Artigo meu que acaba de sair no jornal "As Artes entre as Letras" baseado no meu livro mais recente "História da Ciência em Portugal":
No final do século XVIII, após a morte de D. José I e o derrube do Marquês, surgiu a Academia das Ciências de Lisboa, que reuniu alguns sábios activos na Reforma Pombalina com outros que tinham sido afastados do reino. Esta Academia dá hoje o nome à sua rua, no coração de Lisboa. O edifício, antes de passar em 1833 a Academia, foi sede do Convento de Jesus. O que mais impressiona o visitante, nesta casa que guarda o espírito do lugar, é o salão nobre, pejado de livros desde a base até ao cimo e com belos tectos pintados. De resto, a Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa é uma das mais notáveis bibliotecas nacionais, devido ao seu valioso espólio antigo. Ali se guardam, em particular, as numerosas publicações periódicas e monografias que a Academia publicou. Este organismo inclui o Museu Maynense, com instrumentos científicos. Fundado na véspera de Natal de 1779, pela Rainha D. Maria I, a sessão pública inaugural foi realizada a 4 de Julho de 1780.
Na altura da sua fundação estavam a difundir-se pela Europa as Academias de Ciências. A de Lisboa não foi uma das primeiras, pois antes dela já tinham sido fundadas a Academia de Lincei, em Roma, em 1603, a Academia de Cimento, em Florença, em 1657, a Real Sociedade (Royal Society) de Londres, em 1660, a Academia das Ciências de Paris, em 1666, a Academia das Ciências de Berlim, em 1700, e a Real Academia de Ciências de Bruxelas, em 1772. O Reitor-Reformador da Universidade de Coimbra, D. Francisco de Lemos, tinha expressado nos documentos da Reforma a sua admiração pelo labor em prol da ciência das academias estrangeiras. O Reitor desejava fazer perdurar as luzes do século XVIII através da profunda reforma dos estudos científicos na Universidade de Coimbra. Mas não só à Universidade estaria guardado o dever de tão ambiciosa tarefa: deveria também existir uma Academia das Ciências. Escreveu: “A quem deve Inglaterra e França a sua opulência, e o florescente estado das Artes da Paz, e da Guerra, se não à Sociedade Real de Londres, e a Academia Real das Sciencias?”
Tal como Londres e Paris, também Lisboa deveria ver a sua Academia das Ciências contribuir para o progresso científico nacional. Entre os primeiros sócios da secção de Ciências da Academia encontravam-se o físico Dalla Bella e o naturalista Vandelli. Encontrava-se também Monteiro da Rocha, reformador dos estudos de Matemática em Coimbra. Na primeira sessão da Academia, quem fez a oração de sapiência foi, porém, Teodoro de Almeida, o oratoriano que tinha sido pioneiro da Física Experimental em Portugal. O primeiro presidente foi o duque de Lafões, D. João Carlos de Bragança, que tinha estado longo tempo exilado na Europa, devido à sua oposição à política pombalina. Foi ajudado na elaboração dos estatutos pelo secretário José Correia da Serra, mais conhecido pelo Abade Correia da Serra.
Nascido em Serpa mesmo a meio do século XVIII (tinha, portanto, 29 anos à data da fundação da Academia), Correia da Serra partiu para Itália devido possivelmente a perseguição à sua família movida pela Inquisição, já que a mãe tinha ascendência judia. Estudou nesse país, onde tomou ordens religiosas. Aí conheceu o português Verney. Mas o Abade não ficou por Itália: foi um homem das sete partidas do mundo. Em 1777 regressou a Portugal. Depois de ajudar a fundar a Academia viu-se, em 1795, obrigado a partir para Londres por ter dado guarida a um naturalista francês. De Londres, perseguido pelo embaixador português, Serra fugiu para Paris, onde teve um filho de uma senhora francesa, a quem chamaria “sobrinho” durante muito tempo. Não querendo obedecer a Napoleão, foi a seguir para os Estados Unidos, então jovem nação, onde atingiu o apogeu da sua carreira. Com efeito, a sua presença nas proximidades de alguns dos pais fundadores do novo país americano trouxe-lhe a maior fama. O Abade Serra foi, em particular, amigo de Thomas Jefferson, um dos autores da Declaração da Independência dos Estados Unidos e o terceiro presidente americano, após Washington e Adams. Jefferson disse que Serra era “o homem mais ilustrado que conheceu”, o que não era dizer pouco. Com Jefferson, o Abade alimentou a utopia de uma nova civilização nas Américas, que ambos queriam mais avançada do que a europeia. A América do Norte ficaria para os Estados Unidos e a América do Sul para Portugal. É curioso como um padre católico se entendia bem com um unitariano, mas unia-os a filiação na Maçonaria. Jefferson mantinha reservado na sua casa de Monticello, na Virgínia, um quarto para o abade seu amigo, que lhe dava o prazer de visitas regulares, e ainda hoje os turistas podem ver na casa de Monticello o Abbé Corrêa’s room. Em 1812, o abade português chegou a Filadélfia, quando era Presidente James Madison, o sucessor de Jefferson e também ele um Presidente-filósofo. O naturalista português tomou posse, em 1816, do lugar de “ministro plenipotenciário do reino de Portugal, Brasil e Algarves junto do governo americano” . Foi uma missão difícil, em primeiro lugar porque a corte portuguesa no Rio de Janeiro teve de enfrentar uma revolta no Pernambuco que tinha o apoio de alguns americanos e, em segundo lugar, porque o Presidente seguinte já não apreciava a conversa de salão em que o Abade era exímio. Em 1820 por altura da Revolução Liberal e dois anos antes da independência do Brasil o embaixador português regressava à sua terra natal.
Na figura: Salão Nobre e Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa, fundada em 1779 por D. Maria I.
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