terça-feira, 25 de abril de 2023

A FÍSICA DE PARTÍCULAS ENTRE NÓS

Meu artigo no último «As Artes entre as Letras»:

Os físicos teóricos Gustavo Castelo-Branco e Margarida Nesbitt Rebelo, do IST - Instituto Superior Técnico, e o físico experimental João Varela, do CERN – Organização Europeia para a Investigação Nuclear resolveram escrever uma história da física de partículas no nosso país. É uma história recente cujo início os autores datam de 1985, quando Portugal, sob o impulso do físico José Mariano Gago, aderiu ao CERN. A capa do livro – intitulado A Física de Partículas em Portugal. Origem e desenvolvimento e publicado na colecção «Ciência Aberta» da Gradiva – mostra uma fotografia do dia chuvoso em Genebra, na Suíça, onde se situa o CERN, com a bandeira portuguesa hasteada pela primeira vez. Lá estão os três autores e José Mariano Gago, para além de Eduardo de Arantes e Oliveira, à data Secretário de Estado da Investigação Científica, e do alemão Herwig Schopper, então director-geral do CERN. A capa mostra também o grande detector CMS, onde se descobriu a bosão de Higgs há pouco mais de dez anos (João Varela foi director-adjunto da colaboração CMS, na qual têm participado vários portugueses, tal como na colaboração paralela realizada com o detector ATLAS).

O livro fornece, depois de uma introdução, um resumo da história da física de partículas no mundo, que resultou de avanços na física nuclear (o núcleo foi descoberto por Ernest Rutherford em 1911), e da situação actual desse ramo da física, tanto na perspectiva teórica como na perspectiva experimental, uma vez que as duas têm puxado uma pela outra (por exemplo, o bosão do Higgs foi previsto no início dos anos de 1960, pelo que demorou mais de quatro décadas a ser encontrado!). Os dois autores teóricos apresentam o quadro actual das partículas fundamentais e das suas interacções: existem quatro partículas - os quarks up e down, o electrão e o neutrino (embora haja mais duas gerações de partículas semelhantes, a energias mais elevadas e instáveis). E existem quatro forças: a força nuclear forte (que une os quarks nos protões e neutrões e estes entre si no nucleio atómico), a força nuclear fraca (responsável pela transformação de um neutrão num protão), a força electromagnética (responsável pela ligação dos electrões no núcleo atómico e, em geral, de toda a química) e a força gravitacional (responsável pela atracção entre os astros). Chegámos a esta visão usando aceleradores de partículas, nos quais há detetores como o CMS e o ATLAS, mas também usando raios cósmicos, vindos de explosão de estrelas, com detetores colocados acima da atmosfera. Partículas e forças estão organizados num quadro, conhecido por «modelo-padrão»: foram unificadas todas as forças, usando considerações matemáticas de simetria, excepto a gravitacional.  A descoberta do bosão de Higgs foi a coroa de glória desse modelo, que, no entanto, é insatisfatório: para além da exclusão da gravidade, há outras questões em aberto. Por isso o grande acelerador do CERN continua a funcionar: aí protões colidem uns com os outros à velocidade da luz.

No capítulo 3, «Origem da Física de Partículas em Portugal», os autores retratam a evolução da física de partículas nacional depois da adesão ao CERN. Enfatizam, como seria de esperar porque conhecem melhor, o trabalho realizado no IST à volta do LIP - Laboratório de Física de partículas, e do GTAE - Grupo Teórico de Altas Energias. Decerto que há uma pré-história da Física de Partículas em Portugal (Castelo-Branco foi aluno no liceu de Lourenço Marques de José Luís Rodrigues Martins, que tinha feito uma tese doutoral sobre física de partículas na Universidade de Coimbra em 1945, sob a orientação do austríaco Guido Beck, refugiado de guerra) e que há outras instituições, como a Universidade de Coimbra, que também contribuíram para o esforço nacional na compreensão do mundo muito pequeno. Mas o depoimento agora dado pelos físicos de Lisboa é utilíssimo sobre o trabalho na área nas últimas décadas.  Os protagonistas directos são vozes indispensáveis para mostrar como foi e é a construção da ciência.  Segue-se um capítulo sobre o futuro da física de partículas, onde surgem as questões do modelo-padrão e os planos para novos aceleradores. O assunto é de grande actualidade: desde que foi descoberto o Higgs, o CERN ainda não conseguiu revelar partículas novas ou quaisquer outros fenómenos que nos indiquem como poderemos ir além do modelo actual.

A parte que me prendeu mais do livro foi o capítulo final, intitulado «Vidas de físicos: notas autobiográficas», no qual os autores apresentam breves autobiografias.  Sugiro ao leitor que comece por aí… São documentos com o seu lado objectivo, contendo relatos factuais, mas também com o seu lado subjectivo, contendo as impressões sobre a sua vida em vários países ao longo dos seus bem-sucedidos percursos de aprendizagem. Castelo-Branco esteve nos Estados Unidos e na Alemanha antes de ficar professor no IST, Nesbitt Rebelo esteve também nos Estados Unidos e ainda na Espanha e na Áustria. E Varela teve formação em França e na Suíça antes de se fixar no CERN, mantendo sempre a ligação com o seu país natal. Na comunicação de ciência tem faltado a transmissão do modo como se aprende e faz ciência ao mais alto nível, o que é tão interessante como os resultados da ciência. O livro é completado por notas, índice onomástico, apêndice, referências e figuras.

 É uma obra essencial para quem queira saber como foi a construção da ciência em Portugal no último quartel do século XX e no primeiro deste século. A investigação científica «explodiu» em Portugal nesse período, sendo a física de partículas um dos domínios em que Portugal se internacionalizou fortemente, entrando em laboratórios mundiais. Outros cientistas portugueses, praticantes de outros ramos, podiam pensar em fazer exercícios semelhantes ao que agora fizeram, de forma pioneira, estes três físicos portugueses…

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