“Prepara-se nova ofensiva dos politécnicos. Por motivos exclusivamente eleitoralistas, alguns socialistas e sociais-democratas, rápidos na demagogia, vão tentar transformar em universidades os politécnicos de Bragança e de Viseu, a que se seguirão os outros. Se ceder, o Governo dirá claramente que está disposto a tudo, pela facilidade” (António Barreto, 1996).
Começo por
transcrever o meu comentário insito no
post, também da minha autoria, publicado neste blogue, intitulado “As causas da
minha causa” (16/08/2015):“Agradecendo os
comentários, generosamente e com elevação, feitos a este meu post, brevemente,
publicarei um outro que se poderá chamar ‘O ponto da situação?’” Nele tentarei
clarificar algumas questões que me foram postas, e, principalmente, tornar mais
claras "as causas da minha causa”".
Na elaboração
deste meu novo post, quis obedecer ao
conselho de Einstein: “Se vais sair à
frente para descrever a verdade, deixa a elegância para o alfaiate”. Assim,
tentando preocupar-me menos com a forma e mais com o conteúdo, faço o ponto da situação um tanto ao correr do
teclado do computador, tendo como
substância o princípio sustentado por Cesare Cantú: “A democracia fundada na igualdade absoluta é a mais absoluta
tirania”.
É, pois, em
discordância total com uma igualdade “desigual”, espalhada urbi
et orbi por Rui Antunes, ao tempo vice-presidente do Instituto
Politécnico de Coimbra, de que “a
universidade faz o mesmo que o politécnico” (“Diário de Coimbra”, 10/01/2005),
propondo, com esta premissa, uma
universidade nova para Coimbra, a partir
do Instituto Superior Politécnico das margens do Mondego, que encontro uma das principais razões deste
meu post.
Situação, aliás, sustentada, outrossim, pelos
Institutos Superiores Politécnicos de Coimbra,
Porto e Lisboa (os dois primeiros sob a presidência de docentes das respectivas
escolas superiores de educação) ao porem
em causa o sistema dual de ensino superior procurando, desta forma, a sombra frondosa de um prestígio universitário
cimentado ao longo de séculos de história, pese embora, por vezes, também ele ser
posto em causa pela sua sua dificuldade em adaptar-se, rapidamente, a um mundo em constante mudança de paradigmas de natureza científica.
Recuando no
tempo, já uma reportagem do “Diário de
Coimbra” (19/07/2006), intitulada “Protocolo pretendeu ser um ‘exemplo de Coimbra
para todo o sistema", nos dava conta de medidas preconizadas pelo Conselho de
Gestão do Instituto Politécnico de Coimbra numa abrangência em propor, inclusivamente, medidas que diziam respeito não só ao politécnico mas à própria universidade. De entre essas
medidas, encontrava-se a proposta,
aprovada em 28 de Junho desse mesmo ano, que defendia a mobilidade dos estudantes do 1.º ciclo de
estudos de licenciaturas nacionais para que o aluno que tivesse ingressado num
determinado curso de ensino universitário ou politécnico, antes de concluído o
respectivo plano de estudos, pudesse transitar para um curso análogo. Ou seja, era proposta uma espécie de licenciatura
mitológica do tipo Centauro: metade homem metade cavalo!
Esta, portanto, uma espécie de porta de cavalo para um
facilitismo que já com nada se contenta em
prol de uma ambição desmedida. Por exemplo, uma vez diplomados, os estudantes
oriundos da universidade (única instituição responsável até então pela
formação dos docentes para o ciclo preparatório, actual 2.º ciclo do básico)
concorrem com os dos politécnicos
para a docência do 2.º ciclo, através de
um sistema concursal que tem em conta a
classificação final dos respectivos cursos.
Assim, um
diplomado pelo politécnico com um valor acima do cursado pelo ensino universitário é preferido, sem ser tomado em linha de conta que aquele
diplomado se preparou, exclusiva e especificamente, para a disciplina do ensino básico a leccionar, por exemplo, português ou francês, enquanto o diplomado pelo politécnico estudou 3 anos
para ser professor do antigo ensino
primário e um ano apenas para ser professor
de duas disciplinas, português e francês.
Tenha-se em
atenção outros casos, igualmente, injustos ou, no mínimo, insólitos. Ao
contrário de hoje, em que se compram graus académicos em saldo, anteriormente à década de 70, um professor com
o curso do magistério primário (em que se entrava com o 5.º ano dos liceus) que,
em valorização digna de elogios e não em
simples oportunismo, pretendesse
licenciar-se teria que fazer os 6.º e 7.º anos liceais e 4/5 anos de
ensino superior. Ou seja, 6/7 anos de
estudo sério, com as inerentes despesas e roubo de horas de descanso depois de
um árduo dia de trabalho docente. Haverá, porventura, alguém, “no uso da licença e da liberdade de quem
não pede favor senão justiça” (Padre António Vieira), que possa defender esta
situação sem o choradinho nacional do coitadinho que não foi mais além nos
estudos por falta de condições económicas, mas nunca por cabulice. Em resumo, um
entendeu valorizar-se com “sangue, suor e lágrimas”. Outro deixou-se ficar onde
estava até que o bambúrrio da sorte lhe permitisse uma licenciatura do tipo
“Novas Oportunidades”! Acresce que, para efeitos de aposentação, em vésperas chegadas de a atingirem, esses docentes bacharéis, embora descontando até essa altura menos que os licenciados, passaram, de supetão, ao 10.º escalão com a reforma a ele inerente. E isto à custa de quem paga elevados impostos para satisfazer mordomias do género!
Partejado com o auxílio de fórceps, em
clima de babélica pressão sindical, nasceu o "Estatuto de
Carreira Docente" metendo no mesmo saco os ensinos infantil, básico e
secundário com uma pequena diferenciação entre professores licenciados e
bacharéis, em início e no topo da carreira. Mas mesmo logo ela foi mitigada com
a igualdade estabelecida entre um professor diplomado pelas ex-escolas médias
do magistério primário, que se tenha licenciado em escolas superiores privadas de duvidosa qualidade, e um professor saído de bancos universitários. Porém, nem tudo isto foi suficiente para diminuir a passada de quem aspirava a outros caminhos ou
procurava asas em busca de novos horizontes que permitissem às escolas
superiores de educação alcançar novos "direitos".
Chegado aqui, é natural que o leitor que
sacrificou a sua vida para ter um lugar
ao sol com a verticalidade de não se
curvar à vontade dos vizires ou, à boa maneira de Camilo, “não respeitar os tolos”, se interrogue: Como foi isto possível?
Foi possível
pela acção concertada de sindicatos docentes em benefício das suas clientelas e
de alguns dos seus dirigentes que se opuseram à criação de uma Ordem dos Professores
que pusesse fim a toda esta desordem. Aqui evoco o testemunho do engenheiro
Ildefonso Dias que seguiu pari passu este processo de que me fiz (ou fizeram) executor,
sendo eu ao tempo presidente da Assembleia Geral do Sindicato Nacional dos
Professores Licenciados (SNPL), mas que
ficou, em linguagem popular, “em águas de bacalhau”, depois de ter sido
apresentada, por este organismo sindical, à Assembleia da República (02/12/2005)
uma petição para a respectiva criação. Petição que teve como seu relator, numa
espécie de raposo que toma conta do
galinheiro, um deputado do Partido Socialista, professor do 1.º ciclo do ensino
básico e vice presidente de um sindicato (Sindep) que baseou a sua intervenção
numa perspectiva stricto sensu de profissão liberal (como tal destituída de um
conceito actual mais abrangente) e de conflitualidade entre sindicatos e ordens profissionais. Desta forma não correu o perigo de se tornar maldito por se negar aos seus nas horas apertadas, como
escreveu Miguel Torga.
Foi possível, também, por uma ex-secretária de
Estado, Ana Benavente, ter querido ir mais longe nas exageradas benesses concedidas
às escolas superiores de educação. Assim, quando se constava nos bastidores que,
para além do já discutível acesso ao 2.º ciclo do ensino básico, seria alargada
a docência do 3.º ciclo a licenciados pelas escolas superiores de educação, o
SNPL solicitou-lhe uma audiência.
Aproveitando a ocasião, para confirmar
a veracidade ou não desta intenção apresentei-lhe a questão. Fazendo jus à proverbial ambiguidade dos políticos
fechou-se num mutismo cúmplice. Voltei à
carga, chamando a sua atenção para o facto de a Lei de Bases do Sistema
Educativo contemplar essa docência apenas a diplomas
outorgados pela instituição universitária. Não disfarçando um ar agastado, retorquiu:
“Mas a lei muda-se de um dia
para o outro!"
Foi possível, finalmente, para não alongar mais este texto, por Ana Maria Bettencourt, professora
coordenadora de uma Escola Superior de Educação e presidente de um Instituto
Superior Politécnico (salvo erro de Setúbal) ter ocupado a presidência do Conselho Nacional de
Educação (CNE), órgão independente com funções consultivas em matéria de
política educativa. Sem pretender pôr em causa a idoneidade institucional de Ana Maria Bettencourt não posso, todavia, deixar de reflectir sobre o fundamento da vox populi: “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou
não sabe da arte”!
A terminar, num importante sector da vida nacional,
como o sistema educativo, já chega de
aplicar vacinas de que se desconhece o efeito ou terapias meramente
experimentais. Ipso facto, entendo que o Governo,
a sair das próximas eleições, poderá, ou melhor deverá, ter uma acção preponderante no arrumar da casa
de um ensino que tarda em definir, preto no branco, o âmbito de um necessário ensino superior dual sem influências, ou ainda mesmo simples sugestões, do ensino politécnico, como tem acontecido nos últimos tempos.
Mas será que haverá coragem e vontade política de vencer um estado mórbido provocado por detractores do saber científico, mezinhas de curandeiros da pedagogia e, para além disso, agravado por leis frouxas da responsabilidade de diversos governos ou simples declarações de boas intenções dos seus responsáveis? Um futuro que se aproxima a passo largos de dias, o dirá!
Mas será que haverá coragem e vontade política de vencer um estado mórbido provocado por detractores do saber científico, mezinhas de curandeiros da pedagogia e, para além disso, agravado por leis frouxas da responsabilidade de diversos governos ou simples declarações de boas intenções dos seus responsáveis? Um futuro que se aproxima a passo largos de dias, o dirá!
9 comentários:
"Retomar algo que estava a ser assimilado e que abruptamente interrompido pelo preconceito ideológico do senhor ministro, que resolveu transformar escolas num laboratório de aplicação das suas teorias pessoais. Foi assim na matemática e no português" [António Costa; entrevista TVI de 09-07-2015]
Senhor professor Rui Baptista, a possibilidade de termos um Governo do partido socialista deixa-me deverás pessimista quanto ao rumo que vai levar o ensino, ao contrario do senhor que, ainda com esperança, escreve “... entendo que o Governo, a sair das próximas eleições, poderá, ou melhor deverá, ter uma acção preponderante no arrumar da casa de um ensino...”.
Estas são as conclusões óbvias, e retiram-se do discurso de António Costa. Repare que o maior “pecado” que este senhor tem a apontar ao actual ministro da educação é o de pensar pela sua própria cabeça (as teorias pessoais de Nuno Crato) melhor seria, para António Costa, que Nuno Crato fosse uma espécie de "marioneta" do tipo da(s) Ana(s) Maria(s) de que nos apercebemos por aquilo que o professor nos conta. Mas Nuno Crato não é e não o foi, essa falha não a tem, (António Costa reconheceu isso) e ainda bem porque o ensino necessita de alguém que imponha um rumo. Nuno Crato impôs o seu rumo, goste-se ou não. Pior é não ter rumo algum.
Cumprimentos,
P.S.: Nessa mesma entrevista António Costa, deixou a promessa de retomar o programa “Novas Oportunidades”.
Caro Engenheiro Ildefonso Dias: Claro que não perspectivo nada de bom se, porventura, for o PS a ganhar as próximas eleições. Aliás, dou o exemplo, neste meu post, altamente prejudicial trazido para o sistema educativo nacional por duas destacadas socialistas e um menos destacado socialista: Ana Benavente , Ana Maria Bettencourt e João Bernardo.
Penso eu que que a este trio me referi não como benfeitores do ensino…julgando , em consequência, não ter deixado pairar qualquer dúvida a esse respeito. Assim, quando falo num próximo Governo não me refiro à mudança de um Governo PSD para um Governo PS: “Vade retro satanas!”
Só de pensar no reaparecimento de “Novas/Velhas Oportunidades”, me dá volta ao estomago. Novas Oportunidades , uma espécie da padaria que produziu pão mal cozido às pazadas! Ou, seja autodidactas ignorantes não por conta própria (em definição jocosa do brasileiro Mário Quintela) mas por conta do Estado, o mesmo vale dizer, dos impostos pagos por nós para, na opinião sincera de um outro socialista, "estarmos a formar não um país de analfabetos, como até aqui, mas um país de burros diplomados"!
Nem sempre me exprimo de forma a deixar que dúvidas de interpretação nasçam da minha escrita. Concedo! Por isso lhe agradeço a sua chamada de atenção que me permitiu esclarecer que quando falo num novo Governo enuncio o facto de as eleições trazerem sempre mudanças na constituição das pastas ministeriais, mesmo que ganhas pelo Partido que o antecedeu.
Daí o apelo que faço ao Governo, a sair das próximas eleições, para que tenha em atenção que um Partido não pode ser a loucura de muitos para proveito de poucos, parafraseando a “Gazeta Madrid”, nº. 35, de 21 de Março de 1833.
Retribuo os cumprimentos enviados.
PI - Poesia Infantil
O velho sábio da torre de marfim
Subiu a escada em largo caracol
Sentou-se à janela aberta ao jardim
Pôs-se de molho com as barbas ao sol
Levou a tarde de lentes garrafais
A observar o vegetal e o animal
Categorizou plantas, flores e mais
Separou criaturas de bem e de mal
Cruzou severo na cigarra e no pato
Aplaudiu casto o cisne e a formiga
Que a criatividade no jardim era mato
Que do trabalho só ouvia a cantiga
Manhoso, o telescópio foi buscar
Para melhor ler as estrelas lá no céu
Que estava farto de ver gente ao luar
A passar de bicicleta só com um véu
Que somos iguais, iguais não somos
Que a diferença é pasto de mérito
Como morreu a História que fomos?
Que saudades da pátria no pretérito!
Que poucochinho devemos à excelência
Que o mau o bom banalizou
Pseudo-tudo, degenerescência
Ciência, valores, o vento os levou
E agora, Deus, como apagar
Da humanidade estes erros tremendos?
Ergueu-se o sábio de tanto pensar
Ajeitou o casaco cheio de remendos
Fechou a janela do universal jardim
Pôs o telescópio no canto direito
Penteou as longas barbas e enfim
Descansou do olhar inútil e perfeito
FMC
No eu comentário anterior, retiro a expressão: "Vade retro satanas!"
Numa Democracia o voto do povo é soberano.
A Política, as políticas, são sempre um exercício de optimização. Apoiado por retórica ou mesmo demagogia. Procura-se ostensivamente optimizar "o bem público" chegando a conclusões que são favoráveis a interesses particulares.
Se há discussão em que os actores, de ambos os lados, estão imbuídos de interesses pessoais e institucionais é esta. Nada do que digam merece grande crédito.
Está a referir-se ao caso das escolas privadas financiadas com os nossos impostos? Se assim for, desde já, não posso deixar de lamentar que a frequência das escolas oficiais tenha diminuído drasticamente, havendo nelas inúmeras vagas por preencher.
Entretanto, foram feitas obras faraónicas em algumas escolas estando outras, as de maior tradição, a cair aos bocados. Um exemplo? O antigo Liceu Pedro Nunes (Lisboa) onde fez o ensino secundário o actual ministro da Educação. Outro exemplo? O tradicional Liceu Camões (Lisboa). Outro exemplo? O antigo Liceu D.João III/José Falcão (Coimbra).
Entretanto vão-se construindo escolas privadas pelo País? Por benemerência dos seus proprietários? À espera, não de lucros, mas de uma comenda pelos altos serviços prestados aos seus semelhantes?
Há um ditado que nos pode ajudar na circunstância: "Quando a fartura é muita o pobre desconfia"!
De facto, nem me referia às escolas privadas, mas também se enquadra. Mas não quero aqui discutir a substância do assunto.
Na velhíssima discussão Universidades vs. Politécnicos, tudo é claro como a água: os Politécnicos fazem sombra às Universidades. E agora, em graves dificuldades devido ao decréscimo súbito do nº de alunos (veja-se a catástrofe de quase todas as Engenharias), procuram sobreviver mudando de nome porque o Povo prefere tirar cursos em Universidades. É simples; não requer longa argumentação.
Obrigado pelo esclarecimento. A luta por conquista de mercados, e como luta fratricida quando se trata de uns tostões a mais ou a menos nas heranças.
Aproveito a ocasião para esclarecer que os antigos Industriais e Comerciais (actuais institutos superiores),pela exigência e qualidade do ensino nada têm a ver com antigas escolas do magistério primário (actuais escolas superiores de educação) ao porem-se em bico-dos-pés a concorrência que pretendem fazer, repito, pretendem fazer (e façam) às faculdades que formam professores para o 2.º ciclo do básico. Os motivos são óbvios! Só não vê quem não quer ver ou não lhes interesse ver, inclusivamente os governantes que desvirtuaram por, cobardia ou interesses pessoais, a finalidade para que foram criadas: a promoção do ensino infantil e 1.º ciclo do básico (antigo ensino primário).
Errata: Na 4.ª linha do 2º § do meu comentário anterior, onde escrevi
, entre parêntesis (façam) corrijo para fazem.
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