segunda-feira, 3 de março de 2014

UM CRISTAL DA ORIGEM DA TERRA

Crónica primeiramente publicada no Diário de Coimbra.

Com um cristal se escreve o amanhecer da Terra.

Foi descoberto um cristal com 4,4 mil milhões de anos, cuja composição e estrutura indicam que a crosta terrestre teria então água no estado líquido, mais cedo do que os cientistas julgavam. Esta nova descoberta vem ao encontro da hipótese de a vida poder ter surgido no nosso planeta antes do que os mais antigos registos fósseis indicam (3,4 mil milhões de anos). O cristal descoberto é um zircão e os resultados foram publicados no número actual da “Nature Geoscience”.

O cristal foi extraído de um afloramento rochoso na região montanhosa de Jack Hills, no Oeste da Austrália. O cristal examinado tem apenas 400 micrómetros de tamanho, cerca do dobro do diâmetro de um cabelo humano. Mas este minúsculo zircão abre mais uma janela sobre o início da história da Terra.

Geologicamente, o zircão é classificado no grupo dos nesossilicatos. Quimicamente, é um silicato de zircónio (Zr é o elemento químico com o número atómico 40, descoberto em 1789 por MartinKlaproth, e isolado impuro, em 1824, por Berzelius) que apresenta a fórmula química ZrSiO4. O seu nome deriva do termo “zargum”, que é palavra árabe para “vermelho” e também nome persa para “dourado”.

Dependendo das rochas onde é encontrado, o mineral zircão pode ser incolor ou ter matizes amarelo douradas, vermelhas, castanhas ou mesmo verdes! E este cristal, gema semi-preciosa, pode ser encontrado em quase todas as partes da crosta da Terra! A razão para esta ubiquidade advém da sua antiquíssima origem e formação. De facto, ele está presente nos três principais grupos de rochas: as ígneas, as metamórficas e as sedimentares.

Esta dispersão por todo o planeta torna-o um cristal modelo para estudar os estados iniciais da formação da Terra. Mas como é que a partir de um cristal é possível saber a idade das rochas onde ele é encontrado?

O zircão “aloja” duas “impurezas” cujas propriedades radioactivas permitem a datação de períodos de tempo muito longos. Essas impurezas são átomos de urânio e de tório (símbolos químicos U e Th, respectivamente), e a sua quantidade relativa fornece informação sobre há quanto tempo estão alojados no zircão, ou seja, quando é que ele foi formado.

Ao longo de milhares de milhões de anos, os átomos de urânio incluídos no zircão transformam-se por decaimento radioactivo em isótopos de chumbo (Pb), que são átomos mais estáveis. A partir da proporção de isótopos de Pb em relação aos de U, os cientistas conseguem calcular a data de formação dos minerais onde aqueles se encontram.

Mas no estudo agora publicado os cientistas usaram uma segunda técnica: fizeram uma tomografia ao mineral, na qual observaram não só a proporção mas também a distribuição espacial de átomos de U e de Pb. Esta técnica confirmou este cristal como sendo o mais antigo até agora descoberto na Terra. Segundos os cientistas, este zircão ter-se-á formado só 140 milhões de anos após a formação do nosso planeta! É pois um cristal com quase a idade da Terra.

António Piedade

1 comentário:

António Piedade disse...

Quando, em 2002, publiquei o meu livro Introdução ao Estudo do Magmatismo e das Rochas Magmáticas (Âncora Editora), já se conhecia um estudo dos zircões de Jack Hills, na Austrália, a que se alude no número actual da “Nature Geoscience” (23.02.2014).
Na pág. 91 deste meu livro pode ler-se.

“Os mais antigos testemunhos da crosta terrestre identificam-na como continental e correspondem a rochas com 3,9 a 4 Ga. Nestas foram encontrados encraves de basaltos e de rochas ultramáficas (mais antigas, portanto) que poderão corresponder a vestígios de uma crosta oceânica mais antiga. Os gnaisses de Acasta , a noroeste do Canadá, com 4 Ga, são uma associação de tonalitos bastante deformados (gnaissificados) contendo leitos centimétricos de anfibolitos, ultramafitos, granitos e, nalguns locais, metassedimentos (quartzitos, xistos e calcoxistos). Mais antigos são os zircões detríticos, com 4,404 ± 0,008 Ga, incluídos nos quartzitos de Monte Narryer e Jack Hills, no oeste da Austrália, datados de há 3 Ga, o que indica a existência de rochas felsíticas da idade desses zircões que, só mais tarde, após erosão, acabaram por integrar os sedi­mentos arenosos que estão na base dos quartzitos (metamórficos) onde se encontram. O estudo geoquímico destes zircões (elementos das terras raras e razões isotópicas do oxigénio) indica que foram gerados num magma granítico evoluído que sofreu interacção a baixa temperatura com água no estado líquido. Assim, estes zircões levantam a hipótese da existência de uma crosta continental há 4,4 Ga e de uma hidrosfera talvez embrionária. Um outro exemplo de crosta continental antiga mas, certamente não a primitiva, localiza-se em Amitsoq, no sudoeste da Gronelândia, em gnaisses datados de há 3,9 a 3,8 Ga.”

Por esta altura (em 2002) ainda não de conhecia a rocha de de Nuvvuagittuq, na Baía de Hudson, com 4.280 milhões de anos, cuja notícia divulguei em 6 de Outubro de 2008, no “SopasdePedra”, na parte final do post editado nesse dia;
.
“Recentemente, os geólogos Richard Carson, da Carnegie Institution, de Washington, e Jonathan O’Neil, da Universidade Mc Gill, de Monte Real (Canadá), dataram, por via isotópica (neodímio – samário), uma amostra das chamadas “rochas verdes” (greenstones belt) aflorantes à superfície do terreno na região de Nuvvuagittuq, no litoral oriental da Baía de Hudson, a Norte do Quebeque, referenciada, há meia dúzia de anos, como uma área passível de oferecer à ciência rochas dos primórdios da evolução do nosso planeta. O resultado desta pesquisa foi a surpreendente atribuição, a estas rochas, da idade de 4280 milhões de anos. Estas são, pois, cerca de 280 milhões de anos mais velhas do que o dito gnaisse de Acasta, mas, ao que se julga, 80 milhões de anos mais jovens do que a presumível crosta testemunhada pelos zircões do Oeste australiano. A rocha de Nuvvuagittuq aponta para uma origem vulcânica e mostra ter sido posteriormente afectada por transformações induzidas pela colisão de duas placas tectónicas, adquirindo a configuração de um anfibolito.
.
A procura do conhecimento não pára. A cada descoberta da ciência, ela própria se questiona e se reformula. Hoje sabemos mais do que ontem, e é assim todos os dias. Mas estamos muito, muito longe de saber tudo. Isto se a humanidade não se autodestruir pelo caminho.

Galopim de Carvalho

NO AUGE DA CRISE

Por A. Galopim de Carvalho Julgo ser evidente que Portugal atravessa uma deplorável crise, não do foro económico, financeiro ou social, mas...