Numa das partes de os
Irmãos Karamazov de Dostoievski, Dmitri Fioderovich está
preso e refere ao irmão Aleksei, que o visita, os estudos de Claude
Bernard sobre o sistema nervoso e associa esses estudos à química.
O seu discurso é pouco coerente, dizendo qualquer coisa como: É
a química irmão! Na cabeça há nervos e os nervos têm rabinhos.
É por causa desses rabinhos e não porque tenho alma que contemplo e
depois penso. É magnífica esta ciência! Tenho pena de Deus!


Contrariamente aos
Irmão Karamazov, Deus não aparece em nenhum momento de Sábado.
Mais de um século depois de
Dostoievski ter publicado o seu livro, as pessoas, pelo menos no
mundo ociedental, sentem-se seguras, não sofrem tanto fisicamente,
a mortalidade infantil é baixa e não parecem precisar de Deus.
Mas no Sábado aparece
a literatura. A filha de Perowne, Daisy, quer convencê-lo de
que a literatura é importante para as pessoas, mas este tem
dificuldade em aceitar isso. Não acha que as pessoas precisem de
histórias e narrativas. Acha que Madame Bovary e Anna
Karenina estão bem escritos, dando muitos detalhes sobre as
vidas, dilemas e sofrimento das pessoas numa determinada época, mas
não revelam com precisão o comportamento humano.
Mais tarde, Baxter vai
a casa de Perowne acompanhado de um cúmplice e aterroriza a sua
família com uma faca. E é neste momento que a literatura se tornou
importante para Perowne. O jovem fica impressionado com um poema de
Matthew Arnold que Daisy cita e o seu cúmplice abandona a casa. Em
seguida, quando Perowne propõe mostrar-lhe um estudo sobre uma
possibilidade de alívio da doença, conseguem dominar Baxter.
Jonah Leher, em Proust
era um neurocientista, apresenta Sábado como um livro que
testa uma quarta cultura, propondo
uma relação harmoniosa entre a literatura e a ciência, indo
para além da famosa discussão de Snow e do conflito entre as duas
culturas, a terceira cultura. Não precisamos de definir
tantas culturas, todas
confluem na mesma. Arnold, cujo poema fascínou Baxter,
escreveu em 1882 um ensaio, em resposta a Huxley, numa altura em que
a separação entre culturas começava a ser irremediável e
favorável à ciência, no qual defendia a harmonia entre literatura
e ciência. Para Bernard, Dostoievski e quase todos os homens de
ciência e literatura que viveram no século XIX esta discussão pareceria,
com certeza, absurda.
No famoso poema de
Emily Dickinson, o cérebro é mais vasto do que o céu, mais
profundo do que o mar e tem o peso de Deus. Muitas
vezes a terceira parte deste poema não é referida. Talvez Deus não
seja necessária na equação para entendermos o cérebro. As
angústias de Dmitri Fioderovich parecem-nos ridículas. Mas de
qualquer forma, para entendermos verdadeiramente o cérebro e o
comportamento humano não basta com certeza conhecer apenas os
reagentes da sua química, é também necessário seguir os produtos
da sua imaginação.
Bibliografia
adicional
Fiorenzo Conti, Claude
Bernard’s Des Fonctions du Cerveau: An ante litteram manifesto of
the neurosciences? Nature Reviews Neuroscience 3 (2002) 979-985.
Michael R. Katz,
Dostoevsky and Natural Science, Dostoevsky Studies 9 (1998)
63.
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