Minha contribuição como relator para o livro "Os Portugueses em 2030", relativo ao Encontro realizado em Setembro de 2012 no CCB pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (a moderadora dos debates com o título de cima foi Fernanda Freitas):
O FUTURO É UMA FATALIDADE?
ORADORES: José Pacheco Pereira/ Rui Ramos/ Henrique
Cayatte
O futuro é e não é uma fatalidade. É uma fatalidade
porque o futuro é sempre uma projecção do passado, é o limite dos nossos
conhecimentos, da nossa vontade e da nossa acção. O passado condiciona obviamente
o futuro. Mas, por outro lado, o futuro não é uma fatalidade, porque paira
sempre o factor da incerteza, que pela limprevisibilidade que nos proporciona
pode ser considerada uma “alegria”. A incerteza permite que nada esteja excluído,
por mais improvável que seja. O destino não está, portanto, escrito nas
estrelas. Embora a natureza humana seja uma constante ao longo dos tempos históricos
(e embora ela “não seja grande coisa”), não há nenhuma teleologia na história.
Para Rui Ramos, a história é bastante útil: podemos
aprender com os erros do passado, embora só muito raramente os erros sejam os
mesmos e a sua análise no presente possa servir na construção do futuro,
estando nós limitados pelos nossos sentidos e pela nossa própria vida. Abundam
as previsões erradas, como a da lei de Malthus, que não levou em conta a
evolução tecnológica. José Pacheco Pereira, também historiador, tem uma visão
mais radical sobre o futuro: só há passado e presente, no sentido em que tudo o
que se pode dizer sobre o futuro não passa de uma ficção, de uma prosa mais ou
menos impressionista. Segundo ele, nada se pode dizer de científico sobre o
futuro. Os homens cometem erros permanentes e erros novos. Céptico sobre o
progresso, referiu a concretização repetida da lei de Murphy: se algo pode
correr mal, correrá. Pode, por exemplo, acontecer que em 2030 já nem exista Portugal
nem portugueses. Para Henrique Cayatte, e na mesma linha, por causa da incerteza
inerente ao desenrolar da história estaremos daqui a 30 anos talvez a rir-nos
das conclusões do Encontro.
Nas perguntas da assistência perpassou a
preocupação sobre o presente em Portugal e assomaram os receios a respeito do
futuro mais próximo. Em particular, uma voz jovem falou da geração
“bomba-relógio”, uma geração que não pode aspirar a mais do que a bolsas,
adiando o desemprego inevitável e uma geração que, apesar dos seus altos níveis
de educação, quase não tem direitos nem expectativas. A democracia que conduziu
a este estado de coisas foi classificada como incompetente. Henrique Cayatte
relativizou a crítica, por não termos, nesta altura, uma perspectiva histórica
suficiente. Lembrou que ele era do tempo em que não havia telemóveis nem
Internet. Um buraco numa parede, de perto parece muito feio, mas de longe quase
não se vê. Pacheco Pereira concordou: afirmou que havia outros estratos
populacionais em pior situação do que os filhos da classe média urbana com
formação, que ainda dispõem de alguns privilégios e não se deveriam depreciar
como o fazem.
No público, Rosado Fernandes lembrou Xenofonte,
traçando o paralelismo da Guerra do Peloponeso com os actuais tempos da troika. Não é que haja fatalidade, mas
é sempre bom olhar para o passado, lendo os clássicos.
A EMIGRAÇÃO É UM INFORTÚNIO?
ORADORES: Jorge Macaísta Malheiros / Onésimo
Almeida/ Cristóvão Fonseca
A emigração, entendida como “mobilidade com fixação”,
não é um infortúnio. É um direito. Não tem que ser uma obrigação, devendo antes
resultar de uma escolha. Para Portugal e para os portugueses, não tem que ser,
conforme afirmou Onésimo Almeida, emigrado há muitos anos nos Estados Unidos,
“uma maldição, mas sim uma tradição”. Portugal protagonizou, nos séculos XV e
XVI, a primeira onda de globalização. Hoje, num mundo global, o nosso país tem
de ser o mundo, apesar de naturalmente ser sempre difícil, sendo por vezes muito
doloroso, sair da inércia e dar o primeiro passo para fora.
Para o geógrafo Jorge Macaísta Malheiros, a
emigração pode ser uma solução com lucro triplo: para quem sai, pois muda as
suas condições de vida; para o país de onde se sai, que provavelmente vai receber
divisas; e para o país que acolhe, pois passa a dispor de mão-de-obra que
necessita. Mas nem sempre este lucro é para todos e nem sempre ele é repartido
Lembrou que cidades multiculturais, que acolheram grandes fluxos emigratórios,
como Nova Iorque, são centros muito activos não só de negócios como de
criatividade, designadamente artística. A emigração pode proporcionar
oportunidades a quem, por um motivo ou outro, não as encontra, a certa altura,
na sua pátria.
Onésimo Almeida lembrou que, no caso dos Estados
Unidos, a emigração de pessoas com baixa formação acabou. Mesmo a emigração de
jovens para fazer licenciatura é difícil, não havendo financiamentos que cubram,
entre outros custos, as propinas muito elevadas. Mas a emigração para a
realização de doutoramentos e pós-doutoramentos já é bem-vinda, designadamente
nalgumas disciplinas e profissões, podendo ela conduzir a uma fixação a longo
prazo. No caso português, lembrou a existência da diáspora lusitana, uma rede,
em certos casos com nós muito qualificados, que pode acolher emigrantes. A
identidade lvive-se na relação da comunidade portuguesa entre si e com a terra
natal. Se há dez milhões de pessoas no país, poderá haver cinco milhões lá fora,
considerando a segunda e terceira gerações.
Para o cineasta Cristóvão Fonseca,
neto e filhos de emigrantes portugueses em França (saídos por altura da Primeira
Guerra Mundial e nos anos de 1960), a emigração portuguesa hoje nesse país não
é bem retratada pelo cliché da “mala
de cartão”. A geração dos filhos dos emigrantes em massa nos anos 60 subiu na
vida. O nível médio dos emigrantes portugueses em França é hoje superior ao
nível médio da população francesa, estando eles em geral perfeitamente integrados.
Por vezes a ligação à pátria está definitavmente perdida.
Em situações de crise como a actual, a emigração,
com as facilidades que há de circulação no mundo, é inevitável. Alguns dos nossos
melhores talentos tenderão a ir para fora, interessando nesse caso que sejam
mantidas ligações ao país de origem. Resta saber se deve haver uma posição do
governo a este respeito. Onésimo Almeida é optimista no que respeita à eventual
“sangria” no país: quem parte, mesmo que seja do cimo, deixa sempre lugar para
alguém. There is more room at the top!
Mas é preciso mudar o país, para não se ter de mudar de país.
A IMIGRAÇÃO PÕE EM RISCO A SEGURANÇA E A IDENTIDADE?
ORADORES: António Vitorino/ Margarida Marques /
Ricardo Dias Felner
A imigração em Portugal não põe em risco a
segurança nem a identidade nacional. Isso acontece porque a imigração não é
numerosa: a população estrangeira em Portugal não passa de cerca de 4 por cento
da população total, sendo cerca de metade oriunda de países de expressão
portuguesa. Estamos bem longe de valores europeus, como os do Luxemburgo, onde
há quase 50 por cento de emigrantes (muitos deles portugueses). É difícil
estimar o fluxo futuro de imigrantes, um número muito dependente do desenvolvimento
da economia nacional, mas pode dizer-se que os imigrantes em Portugal apresentam
índices de natalidade superiores ao dos nacionais.
O advogado e político António Vitorino afirmou que
havia integração dos imigrantes em Portugal, aceitando os portugueses em geral
bem os imigrantes. A cor da pele não é um factor de exclusão. Notou, porém, que
se revelou uma certa ambivalência em inquéritos realizados junto dos nacionais:
se houvesse ameaça de concorrência no emprego, logo a aceitação tenderia a
deteriorar-se (vide o caso dos
dentistas brasileiros).
Para o jornalista Ricardo Dias Felner, que possui
grande experiência no diálogo com imigrantes, a comunicação entre nacionais e
imigrantes é e deve ser cada vez mais enriquecedora para uns e outros. Notou, ainda
assim, que havia fenómenos, por vezes subterrâneos, de racismo, por parte de
pessoas de etnias diferentes. O outro é sempre o outro, por maior que seja ou
pareça ser a nossa abertura em relação a ele.
A socióloga Margarida Marques lembrou a grande
homogeneidade da população portuguesa, moldada por séculos de história, de
influência da Igreja e, mais recentemente, da escola e dos media. Há patrimónios e narrativas comuns, que explicam, por
exemplo, o rápido acolhimento do cerca de meio milhão de retornados após a
independência das colónias. Para ela, as cores e sabores acrescentados hoje
pelos imigrantes ao quotidiano português representam um claro enriquecimento para
o país.
Sobre a tolerância relativamente à diferença,
António Vitorino lembrou que, apesar de toda a abertura no campo cultural
(incluindo aí a gastronomia), há limites, no plano dos valores civilizacionais,
que não devem ser ultrapassados. Deu como exemplos a excisão feminina e a
poligamia. E acrescentou que “não vale a pena testar os limites da tolerância,
não se deve criar um problema onde ele não existe”. Quanto às ameaças à
segurança que se traduzem no aumento da criminalidade, defendeu que a abertura
das fronteiras na Europa obrigava a maior “inteligência” e cooperação das
polícias nacionais, de preferência a restrições unilaterais.
Foi convicção comum que, em 2030, o país e, em
particular, Lisboa será ainda mais multicultural do que já é hoje. Ao coexistir
com novas músicas, o fado não vai de modo nenhum acabar. O mais certo é
transformar-se, ganhando novas formas, ao mesmo tempo que permanece o fado
tradicional. O fado muda, mas o fado permanece.
1 comentário:
Uma verdadeira colecção de imbecilidades para quem gosta do género.
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