sexta-feira, 21 de março de 2014

Meditação debaixo da tília do Jardim

Enquanto os informáticos aperfeiçoam os programas de fazer poesia, continuemos a fruir aquela que saíu, simplesmente, da mão humana para o papel. No dia que se convencionou ser o internacional da Poesia, um poema de José Gomes Ferreira

(Meditação debaixo da tília do Jardim.) 

Recordar torna o mundo mais exacto
com réguas de fumo,
ângulos perfeitos de olhos nos astros
- e a inocência daquele céu pardo
das manhãs inconcretas
que todos se lembram de ser azul
e não verde para lhe chamarmos oceano
ou folha de árvore.

A realidade é mais confusão
máquina-doida-de-repetir sombras inconcluídas,
bocas dependuradas nos ramos e nas corolas,
destinos de morder o vento,
narinas nas flores,
conluio de pássaros com o sol,
as plantas enganaram-se e deram incêndios em vez de rosas,
construção da Cidade da Morte com pele e cal,
ervas pisadas por espectros
- e este cheiro tão bom a sonho
que torna o mundo mais efémero e real.

As aves nos fios telefónicos alimentam-se de palavras.

In Poeta militante II (Encruzilhada, 1949-1950), Moraes, 1983, p.118.

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