sábado, 1 de abril de 2023

QUESTIONAR O ÓBVIO

Tantos que viram cair a maçã,
mas só um decidiu saber porquê! 
Estranhar o óbvio é coisa vã?
O óbvio é mesmo óbvio ou quê?

Achar o óbvio muito pouco óbvio
ou o evidente pouco evidente
será mesmo coisa de pacóvio
ou suspeita de segredo ardente?

Estranhar o que nada tem de estranho
será um sinal de obtusidade 
ou não querer inserir-se no rebanho

dos para quem nada é novidade?
Ver no óbvio uma dificuldade
abrirá portas pra outra cidade?

Eugénio Lisboa

2 comentários:

  1. Eugénio Lisboa, abstendo-me de considerações acerca do poema, aproveito o ensejo que ele me dá de escrever algumas palavras sobre um assunto que me fascina de há muito a esta parte e que, sempre que falo nele a alguém, fico com a sensação de que se confirma a própria tese de que por mais pessoas que passem pelas experiências (inclusive dos discursos e dos poemas), isso não é garantia de nada. Refiro, quando tal se proporciona, até em aulas, que foram milhares, talvez milhões, de pessoas a fazer viagens como a que Camões fez para o oriente e, que eu saiba, só ele escreveu os Lusíadas.
    Mas, ainda há dias, ao ler a brilhante lição de Richard Feynman, publicada neste blog, me ocorreu imediatamente que não estranharia se muitos dos seus leitores ou alunos tomassem a sua lição por uma história da carochinha.
    Questionar o óbvio é justamente a questão.
    A história da carochinha também passa ao lado de muita gente. O problema é esse. As pessoas parecem saber tudo até que decidam que não é bem assim e nós não podemos decidir por elas, nem elas por nós. Nem o Shakespeare. E menos ainda levá-las a ter curiosidade ou interesse seja na história da carochinha, seja na descrição, explicação da realidade, demonstração, ou fundamentação da explicação. Estou convencido de que a maior parte das pessoas não sente necessidade disso e consegue viver sem isso, mesmo sem o saber. Também isto me parece óbvio. Mas volto ao celebérrimo "ser ou não ser..." de Shakespeare.

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    1. Agradeço a Carlos Ricardo Soares as suas palavras bem a propósito do meu soneto. Nunca esqueço as belas e acutilantes palavras do saudoso Professor Vieira de Almeida, quando sublinhava as grandes vantagens do não compreender. De facto, há pessoas para quem tudo é óbvio e há outras para quem o óbvio não é óbvio e aparece cheio de dificuldades e armadilhas. Curiosamente, estes é que fazem avançar o conhecimento. Os outros são só "brilhantes". Um exemplo de pessoa que nunca compreendia depressa era Einstein. Outro que passava o tempo a partir os dentes contra o óbvio era Fernando Pessoa. Para ele, tudo era "estranho" (não óbvio): a língua portuguesa, os portugueses, o amor, a amizade, o estar vivo, etc. São estes, os estrangeiros na Terra, os que não compreendem, que acabam por descobrir territórios novos. Não compreender logo é um magnífico motor de arranque.
      Eugénio Lisboa.

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