhante.”
Autor do texto: Carl Sagan, um dos heróis intelectuais do Professor Nuno Crato (Um Mundo Infestado de Demónios, 1997, pp. 325-326).
No que respeita ao Prof. Carlos Fiolhais a situação é diferente porque a sua ignorância sobre questões educativas é imensamente superior. Como disse atrás, o Prof. Nuno Crato fez o seu “trabalho de casa” quando escreveu o seu livro sobre o “eduquês”. Fiolhais não se dá a esse trabalho. Em A Coisa mais Preciosa que Temos (2004, Gradiva), ele escreve o seguinte num capítulo intitulado Os Erros do “eduquês”: “O construtivismo, por sua vez, é uma doutrina psicológica e sociológica cuja fama já conheceu melhores dias. Defende que só as ideias construídas pelo próprio têm consistência suficiente para permanecer. Há um certo fundo de verdade nessa afirmação, mas é completamente delirante esperar que o menino Joãozinho, que está no 9º ano do ensino básico, corra um dia da banheira a gritar “eureka”, tal qual Arquimedes, ou que construa por ele a tabela periódica tal qual Mendeleev. A um nível universitário, podem bem esperar os construtivistas que um estudante reinvente sozinho a teoria da relatividade geral.” (p. 51)
Mas o que é que isto tem a ver com as aplicações educacionais do construtivismo? Alguém me conseguirá explicar isto? O mesmo Prof. Fiolhais entra numa flagrante contradição quando no mesmo livro (pp. 84-87) defende métodos de ensino da ciência que genuinamente se podem considerar construtivistas. Para falar em Arquimedes, sugere que se ponha à prova a concepção generalizada de que os corpos mais pesados se afundam e os mais leves flutuam. Como? Muito simplesmente colocando num recipiente com água batatas e maçãs com o mesmo peso e constatando que as maças flutuam e as batatas se afundam. Antes da experiência pede-se aos alunos uma antecipação do resultado, confrontando-se essa expectativa com os resultados observados. Não é necessário muito para perceber rapidamente que estas metodologias são muito mais exigentes para os professores e para os alunos. Mas acima de tudo o que não são de todo é deixar os alunos à sua sorte numa espécie de explorações sem sentido. ISTO NÃO É CONSTRUTIVISMO! Quem assim o afirma pura e simplesmente não sabe do que fala.
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