Meu artigo no último «As Artes entre as Letras»:
Os físicos teóricos Gustavo Castelo-Branco e Margarida Nesbitt Rebelo, do IST
- Instituto Superior Técnico, e o físico experimental João Varela, do CERN –
Organização Europeia para a Investigação Nuclear resolveram escrever uma
história da física de partículas no nosso país. É uma história recente cujo
início os autores datam de 1985, quando Portugal, sob o impulso do físico José
Mariano Gago, aderiu ao CERN. A capa do livro – intitulado A Física de
Partículas em Portugal. Origem e desenvolvimento e publicado na colecção
«Ciência Aberta» da Gradiva – mostra uma fotografia do dia chuvoso em Genebra,
na Suíça, onde se situa o CERN, com a bandeira portuguesa hasteada pela
primeira vez. Lá estão os três autores e José Mariano Gago, para além de
Eduardo de Arantes e Oliveira, à data Secretário de Estado da Investigação
Científica, e do alemão Herwig Schopper, então director-geral do CERN. A capa mostra
também o grande detector CMS, onde se descobriu a bosão de Higgs há pouco mais
de dez anos (João Varela foi director-adjunto da colaboração CMS, na qual têm participado
vários portugueses, tal como na colaboração paralela realizada com o detector ATLAS).
O livro fornece, depois de uma introdução, um resumo da história da física
de partículas no mundo, que resultou de avanços na física nuclear (o núcleo foi
descoberto por Ernest Rutherford em 1911), e da situação actual desse ramo da
física, tanto na perspectiva teórica como na perspectiva experimental, uma vez que
as duas têm puxado uma pela outra (por exemplo, o bosão do Higgs foi previsto
no início dos anos de 1960, pelo que demorou mais de quatro décadas a ser encontrado!).
Os dois autores teóricos apresentam o quadro actual das partículas fundamentais
e das suas interacções: existem quatro partículas - os quarks up e down,
o electrão e o neutrino (embora haja mais duas gerações de partículas semelhantes,
a energias mais elevadas e instáveis). E existem quatro forças: a força nuclear
forte (que une os quarks nos protões e neutrões e estes entre si no nucleio
atómico), a força nuclear fraca (responsável pela transformação de um neutrão
num protão), a força electromagnética (responsável pela ligação dos electrões no
núcleo atómico e, em geral, de toda a química) e a força gravitacional (responsável
pela atracção entre os astros). Chegámos a esta visão usando aceleradores de
partículas, nos quais há detetores como o CMS e o ATLAS, mas também usando raios
cósmicos, vindos de explosão de estrelas, com detetores colocados acima da atmosfera.
Partículas e forças estão organizados num quadro, conhecido por «modelo-padrão»:
foram unificadas todas as forças, usando considerações matemáticas de simetria,
excepto a gravitacional. A descoberta do
bosão de Higgs foi a coroa de glória desse modelo, que, no entanto, é
insatisfatório: para além da exclusão da gravidade, há outras questões em aberto.
Por isso o grande acelerador do CERN continua a funcionar: aí protões colidem uns
com os outros à velocidade da luz.
No capítulo 3, «Origem da Física de Partículas em Portugal», os autores retratam
a evolução da física de partículas nacional depois da adesão ao CERN.
Enfatizam, como seria de esperar porque conhecem melhor, o trabalho realizado
no IST à volta do LIP - Laboratório de Física de partículas, e do GTAE - Grupo Teórico
de Altas Energias. Decerto que há uma pré-história da Física de Partículas em Portugal
(Castelo-Branco foi aluno no liceu de Lourenço Marques de José Luís Rodrigues Martins,
que tinha feito uma tese doutoral sobre física de partículas na Universidade de
Coimbra em 1945, sob a orientação do austríaco Guido Beck, refugiado de guerra)
e que há outras instituições, como a Universidade de Coimbra, que também
contribuíram para o esforço nacional na compreensão do mundo muito pequeno. Mas
o depoimento agora dado pelos físicos de Lisboa é utilíssimo sobre o trabalho
na área nas últimas décadas. Os protagonistas
directos são vozes indispensáveis para mostrar como foi e é a construção da
ciência. Segue-se um capítulo sobre o
futuro da física de partículas, onde surgem as questões do modelo-padrão e os
planos para novos aceleradores. O assunto é de grande actualidade: desde que
foi descoberto o Higgs, o CERN ainda não conseguiu revelar partículas novas ou
quaisquer outros fenómenos que nos indiquem como poderemos ir além do modelo actual.
A parte que me prendeu mais do livro foi o capítulo final, intitulado «Vidas
de físicos: notas autobiográficas», no qual os autores apresentam breves autobiografias.
Sugiro ao leitor que comece por aí… São documentos
com o seu lado objectivo, contendo relatos factuais, mas também com o seu lado
subjectivo, contendo as impressões sobre a sua vida em vários países ao longo
dos seus bem-sucedidos percursos de aprendizagem. Castelo-Branco esteve nos Estados
Unidos e na Alemanha antes de ficar professor no IST, Nesbitt Rebelo esteve
também nos Estados Unidos e ainda na Espanha e na Áustria. E Varela teve
formação em França e na Suíça antes de se fixar no CERN, mantendo sempre a ligação
com o seu país natal. Na comunicação de ciência tem faltado a transmissão do
modo como se aprende e faz ciência ao mais alto nível, o que é tão interessante
como os resultados da ciência. O livro é completado por notas, índice onomástico,
apêndice, referências e figuras.
É uma obra essencial para quem queira saber como foi a construção da ciência em Portugal no último quartel do século XX e no primeiro deste século. A investigação científica «explodiu» em Portugal nesse período, sendo a física de partículas um dos domínios em que Portugal se internacionalizou fortemente, entrando em laboratórios mundiais. Outros cientistas portugueses, praticantes de outros ramos, podiam pensar em fazer exercícios semelhantes ao que agora fizeram, de forma pioneira, estes três físicos portugueses…
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