terça-feira, 4 de novembro de 2008
AS TURMAS PORTUGUESAS
Fui ver, tal como aqui foi sugerido, o filme francês "A Turma", que tinha ganho a Palma de Ouro do Festival de Cannes (no vídeo o regresso às aulas dos jovens actores depois do prémio). Uma das minhas curiosidades era a de conhecer as semelhanças entre a realidade escolar francesa e a portuguesa (já agora, há um aluno português na turma que anda com a camisola da selecção portuguesa). Há óbvias semelhanças, pois os adolescentes da mesma idade são muito semelhantes em qualquer parte do mundo. Mas há também algumas diferenças. Realço três:
1- Numa das cenas do filme, um professor discute com outro seu colega a escolha da matéria que vai dar. Isso em Portugal é muito difícil, praticamente impossível, dada a obrigatoriedade e rigidez dos programas ditados de cima, do Ministério da Educação. Os professores portugueses não têm a mesma liberdade dos franceses, pelo que não poderão obter os resultados franceses.
2- Na escola em questão, quem manda é o director da escola, um senhor sempre de gravata. Repare-se que no filme os professores não o tratam por tu, sendo claro o respeito por ele e pelas suas decisões, que ele, apesar da autoridade que desfruta, procura tomar em conjunto com os professores. Em Portugal reina ainda uma certa desresponsabilização, uma vez que a figura do director está tomada pelo chamado "conselho consultivo". Convenhamos que, embora o conselho possa ter um presidente, está-se perante uma diluição de responsabilidades. Um aluno indisciplinado não é levado ao gabinete do director mas sim à sala do conselho executivo.
3- Perante uma infracção grave, como o comportamento violento de um aluno dentro da sala de aula, o conselho disciplinar reuniu-se rapidamente e o veredicto tomado por voto secreto, depois de ouvido o aluno e a sua mãe, é o mesmo que das outras vezes em que reuniu por razões similares: expulsão da escola. Compare-se com a burocracia e a dificuldade que os procedimentos disciplinares do mesmo tipo nas escolas portuguesas em situações tão ou mais graves do que essa...
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7 comentários:
Não vejo o que é que o tratamento por "tu" ou por "senhor professor" ou "senhor director" possa ter a ver com respeito. Usar um tratamento que não seja tu não indica respeito. Basta ver os trabalhadores de empresas, que tratam os chefes por "senhor engenheiro", "senhor director" ou simplesmente "senhor X" e não lhe passam cartão, desrespeitando tudo e mais alguma coisa que ele diga. E a razão para isso é a de simples retribuição: se o chefe não respeita os trabalhadores (não lhes ouve as opiniões, não conversa com eles, não liga às vidas deles, etc) não vai conseguir ser respeitado.
Basta ver o que sucede na Holanda. Todos se tratam, após o conhecimento pessoal, por tu. De professores (universitários) aos funcionários. Existe a consciência das posições respectivas e do respeito que é preciso guardar. As faltas de respeito (que também existem, como é óbvio) não surgem do tratamento por tu, mas independentemente deste.
Não concordo. O tratamento por tu deriva de uma proximidade a vários níveis entre pessoas que o consentem e o aprovam.
Nas relações profissionais onde impera a hierarquia é implícito um tratamento que diferencia as diversas posições. No entanto "os pares" tratar-se-ão conforme decidirem.
Acho que a maneira como as pessoas se tratam ( tu ou você ) é independente do respeito que têm as pessoas, uma pela outra. Apesar de o "tu" criar uma atmosfera de maior confiança ( leia-se: maior liberdade ) as pessoas devem saber ser responsáveis. Grande poder, traz grande responsabilidade e, sem dúvida alguma, ter liberdade traz um enorme poder.
Rui Peres
~Isto não é um comentario de fundo, apenas as minhas reacções de jurista que viu o filme (de que não gostou e que achou preocupante na medida em que reflecte o que passa pela cabeça de um professor do ensino secundario), que trabalha e vive em França onde tem filhos escolarizados. Não pretendo que as minhas reacções são mais certas do que as suas, mas acho que deixam ver que existe um fosso enorme entre nos, fosso que so pode ter a ver com um equivoco (meu ? seu ? talvez de ambos) sobre a maneira como funciona a administração da educação.
1/ Eu não estranhei o facto de dois professores terem uma conversa sobre o programa que vão dar, mas antes o conteudo dessa conversa e o que ela implica em termos de desprezo do aluno e do proprio trabalho do professor : "não vou dar literatura a sério porque estes miudos não chegam la, nem nunca la chegarão, é escusado...".
2/ O "director" (mais precisamente o "principal") é apenas responsavel pelo funcionamento administrativo do colégio. Trata-se em regra de um professor que concorreu e conseguiu ingressar num corpo especializado de funcionarios cuja função é mesmo esta : administrar colégios. Tem piada a sua reacção, porque o "principal" não tem nenhum poder disciplinar sobre os professores, pelo menos a nivel funcional. Os professores respondem perante um inspector, que nunca aparece no filme. Isto deriva da famigerada "liberdade de ensino". As coisas não se passam da mesma forma em Portugal ?
3/ Se é dificil convocar um conselho disciplinar em Portugal, então percebo a sua reacção. No que me toca, fiquei obviamente fascinado com a cena do conselho disciplinar, mas por razões inversas às suas, que têm a ver com o facto de eu saber muito bem o que é um processo disciplinar (profissionalmente, intervenho frequentemente nesta matéria) : ora eu fiquei sobretudo abismado por ver que, na cena do filme, nenhum dos intervenientes tem a mais pequena ideia do que esta ali a fazer. Por exemplo, quando o processo disciplinar tem obviamente por função procurar soluções alternativas à rotura, ali é transparente desde o principio que a sanção proposta (e tomada) vai ser a expulsão e que isto não satisfaz ninguém. Mas ninguém mexe uma palha para evitar esta (ma) solução...
Bom, não sei até que ponto sera interessante confrontarmos as nossas reacções... Por mim, achei o filme fracote (mas não completamente desprovido de interesse). Quanto a saber se o que descreve é revelador do estado do ensino em França, não sei. Espero que não seja...
O problema está aí, juristas acham que entendem algo sobre educação... bota um destes numa sala de aula para ver o que acontece...
kynismos,
Sim, provavelmente, o problema esta precisamente ai e isto esta muito bem mostrado no filme. Existe um fosso entre o que os professores pensam que fazem (e que devem fazer) e aquilo que os outros cidadaos consideram que eles deviam fazer. Não digo que os professores sejam principalmente responsaveis por esse fosso. Mas alguma responsabilidade hao de ter...
Até porque, salvo erro, a escola so se justifica na medida em que prepara para a vida. Ja dizia o outro : "desconfio dos mestres que o não possam ser primarios".
Em França há uma educação pré-primária fortíssima que vela para que as crianças entrem na escola preparadas para ela
Em Portugal, só com o Guterres o pré-primário começou a andar. E eu sei que foi de propósito, porque não se queria dar as mesmas oportunidades a todas as pessoas, porque certas pessoas importantes achavam que se abrisse o pré-primário, depois chegavam todos a doutores e onde iriamos buscar os predreiros e canalizadores?
Há muito que se sabe que o pré-primário é crítico para garantir a igualdade de oportunidades. Por isso mesmo é que se atrazou em Portugal.
Ora, com gente desta, só à porrada, não é? (não me refiro aos rofessores em particular). Espero que a ministra da Educação continue o que está a fazer, porque quem nunca se escandalizou com o abandono escolar não tem nada para dizer agora (não me refiro ao autor do post mas a muitos que oiço agora falar e que ouvi tb no passado..)
já agora: ainda hoje estive a conversar com uma luso francesa de 14 anos que veio cá nestes dias que são de férias escolares em França, visitou uma escola portuguesa em companhia de uma amiga portuguesa (assistiu às aulas) e me disse que cá temos muito mais qualidade que lá. A descrição que ela me fez da sua escola, métodos e meios lembrou-me as escolas da minha infancia.. no estado novo. É claro que é só uma opiniao pouco relevante mas talvez sirva para não embarcarmos de cabeça na ideia saloia de que o que se faz lá fora tem de servir de exemplo acriticamente.
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