sábado, 16 de março de 2013

Um Matemático Com Um a Menos


Texto recebido de Ana Luísa Alves (Bioquímica)


Quem trabalha na gestão de dados provenientes de estudos clínicos sabe que, periodicamente, tem de cruzar alguns desses dados. Ou seja, é necessário reconciliar os dados relativos a acontecimentos adversos graves, armazenados quer na base de dados clínica, quer na base de dados de segurança. O objectivo deste procedimento é que um certo dado se revele exactamente o mesmo (ou justificadamente parecido) em ambas bases de dados. E o mesmo princípio, por defeito profissional, apliquei à história que vos vou contar.

Quando fui aluna da FCUP à Praça Gomes Teixeira, conhecia relativamente bem todo o edifício, desde os diferentes departamentos, às bibliotecas, aos museus, ao salão nobre, à associação de estudantes e até à sala no último andar a partir de onde a Rádio Universitária emitia na frequência 99.4 mHz. Havia no Departamento de Matemática a Sala Luiz Woodhouse onde nunca entrei, mas onde sempre morri de curiosidade de o fazer.

Ora lendo um artigo sobre famílias em Coimbra no século XIX1, tropeço na família Woodhouse na Couraça de Lisboa, no tempo em que ambos os irmãos Woodhouse foram estudantes na Universidade de Coimbra. Como na bibliografia oficial diz que Luiz Inácio foi um estudante brilhante, resolvi investigar. Assim, inscreve-se no primeiro ano de Matemática em 18752 que veio a completar com distinção3 (2º Acessit em Matemática e 1º Acessit em Filosofia – Química mineral). No ano lectivo de 1878-79 reinscreve-se no terceiro ano4: Luiz Inácio foi veterano!

Finalmente forma-se em Ciências Matemáticas em 1881 com a distinção de Muito Bom, 19 valores5. Foi o único finalista do seu curso! Já no Porto obtêm o seu doutoramento6 em Ciências Matemáticas a 30 Novembro de 1918, pela universidade da referida cidade.

Quem costuma frequentar os autocarros da STCP que passam na Rua de Costa Cabral, sabe que uma das paragens é exactamente “Luís Woodhouse” que dá acesso à rua com esta toponímia. A placa exibe os anos de nascimento e da morte deste ilustríssimo lente de Matemática.  Sem sair de casa, dei um salto ao Arquivo Distrital do Porto cujos registos paroquiais passaram a estar disponíveis online e nada de dar com o baptismo de Luiz Inácio no ano de 1858. Até que “BINGO”, ali estava ele na freguesia de S. João do Douro, juntamente com uma carta7 de seu pai, o Dr. Roberto Woodhouse, elucidando que seu filho havia nascido no dia 31 Julho 1857, tendo sido baptizado a 15 de Agosto do mesmo ano. Ou seja, Luís Inácio nasceu um ano antes do que consta na literatura8.

Se este episódio ocorresse a propósito de um caderno de recolha de dados num ensaio clínico, enviaria um query ao investigador principal pedindo-lhe que riscasse o ano de nascimento com uma caneta azul ou preta, escrevesse ao lado o ano correcto e paragrafasse a correcção. E assim se limparia um erro da base de dados. Nesta situação, o melhor é pegar nas lãs e crochetar um modelo hiperbólico9...


1-Guilhermina Mota (2010): Famílias em Coimbra nos séculos XVIII e XIX. Revista de História da Sociedade e da Cultura, 10 Tomo II , 353-385.
2- Annuario da Universiade de Coimbra – Anno lectivo de  1875 a 1876. Coimbra 1875
3- Annuario da Universiade de Coimbra - Anno lectivo de  1876 a 1877, pag 60-1. Coimbra 1876
4- Annuario da Universiade de Coimbra - Anno lectivo de  1878 a 1879. Coimbra 1878
5- Annuario da Universiade de Coimbra - Anno lectivo de  1881 a 1882. Coimbra 1881
6- Livro de registo de doutoramentos deprofessores. 1917-1943. Arquivo Digital UP 
7- Baptismos Foz do Douro – Porto 1853-05-12/1859-12-20, PT/ADPRT/PRQ/PPRT05/001/0015
8- Piranha Gomes (1989): Roberto Guilherme Woodhouse (1828-1876) - Resposta aos detractores e mofadores da religião e dos seus ministros. Lusitania Sacra, 2ª série, 1, 149-177.
9- Alexandra Nobre (2013): A Biologia, a Matemática e o Croché. Blog De Rerum Natura (http://dererummundi.blogspot.pt/2013/03/a-biologia-matematica-e-o-croche.html)

1 comentário:

A Alves disse...

Primeiro trabalho, que desejo seja o inicio de muitos e bons.

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Sem mais, reproduzo as fotografias e as palavras que compõem o último postal de Natal do Biólogo Jorge Paiva, Professor e Investigador na Un...