terça-feira, 11 de março de 2014

As gralhas nos manifestos

Exmos. Srs. Professores de Economia, ex-ministros das finanças e  ilustres personalidades que assinam o manifesto para a reestruturação da dívida pública,

Fico sempre surpreendido com a forma como aparece ao público o problema da dívida pública. Mais ainda quando vem de pessoas cujo conhecimento e prestígio estão muito acima das asneiras que por aí se veem publicadas, certamente à vossa revelia. O uso abusivo das vossas assinaturas - economistas, antigos ministros das finanças, professores universitários e outras personalidades notáveis que, de alguma forma se destacam pela opinião publicada - deveria atirar para a cadeia quem tão grandes gralhas  imprimiu e tanta asneira divulgou. Sabendo eu que de Vossas Exas não poderia vir tanta dificuldade no que a números diz respeito, cá vai alguma matemática/física básica para que nós, besuntas e plebeus, consigamos ler o manifesto e separar entre aquilo que Vossas Exas. queriam dizer e as asneiras que vieram publicadas em Vosso nome. Afinal, queremos por aqui elevar o conhecimento das pessoas sobre a natureza das coisas, por isso: 

1. Dívida pública é dívida do estado, não é divida do país. Por muito que a ideia que o estado e o país são a mesma coisa agrade à plebe, o país é uma coisa, o estado é outra. O país somos nós, o estado são vocês. A dívida do estado será paga por nós, tal como os vossos ordenados e outros privilégios acumulados, mas não é líquido que o façamos eternamente. Embora, permitam-me Vossas Exas. que acrescente, é sempre um prazer faze-lo;

2. Exprimir-se o stock de dívida pública como percentagem do PIB, é uma estupidez que, certamente, ninguém entre Vossas Exas faria. O PIB é o produto do país, a dívida pública é a dívida do estado (ver ponto 1.). Mesmo que as duas coisas fossem relativas à mesma entidade, quantos de nós   têm dívidas superiores àquilo que ganha um ano? Vejam os créditos à habitação, a maior parte das casas custa acima dos 100 mil euros e a maior parte de nós ganha abaixo de 50 mil euros. A esmagadora maioria de nós tem dívidas que superam os 300% do produto e não vem mal daí ao mundo. Permitam-me Vossas Exas. que sublinhe em Vosso nome que seja ponto assente: a dívida pública não se compara com o PIB, quanto muito a dívida total do país pode comparar-se;

3. Comparáveis são o produto e o juro. O PIB é a primeira derivada do activo, i.e., a variação na riqueza que a nossa riqueza produz. Começamos com x, acabamos com x+y passado um ano, o PIB é y. O juro é a primeira derivada do passivo. Começamos a dever x', no fim do ano devemos x'+y' porque o juro se juntou. Portanto, o país é viável se y' for menor que y. O que é que a dívida pública tem a ver com isto? y tem que dar para pagar a nossa dívida mais a dívida do estado;

4. Ouvir professores de Economia e ex-ministros a comparar crescimento do PIB e da taxa de juro nunca poderia acontecer por ser tão confrangedor e insultuoso para o povo português. E certamente não aconteceu! O crescimento do PIB é a segunda derivada do activo, o juro a primeira do passivo. Falar em sustentação da dívida comparando as duas coisas, mesmo que se estivesse a falar da mesma entidade, é coisa de um imbecil como eu e não dos mui ilustres subscritores do manifesto. Peço a quem imprimiu o manifesto que se lembre dos alunos de tão ilustres personalidades que um dia quererão arranjar emprego e negue de forma clara que coube a Suas Exas. tal comparação;

5. Quando se fala de aumentar a maturidade da dívida, mesmo que estivéssemos a falar de dívida vulgar, significa aumentar o valor dos juros a pagar porque o custo de oportunidade do capital cresce. Reestruturação significa subir os juros. Claro que a ideia não era essa, isso significava que Vossas Exas. não sabem do que falam. Como poderiam tão ilustres personalidades da Economia em geral e das Finanças em particular andar a subscrever estas coisas? Tanta gralha tem esse texto que a pessoa que o editou devia vir a terreiro desculpar-se por isso;

6. Os juros da dívida do estado são pagos com o mesmo dinheiro que serve para pagar os ordenados e outros "fringes" que Vossas Exas. são beneficiários. Bem sei que os motivos dos manifestos derivam, provavelmente, daí. Vossas Exas, imbuídas do espírito patriótico que sempre os caracterizou estão prontos a ajudar o país e exigir que se veja esse dinheiro como um bolo de forma que, a bem do país que paga, se reduza o serviço da dívida sem aumentar o encargo para o país. Certo? Tenho medo de me estar a adiantar às Vossas intenções que, devido a tanta gralha, ficaram encobertas, mas como essa seria uma forma de reduzir a dívida, sem aumentar os juros e sem afectar o PIB ou as sua derivada, estou certo que é essa a Vossa nobre intenção. Que se pague a dívida sem subir impostos nem afectar os mais fracos!  

Espero que estes esclarecimentos e sugestões ajudem Vossas Exas nesse movimento patriótico que vos move. Sabem, Vossas Exas, que este Vosso criado por estar mais perto do ignaro e ingrato povo já sabe das reacções injustas e os impropérios que por aí vêm, justificados apenas por essas gralhas incómodas e completamente divergentes daquilo que é o Vosso entendimento das coisas.  Estou convosco nesse propósito e contem comigo para o que for preciso.

Com os meus sinceros e respeitosos cumprimentos,

João Pires da Cruz
Cidadão Respeitoso e Contribuinte Líquido

16 comentários:

Anónimo disse...

Caro amigo

1) não percebo nada de economia;
2) garanto-lhe que sei o que é uma derivada. Pode acreditar;

Posso dizer-lhe que a sua aula é muito fraca (mesmo sem perceber nada de economia consigo ver isso). Moral da história: pode estar coberto de razão, mas como deu uma má aula, agora uma pessoa fica sem saber o que pensar do seu texto...

Unknown disse...

Boa tarde,

Fiquei confuso no ponto 3 quando descreve o PIB como a derivada, não será o crescimento económico? Até porque o PIB é o somatório de todos os bens e serviços finais produzidos.

Pelo mesmo raciocínio que referi anteriormente (atenção que não sei se é o correcto) no ponto 4 o crescimento seria a primeira derivada.

João Pires da Cruz disse...

Meu caro, o bom de não se ser professor é não ter que se dar aulas...

João Pires da Cruz disse...

Tenho um activo, um conjunto de recursos, São as pessoas e demais capital(no sentido económico do termo). Esses recursos geram um produto. Produto esse que se soma aos recursos para a produçao no instante seguinte. Se chamar A ao activo dA/dt=PIB.
Aquilo que os economistas chamam de crescimento, é a variação do PIB. dPIB/dt=d2A/dt2, segunda derivada.
O juro r é o produto dos recursos alheios, A', que lhe foram alocados, que são activo de outros, i.e. dA' /dt=r. Portanto, r e PIB são comparáveis, mas não crescimento e taxa de juro.

abr.

Unknown disse...

Obrigado pelo esclarecimento.

Tiago Santos disse...

"Exprimir-se o stock de dívida pública como percentagem do PIB, é uma estupidez que, certamente, ninguém entre Vossas Exas faria".

Esta frase chega para perceber que o senhor não percebe nada de Economia. Não quer dizer que não possa dar opiniões, mas devia abster-se dessa arrogância toda.

Tiago Santos disse...

"Economists are interested then in the is How much debt is too much? Can the government bear the interest costs of the debt? It is much the same kind of question that a bank asks about an individual when making a loan to an individual. But there are important differences.

In doing this we are trying to compare the amount of debt to some measure of the government’s ability to make the payments. The debt-to-GDP measure is simply a percentage number using total debt outstanding as the numerator and the size of GDP as the denominator. We use GDP as a measure of the government’s ability to pay since a government’s income is taxes. The taxes that can be collected depend on the total of all economic activity. After all, you can’t collect taxes of $1 trillion from an economy of only $500 billion, but it’s easily plausible to collect $1 trillion in taxes from an economy of $15 trillion. The higher GDP is, the more it is assumed the government has an ability to collect taxes and pay the interest. Thus when the ratio is higher, it indicates that a lot of debt is outstanding and that implies (but only implies, not requires) a lot in interest payments. So, it is assumed by many that a higher debt-to-GDP ratio means interest payments are likely a greater burden and thus the chance of eventual default higher."

http://econproph.com/2011/08/04/is-debt-to-gdp-a-good-measure/

João Pires da Cruz disse...

Tem toda a razão. Eu não percebo nada de Economia. Os meus estudos concentram-se unicamente sobre economia. No conjunto de mecanismos da sociedade humana em que a matemática faz sentido.
Já agora, 130% do PIB é muito, é pouco ou é mais ou menos?

Unknown disse...

Nesta sua resposta não respondeu ao Tiago Santos.

Já agora, o estado é a organização máxima da nossa sociedade, portanto somos nós e não "eles". Se não gosta da ideia de "estados" pode muito bem tentar a Somália. Dizem que a ausência de estado deles é espectacular.

Já agora, achei delicioso o grande pormenor do seu pequeno resumo pessoal do: "sou gestor de uma empresa com 100 empregados....Se não fosse eu a empregar-me, quem me empregaria?" Espectacular a contradição em tão pouco espaço.

Anónimo disse...

Ipsis Verbis!

Pedro disse...

O Pires da Cruz tem este hábito: responde muito, mas raramente responde. Sempre que é apanhado numa das suas múltiplas falhas de rigor; opta por desconversar e tentar uma graça. Pelo menos deve dar bom ambiente nas pausas para café.

João Pires da Cruz disse...

O estado não é a organização máxima da nossa sociedade. O estado é apenas a área de serviços comuns de algo muito superior que é o país e o seu povo. Isto traz assim tantas dúvidas?

E respondi ao Tiago, sim. Ele é que não me respondeu a mim...

Pedro Lind disse...

Caros "Pedro" e "Unkonwn": não entendi o que ficou por responder ao Tiago Santos. Qual foi a pergunta que ele fez?? O debate deste assunto (interessante) parece valer a pena, mas convinha ser mais acertivo e já agora sem medos de identificacões ou pelo menos sem fazer as mesmas dúbias, como se solicita nas directrizes para o uso deste forum. Honestamente o Joao P. da Cruz interveio no mesmo tom que o reply do Tiago Santos e nao li qualquer pergunta deste ultimo.

Tiago Santos disse...

Calma pessoal. O Tiago Santos explica:

Há uma lógica nas contas públicas que faz com que não se utilize uma contabilidade igual à das empresas. E isso tem a ver com a forma se estruturam as despesas e as receitas dos Estados e pela forma como se relacionam uma com a outra. É impossível contabilizar verdadeiramente um activo do Estado porque o Estado tem um poder arbitrário sobre as fontes de receita e de despesa, embora esse poder não seja ilimitado. Agora, o que acontece é que, ainda que uma medida como a Dívida Pública/PIB não tenha uma interpretação ideal, quando cruzada com outros indicadores, é uma aproximação bastante razoável a um problema concreto: qual a capacidade de um determinado Estado de pagar aquilo que deve?

Agora, não é um fim em si mesmo e não se consegue dizer simplesmente que uma determinada medida de DP/PIB é elevada. Consegue-se simplesmente compará-la com outros países, e conseguem-se tirar algumas conclusões a partir de estatísticas sobre a capacidade de pagamento dos países em função desta medida. Apesar disso, não é neutra a composição da dívida, quais os detentores, se são institucionais ou não, se são externos ou internos.

Agora, nada destes problemas me parecem mais dificeis do que o de tentar conceptualizar um "activo" do Estado que realmente seja contabilizável.

Tiago Santos disse...

"O estado é apenas a área de serviços comuns de algo muito superior que é o país e o seu povo."

É isto que eu não compreendo e não aceito no De Rerum Natura. Pede-se todos os dias o respeito pelo rigor científico e metodológico mas depois mandam-se frases destas para o ar onde se queima de uma assentada 200 anos de discussão acerca do Estado, do papel do Estado, da soberania das sociedades. Não quero dizer que essa opinião não possa ser enquadrada numa teoria política qualquer. Mas é óbvio que essa visão traz dúvidas. Muitas dúvidas.

João Pires da Cruz disse...

Tiago, o comprar-se com outros países não adiciona nada ao problema. Aliás, foi um triste espetáculo que na altura do resgate se andasse a reclamar pela injustiça dos mercados porque a DP/PIB alemão ou ingles eram maiores que o portugues. Simplesmente, embora sendo um exercício comum entre economistas, não faz sentido.
Que discussão pode haver sobre o facto do país estar acima do estado? Não é o principio da soberania popular o mais importante de todas as sociedades democráticas? Teoria? Precisa de enquadrar as evidências em metadata para que isso represente rigor? A república portuguesa é hoje, como todos os estados do mundo, uma realidade questionável. Portugal tem hoje tres níveis de poder, o municipal, a república e a União que nos próximos anos serão resolvidos, sendo óbvio que a república é o de menor valor. Agora, mesmo depois da república ser encerrada, Portugal não vai deixar de existir tal como já existia antes da república.
Quanto ao controlo sobre a despesa e a receita, essa era para rir, certo? :)

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...