Diz aquilo que o fogo hesita a dizer,
Sol do ar, claridade que ousa,
E morre porque o disseste por todos.
René Char
És
um homem inteiro, sem medo,
Quando retornas ao chão da infância,
Ao
caminho sinuoso, à ervosa brancura,
Às
poças de gelo e de água,
Ao recreio emurchecido, à luz dura
De um seixo e ao cheiro de uma frágua.
És
um homem inteiro, sem medo
De
arrastar as mãos nos limos,
De
pelejar, só com o coração,
Contra o ardil ou a ignorância.
Contra
o vento que obra a lágrima.
Contra
a metáfora do comboio em andamento.
Contra
a inércia
De
falar muito e não dizer nada.
Contra
a verborreia que liquefaz o pensamento,
Rasga a frescura do silêncio
E agrava o astigmatismo.
És
um homem inteiro, sem medo
De
riscar o fundo,
De
deixar a cristalização
Explicar-se,
evaporando-se o solvente no escuro.
De
levar com a areia negra no rosto
E
ser atraído para um canto da Terra noturno.
Quando
retornas ao chão da infância,
És um homem inteiro,
Sem medo
De se arrastar nos limos
E de quem quer quebrar-te a canção,
Assenhorar-se, com exagero,
Sem
moral e amor, de um dia de abril.
Sem medo de quem te quer sem futuro,
Sem a força das mãos, fadadas a quebrar
O chão hexagonal até ao abismo.
1 comentário:
O poema sem rima
A haste do pêndulo partida
As asas de Sol queimadas
O céu vincado em oblíquos
E nós a cair, não o sentes?
A infância no resto do tempo
Presente no estreito dos pés
O hexágono na boca da alma
E nós a cair, não o sentes?
O rosto manchado de chão
O espaço dobrado na ruga
O olhar perdido sem frente
E nós a cair, não o sentes?
O búzio sem mar dentro
A sereia morta no pescador
O anjo velho que nunca vem
E nós a cair, já o sentes?
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