terça-feira, 25 de agosto de 2015

A urgente transformação do desporto nacional

Artigo que nos foi enviado pelo Leitor Fernando Tenreiro e que muito agradecemos.
In Público do passado dia 14/08/2015 (aqui).

O desporto português sofre um processo de defenestração económica e social pela irreflexão persistente das suas políticas nos últimos 20 anos. Desde antes da viragem do século houve um descrer e incompreensão sobre o desporto que levou ao tropeção no Euro 2004 que, por carência de princípios, conceito e de propósitos democráticos contribuiu para o esvaziar do sector e o impede de melhorar e progredir como a ciência, a cultura, o calçado, o turismo e outros sectores económicos e sociais conseguiram fazer a partir dos anos 90 do século XX.

A hipótese de Portugal não saber regular politicamente a produção dos seus atletas de alto rendimento observa-se em várias dimensões.

Portugal tem matéria-prima humana bastante e demonstrou que esse ingrediente gera capital humano físico e desportivo notável no seio do Modelo de Desporto Europeu (MDE). Com a matéria-prima humana portuguesa foram geradas estrelas de desporto planetárias que se tornaram incontornáveis beneficiando da oportunidade que terceiros lhes deram para o seu desenvolvimento potencial. Sem a acção de terceiros como o Manchester United é duvidoso que Cristiano Ronaldo alcançasse a primazia global.

O facto em que se observa que Portugal tem dificuldades no desenvolvimento e potenciação de talentos é o caso de Vanessa Fernandes que foi prejudicada por erros de desenvolvimento da sua valia de campeã e estrela do desporto e a esgotaram num ápice. Vanessa Fernandes desapareceu para o desporto e quando isso aconteceu a governança desportiva do país foi incapaz de olhar para trás, analisar criteriosamente o que se tinha passado e daí retirar ilações quer para recuperar a Vanessa Fernandes dos erros perpetrados, quer para evitar que outros sofressem dos mesmos percalços.

A hipótese de Portugal não estar a aproveitar o capital humano potencial que possui com 10 milhões de habitantes é demonstrável estatisticamente. A produtividade da conquista de medalhas nos jogos olímpicos é mais elevada nos países europeus com 20 milhões de habitantes ou populações mais pequenas e que produzem 1 medalha por 500 mil habitantes. Portugal o melhor que conseguiu foram 4 medalhas nos Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996 quando conseguiu 4 medalhas alcançando a produtividade de 1 medalha por 2,5 milhões de habitantes. Ou seja, os indicadores de produtividade dos países iguais e mais pequenos do que Portugal mostram que a matéria-prima humana para a criação de campeões desportivos são mais comuns do que a busca de talentos “à Ronaldo”.

De acordo com o Expresso, 21jun2015, um treinador de futebol português na Noruega, um dos tais pequenos países que conquista mais medalhas do que Portugal, disse que tinha uma turma de 600 alunos e que se fosse em Portugal tinha uma turma de 100 talentos. Ou seja, Portugal desperdiça jovens na procura de talentos, não sabendo reconhecê-los ou não querendo esperar o tempo certo para dar valor a cada jovem que passa pelo desporto.

O sistema de ensino nacional tem uma matéria-prima de cerca de 2 milhões de jovens em idade escolar e dá actividades a menos de 20% e este valor é tratado há décadas com ‘normalidade’ o que demonstra a ineficácia das políticas e dos parceiros nacionais que não compreendem que a actividade desportiva regular é para toda a população, independentemente do usufruto do que cada um depois faz com ela.
Insista-se que, por exemplo, a riqueza de Pinto da Costa, Jorge Mendes ou João Lagos apenas é possível porque antes deles estão as estruturas federadas e os clubes de bairro que dão vida desportiva aos poucos jovens de quem depois é possível empresarialmente colher rendas económicas extraordinárias sobre a valia desportiva criada a montante. As políticas públicas têm olhos para os empresários de sucesso descurando a estrutura federada e a sua regulação pública o que contraria o Modelo de Desporto Europeu.

Não se conhece um português que seja um talento mundial criado por estes empresários de sucesso porque a sua labuta centra-se na apropriação de rendas económicas extraordinárias de atletas criados a montante. As políticas voltadas para o conforto dos empresários são estéreis do ponto de vista do Modelo de Desporto Europeu porque não massificam a prática desportiva pela população e, como demonstrado, o uso excessivo do critério lucrativo destrói o jovem atleta promissor como aconteceu com Vanessa Fernandes. Vanessa Fernandes estaria na altura dos Jogos de Pequim a gerar rendas de milhões de euros o que, sem o cuidado extremo que deveria ter havido, destruiu uma carreira que sendo estável no mais alto nível duraria uma dezena de anos e que ficou reduzida a um par de anos.

Na perspectiva empresarial a hipótese de irracionalidade da política nacional surge pela consideração que se Pinto da Costa, Jorge Mendes e João Lagos conseguem enriquecer com os poucos talentos gerados, então poderiam ter rendas económicas superiores se Portugal tivesse políticas desportivas segundo os princípios do Modelo de Desporto Europeu as quais se centram na massificação da prática desportiva nacional.

Urge um ponto de viragem cultural e civilizacional na afirmação por parte de Portugal de que o desporto é essencial para o seu futuro e usando como instrumentos testados de sucesso os do Modelo de Desporto Europeu.

Fernando Tenreiro
Economista


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