Na década de cinquenta, o poeta João Rui de Sousa foi membro
da revista literária Cassiopeia, onde emergiam nomes como José Terra, António
Ramos Rosa e José Bento.
Da sua vasta obra poética, destaco o livro “A Obstinação do
Corpo”, que, no que respeita à poesia lírica portuguesa, comparo-o a “ A Secreta
Viagem” de David Mourão-Ferreira.
A sua poesia começa pelo tédio e segue com a revolta social, a paixão e o sentimento do fim. Para além de leitor de poesia, também o é de ensaio científico.
Diário de um cosmonauta
No primeiro voo espacial
(Yuri Gagarine 1961
As naves em ogiva tem ecos,
ressonâncias dos homens e dos ventos.
Aves de bruma apenas ou miragens
Alimentadas de ar e de silêncio.
As grades não existem nem os cães
nem os ossos da fome nem os gestos
da pura maldade ou da alvar
razão dos que podem, dos que têm.
Barcos e palavras pesam cinza,
olhos da noite, só, entre o encanto.
Resíduos somos, velhos, mas do medo
não há aqui sinal senão memória.
Aqui se encontra, enfim, um espaço livre:
Sem guerra nem deuses e sem pranto.
Ó sentimentos d’água e de estandarte
desfraldado ao vento em campo liso!
Agora os homens cantam, mas não falam
- não há mais razões nem corredores.
Desenham com o som de cada verso
um pórtico de lume pela noite.
As nebulosas...............
Na leitura de O Colapso do Universo
De Isaac Asimov
Sigo estas nebulosas no seu círculo
de sonho. E tremo. E digo-lhes
quantas rosas têm os seus
fulgurantes madeiros quantos sonhos
são só o arrastar de mais verde
quantos subidos ecos ou divinizados
cilindros se animavam na altitude
no inacabado passo do que está
para além das muitas noites e juízos:
do céu e do inferno, do fogo
e da razão, do dogma e da mentira,
dos passos que se não sabem
senão sentindo o corpo
atravessado por agulhas invisíveis,
por fragmentos de luz e escuridão,
por fossas negras onde se diluem
(em nuvens de pó e anilina)
as esquadrias ásperas do tempo.
São fundas manchas, majestosas,
que para todo o sempre sobrevoam.
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