Na revista Visão de 28 de
Fevereiro, num artigo intitulado Os erros de Gaspar, chamou-me
a atenção as seguintes declarações atribuídas a João César das
Neves: A mecânica, a física e química, como estudam coisas
simples, como motores, planetas ou sal, dão sempre certo. Mas isso
não é por serem melhores [do que a economia]. As declarações
falam por si, num mundo em que, com bastante sucesso, nos conseguiram
impor uma sub-cultura económica que se tornou dominante.
De facto, liga-se o rádio e lá está
a bolsa a subir e a descer todos os dias, a par do futebol e do
trânsito, num jargão omnipresente, qual ladaínha encantatória a
Mamon, repetitiva e pobre de informação. Liga-se a
televisão, o mesmo, ou pior.
Não vou falar da crise e das mentiras com que nos enganam. Sobre isso só digo que, quando começarem
a faltar as batatas e as couves, o dinheiro, sobretudo o virtual, de
pouco servirá. Mas, infelizmente, não sou optimista, a história, embora quase nunca se
repita, aumenta quase sempre de preço, e mostra que, nessas alturas, costuma acabar
a retórica e começar a violência.
Lavoisier foi economista e gestor (actividades que são distintas), nas
horas vagas, e foi a sua acção como gestor que o levou à
guilhotina, não a química. Nessa altura nem a economia nem a
ciência eram ainda o que são hoje, actividades profissionais
omnipresentes no quotidiano das pessoas. Nem a gestão podia gerar os lucros e prejuizos imorais que pode gerar hoje, levando não só os melhores, mas também os ambiciosos e os que não têm escrupulos a procurá-la. Adam Smith, contemporâneo
de Lavoisier ainda não tinha sido canibalizado pelos cínicos e
oportunistas. O seu livro mais importante ainda tratava da moral na economia. O próprio cinismo e o oportunismo não se tinham
tornado doutrinas económicas respeitáveis.
Não é por a economia ser uma ciência
humana que se torna mais complexa que as ciências físicas. E também
não é por as pessoas serem mais complexas que as bactérias,
cérebro, ou coração, que a economia é mais difícil ou falível
que a biologia, neurociências, ou medicina. Até porque os modelos
económicos costumam ser, em geral, matematicamente mais simples que
os da física, química ou mecânica. Os modelos meteorológicos e do clima também falham. Mas falham menos porque apresentam resultados com margens de erro objectivas.
A utilização cada vez mais complexa
da matemática e dos modelos em economia surgiu, segundo Robert
Frank, como uma forma de se mostrar competência, não porque fosse
realmente necessário. No seu livro mais famoso, Keynes diz que esse
é um capítulo que pode ser saltado. Entretanto os modelos
aumentaram de complexidade e começaram a seu utilizadas simulações
computacionais. Mas as equações não pensam pelas pessoas, em
especial quando nos modelos são introduzidas equações had hoc.
Como as famigeradas cópulas Gaussianas que entravam no cálculo dos
riscos para as seguradoras de forma automática e ajudaram a esconder
durante tempo demais o escândalo do subprime
nos EUA que esteve na origem da actual crise na Europa. Ao aumento da
importância da modelação, há ainda que juntar a ideologia no seu
estado mais puro: os delírios de crescimento e lucro infinitos, os
pesadelos do empobrecimento obrigatório e a renovação da doutrina
do choque e do capitalismo de desastre (nas palavras de Naomi Klein).
Dizem-nos que são assuntos técnicos mas não é verdade. São
ideologia na sua pior forma, fingindo não o ser, disfarçada de
objectividade.
Talvez os modelos económicos pudessem
ter maior capacidade preditiva se nestes fosse incluída menos
ideologia e subjectividade e, sobretudo, se não estivessem ao
serviço de agendas ocultas. Tenho poucas dúvidas, contrariamente a
alguns economistas, que, se fossem incluídas todas as
incertezas, no final poder-se-ia ter uma resposta cientificamente
válida. Mas essa
resposta teria com certeza margens de erro grandes, ou daria
resultados indesejados, os quais não serviriam os interesses dos
políticos que usam os modelos. E, infelizmente é para isso
que servem os modelos económicos: servir interesses.
E os interesses é o que mais ordena. Um prémio chorudo agora, um bom lugar como consultor no futuro. E tudo isso acaba por ficar demasiado caro porque para ser obtido podem provocar-se, se necessário, embora muitas vezes de forma involuntária, colapsos e crises económicas. Assim, há que falsificar os resultados dos modelos para servirem os objectivos e as agendas ocultas. Ora isso não é ciência nem economia. E, se é para nos aborrecerem todos os dias com a economia, ao menos que sejam honestos e não se desculpem a dizer que é mais complicada do que a física, química ou mecânica: digam antes que certos economistas têm menos escrúpulos em fazer batota, têm ideologias ou seguem agendas ocultas.
E os interesses é o que mais ordena. Um prémio chorudo agora, um bom lugar como consultor no futuro. E tudo isso acaba por ficar demasiado caro porque para ser obtido podem provocar-se, se necessário, embora muitas vezes de forma involuntária, colapsos e crises económicas. Assim, há que falsificar os resultados dos modelos para servirem os objectivos e as agendas ocultas. Ora isso não é ciência nem economia. E, se é para nos aborrecerem todos os dias com a economia, ao menos que sejam honestos e não se desculpem a dizer que é mais complicada do que a física, química ou mecânica: digam antes que certos economistas têm menos escrúpulos em fazer batota, têm ideologias ou seguem agendas ocultas.
2 comentários:
Diria, complexa.
Embora de (análise) reversível.
Concordo. Por vezes, excede o mérito a propaganda.
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