sexta-feira, 15 de março de 2013

OS PORTUGUESES EM 2030

FLUXOS POPULACIONAIS E PROJECTOS DE FUTURO

Minha contribuição como relator para o livro "Os Portugueses em 2030", relativo ao Encontro realizado em Setembro de 2012 no CCB  pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (a moderadora dos debates com o título de cima foi Fernanda Freitas):

O FUTURO É UMA FATALIDADE?
ORADORES: José Pacheco Pereira/ Rui Ramos/ Henrique Cayatte

O futuro é e não é uma fatalidade. É uma fatalidade porque o futuro é sempre uma projecção do passado, é o limite dos nossos conhecimentos, da nossa vontade e da nossa acção. O passado condiciona obviamente o futuro. Mas, por outro lado, o futuro não é uma fatalidade, porque paira sempre o factor da incerteza, que pela limprevisibilidade que nos proporciona pode ser considerada uma “alegria”. A incerteza permite que nada esteja excluído, por mais improvável que seja. O destino não está, portanto, escrito nas estrelas. Embora a natureza humana seja uma constante ao longo dos tempos históricos (e embora ela “não seja grande coisa”), não há nenhuma teleologia na história.
Para Rui Ramos, a história é bastante útil: podemos aprender com os erros do passado, embora só muito raramente os erros sejam os mesmos e a sua análise no presente possa servir na construção do futuro, estando nós limitados pelos nossos sentidos e pela nossa própria vida. Abundam as previsões erradas, como a da lei de Malthus, que não levou em conta a evolução tecnológica. José Pacheco Pereira, também historiador, tem uma visão mais radical sobre o futuro: só há passado e presente, no sentido em que tudo o que se pode dizer sobre o futuro não passa de uma ficção, de uma prosa mais ou menos impressionista. Segundo ele, nada se pode dizer de científico sobre o futuro. Os homens cometem erros permanentes e erros novos. Céptico sobre o progresso, referiu a concretização repetida da lei de Murphy: se algo pode correr mal, correrá. Pode, por exemplo, acontecer que em 2030 já nem exista Portugal nem portugueses. Para Henrique Cayatte, e na mesma linha, por causa da incerteza inerente ao desenrolar da história estaremos daqui a 30 anos talvez a rir-nos das conclusões do Encontro.
Nas perguntas da assistência perpassou a preocupação sobre o presente em Portugal e assomaram os receios a respeito do futuro mais próximo. Em particular, uma voz jovem falou da geração “bomba-relógio”, uma geração que não pode aspirar a mais do que a bolsas, adiando o desemprego inevitável e uma geração que, apesar dos seus altos níveis de educação, quase não tem direitos nem expectativas. A democracia que conduziu a este estado de coisas foi classificada como incompetente. Henrique Cayatte relativizou a crítica, por não termos, nesta altura, uma perspectiva histórica suficiente. Lembrou que ele era do tempo em que não havia telemóveis nem Internet. Um buraco numa parede, de perto parece muito feio, mas de longe quase não se vê. Pacheco Pereira concordou: afirmou que havia outros estratos populacionais em pior situação do que os filhos da classe média urbana com formação, que ainda dispõem de alguns privilégios e não se deveriam depreciar como o fazem. 
No público, Rosado Fernandes lembrou Xenofonte, traçando o paralelismo da Guerra do Peloponeso com os actuais tempos da troika. Não é que haja fatalidade, mas é sempre bom olhar para o passado, lendo os clássicos.

A EMIGRAÇÃO É UM INFORTÚNIO?
ORADORES: Jorge Macaísta Malheiros / Onésimo Almeida/ Cristóvão Fonseca

A emigração, entendida como “mobilidade com fixação”, não é um infortúnio. É um direito. Não tem que ser uma obrigação, devendo antes resultar de uma escolha. Para Portugal e para os portugueses, não tem que ser, conforme afirmou Onésimo Almeida, emigrado há muitos anos nos Estados Unidos, “uma maldição, mas sim uma tradição”. Portugal protagonizou, nos séculos XV e XVI, a primeira onda de globalização. Hoje, num mundo global, o nosso país tem de ser o mundo, apesar de naturalmente ser sempre difícil, sendo por vezes muito doloroso, sair da inércia e dar o primeiro passo para fora.
Para o geógrafo Jorge Macaísta Malheiros, a emigração pode ser uma solução com lucro triplo: para quem sai, pois muda as suas condições de vida; para o país de onde se sai, que provavelmente vai receber divisas; e para o país que acolhe, pois passa a dispor de mão-de-obra que necessita. Mas nem sempre este lucro é para todos e nem sempre ele é repartido Lembrou que cidades multiculturais, que acolheram grandes fluxos emigratórios, como Nova Iorque, são centros muito activos não só de negócios como de criatividade, designadamente artística. A emigração pode proporcionar oportunidades a quem, por um motivo ou outro, não as encontra, a certa altura, na sua pátria.
Onésimo Almeida lembrou que, no caso dos Estados Unidos, a emigração de pessoas com baixa formação acabou. Mesmo a emigração de jovens para fazer licenciatura é difícil, não havendo financiamentos que cubram, entre outros custos, as propinas muito elevadas. Mas a emigração para a realização de doutoramentos e pós-doutoramentos já é bem-vinda, designadamente nalgumas disciplinas e profissões, podendo ela conduzir a uma fixação a longo prazo. No caso português, lembrou a existência da diáspora lusitana, uma rede, em certos casos com nós muito qualificados, que pode acolher emigrantes. A identidade lvive-se na relação da comunidade portuguesa entre si e com a terra natal. Se há dez milhões de pessoas no país, poderá haver cinco milhões lá fora, considerando a segunda e terceira gerações.
Para o cineasta Cristóvão Fonseca, neto e filhos de emigrantes portugueses em França (saídos por altura da Primeira Guerra Mundial e nos anos de 1960), a emigração portuguesa hoje nesse país não é bem retratada pelo cliché da “mala de cartão”. A geração dos filhos dos emigrantes em massa nos anos 60 subiu na vida. O nível médio dos emigrantes portugueses em França é hoje superior ao nível médio da população francesa, estando eles em geral perfeitamente integrados. Por vezes a ligação à pátria está definitavmente perdida.
Em situações de crise como a actual, a emigração, com as facilidades que há de circulação no mundo, é inevitável. Alguns dos nossos melhores talentos tenderão a ir para fora, interessando nesse caso que sejam mantidas ligações ao país de origem. Resta saber se deve haver uma posição do governo a este respeito. Onésimo Almeida é optimista no que respeita à eventual “sangria” no país: quem parte, mesmo que seja do cimo, deixa sempre lugar para alguém. There is more room at the top! Mas é preciso mudar o país, para não se ter de mudar de país.

A IMIGRAÇÃO PÕE EM RISCO A SEGURANÇA E A IDENTIDADE?
ORADORES: António Vitorino/ Margarida Marques / Ricardo Dias Felner

A imigração em Portugal não põe em risco a segurança nem a identidade nacional. Isso acontece porque a imigração não é numerosa: a população estrangeira em Portugal não passa de cerca de 4 por cento da população total, sendo cerca de metade oriunda de países de expressão portuguesa. Estamos bem longe de valores europeus, como os do Luxemburgo, onde há quase 50 por cento de emigrantes (muitos deles portugueses). É difícil estimar o fluxo futuro de imigrantes, um número muito dependente do desenvolvimento da economia nacional, mas pode dizer-se que os imigrantes em Portugal apresentam índices de natalidade superiores ao dos nacionais.
O advogado e político António Vitorino afirmou que havia integração dos imigrantes em Portugal, aceitando os portugueses em geral bem os imigrantes. A cor da pele não é um factor de exclusão. Notou, porém, que se revelou uma certa ambivalência em inquéritos realizados junto dos nacionais: se houvesse ameaça de concorrência no emprego, logo a aceitação tenderia a deteriorar-se (vide o caso dos dentistas brasileiros).
Para o jornalista Ricardo Dias Felner, que possui grande experiência no diálogo com imigrantes, a comunicação entre nacionais e imigrantes é e deve ser cada vez mais enriquecedora para uns e outros. Notou, ainda assim, que havia fenómenos, por vezes subterrâneos, de racismo, por parte de pessoas de etnias diferentes. O outro é sempre o outro, por maior que seja ou pareça ser a nossa abertura em relação a ele.
A socióloga Margarida Marques lembrou a grande homogeneidade da população portuguesa, moldada por séculos de história, de influência da Igreja e, mais recentemente, da escola e dos media. Há patrimónios e narrativas comuns, que explicam, por exemplo, o rápido acolhimento do cerca de meio milhão de retornados após a independência das colónias. Para ela, as cores e sabores acrescentados hoje pelos imigrantes ao quotidiano português representam um claro enriquecimento para o país.
Sobre a tolerância relativamente à diferença, António Vitorino lembrou que, apesar de toda a abertura no campo cultural (incluindo aí a gastronomia), há limites, no plano dos valores civilizacionais, que não devem ser ultrapassados. Deu como exemplos a excisão feminina e a poligamia. E acrescentou que “não vale a pena testar os limites da tolerância, não se deve criar um problema onde ele não existe”. Quanto às ameaças à segurança que se traduzem no aumento da criminalidade, defendeu que a abertura das fronteiras na Europa obrigava a maior “inteligência” e cooperação das polícias nacionais, de preferência a restrições unilaterais.
Foi convicção comum que, em 2030, o país e, em particular, Lisboa será ainda mais multicultural do que já é hoje. Ao coexistir com novas músicas, o fado não vai de modo nenhum acabar. O mais certo é transformar-se, ganhando novas formas, ao mesmo tempo que permanece o fado tradicional. O fado muda, mas o fado permanece.

1 comentário:

Anónimo disse...

Uma verdadeira colecção de imbecilidades para quem gosta do género.

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