sexta-feira, 21 de março de 2014

"Um poema em menos de um minuto"


Rara era a conversa ou escrito em que o nosso amável filósofo Agostinho da Silva não insistisse numa ideia algo profética, que marca, aliás, a sua obra: a Pessoa - porque (quem sabe?) criada à imagem de Deus e, nessa medida, com uma centelha divina na alma - não pode existir para trabalhar, mas para contemplar. O futuro da Humanidade, esse futuro onde se situa o Céu na Terra, não seria, não poderia ser, pois, o trabalho, mas a criação.
“A reconquista do Éden comportaria para o homem a libertação do trabalho, lava-lo-ia dessa mancha de animal doméstico sob o jugo, havia de o restituir ao que é o seu essencial carácter: o ser pensante” (in Ir à Índia sem abandonar Portugal, 1994, Assírio & Alvim, p. 6).
Eis uma mensagem que nos envolve e eleva! Mesmo desconfiando deste auspício, pelo menos enquanto por cá andarmos, agrada-nos, certamente, imaginarmos máquinas, que inventamos, a executar as tarefas de subsistência - fundamentais é certo, mas que não estão à altura de "seres pensantes" - enquanto nos passeamos como "deuses por uma morna brisa da tarde", divagando, divagando... e, em resultado desse exercício, encontramos em nós, "medida de todas as coisas", belas ideias.

Belas ideias que podem ser eternizadas em artigos científicos ou em poema, por exemplo...

Deite-se a filosofia de Agostinho da Silva fora, porque, está visto, não serve!

O filósofo enganou-se, acontece. O que se delineia é, precisamente, o contrário: o nosso futuro há-de continuar a ser o trabalho; a criação, essa, vai ser privilégio da máquina.

Surgiu-me esta conjectura quando soube que artigos "científicos", produzidos por programas informáticos são, há que tempos, aceitem por revistas exigentíssimas, que previnem toda a fraude e erro com robustos requisitos de filtragem (aqui). Um espanto!

Não menos espantada fiquei quando, há pouco, li uma notícia que o Carlos Fiolhais me enviou: um programa informático produz poemas e rapidamente: "um poema em menos de um minuto". Sim senhor!

É o PoeTryMe, o "primeiro poeta artificial", que foi desenvolvido por um investigador da minha universidade, a Universidade de Coimbra. Comecei a ler o que se diz sobre a técnica, mas saltei linhas porque ainda tenho algum "preconceito" em relação a ela nesta matéria que julgo tão... (como direi?) humana. Mas, prometo voltar aos pormenores. Até porque tenho de me convencer que quem cria a técnica e a usa é... humano, logo, se calhar, vai dar ao mesmo.

Enfim, saltadas algumas linhas, li também que existe uma tal "Geração Automática de Poesia", que já tem catorze anos (não, essa não nasceu em Portugal) que é, nas palavras desse jovem informático, "uma nova forma de pensar a poesia e pode contribuir para estimular os poetas humanos, desafiando ainda mais a sua criatividade. Pode funcionar, quem sabe, como uma fonte de inspiração". 

Pois é... quem sabe? A primeira leitura do soneto escrito pelo revolucionário poeta não me deixou, digamos, muito convencida... mas, afinal, um poema não faz uma obra, espero por outros para formar melhor opinião.

que a uma natural ou nativa
onde a estação da primavera
que coisa segue inspiração fer
artificial negra sem artífice

não há sinfonia sem harmonia
onde a composição da poesia
um dia natural outro postiço
um natural porto o nascidiço

com natural e puro coração
não fica chama nem inspiração
na sua harmonia apolínea


por mais poética que poesia
por mais simetria que harmonia
a linda máquina computador


Nota: Pode o leitor dar conta da notícia aqui.

2 comentários:

Anónimo disse...

A criação e a poesia não é simplesmente uma combinação de sons - onde fica o sentido e o propósito por detrás das palavras? A poesia serve para nos abrir a percepção ao subtil e o 'PoeTryMe' desconhece o que tal seja.

Sara Cravo disse...

E, desta feita, acho que fiquei sem entender de que assunto trata tão "maravilhoso" poema, que a mim me parece mais um conjunto de palavras desligadas umas das outras...

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