sexta-feira, 7 de setembro de 2007
OS ERROS PAGAM-SE CARO
Post convidado de João Boavida
Voltámos a ouvir falar de desemprego dos professores com os argumentos do costume: os sindicatos, procurando desgastar o Governo, como se a sua função fosse essa; o Ministério, dizendo que não é agência de empregos, e que não se pode, com dinheiro público, contratar professores de que não precisa.
Para o sindicato, o Ministério devia diminuir o número de alunos por turma, aumentar o apoio pedagógico, etc. O Ministério responde que não tem culpa da actual baixa de natalidade, que muitas requisições de professores não se justificavam, que não pode pactuar com abusos, etc.
A ambos falta razão. O que o sindicato diz, pode e deve ser feito, mas não para dar mais empregos, e sim para tornar mais eficaz o ensino, coisa que por aquela via, só por si, não está garantida. Ao Ministério compete racionalizar os recursos e acabar com os abusos, mas a sua política de cortar a direito já lhe fez perder precocemente muitos e bons professores, e criou um clima que tornou a docência uma condenação, o que é inaceitável por questões até de eficácia.
Como a linguagem dos sindicatos sempre foi a da reivindicação dura e da pressão, e nunca a da qualidade e da formação profissional, perderam crédito. O Ministério pode queixar-se da instabilidade política de trinta anos, com múltiplos governos, inúmeros ministros, cedências constantes, sendo necessário inverter este estado de coisas.
Mas há uma questão anterior e mais importante: a formação de professores dos últimos quarenta anos. À política restritiva e exigente do salazarismo, pensada para um sistema educativo que deixava a maior parte dos jovens condenados ao analfabetismo, e com base em conhecimentos psicopedagógicos restritos, seguiu-se a política expansionista de Veiga Simão, aliás inevitável face às necessidades de mais formação para a população portuguesa. A Democracia apanha este movimento e dinamiza as expectativas da população, dá razões às políticas de formação generalizada e de aumento de escolaridade, cria desejos de promoção social, em suma produz uma explosão escolar à qual o anterior sistema de formação de professores era incapaz de dar uma boa resposta.
E é aqui que as universidades clássicas cometem um gravíssimo erro histórico. Achando que a formação de professores não era assunto nobre, nem científico, (quando justamente a investigação educacional entrava em força e criava em todo o Mundo uma grande dinâmica) deixaram-na à mercê de quem a quisesse apanhar. Desde logo, centros de formação integrada, em algumas universidades recém fundadas, que, é claro, aproveitaram para se afirmar no quadro universitário nacional, depois, as escolas superiores de educação, que proliferaram por todo o País muito antes de terem recursos de qualidade em número suficiente, e pior ainda, muitas instituições particulares, centros de formação de toda a ordem, que correram atrás do negócio com o brio profissional que nos caracteriza. Ou seja, durante décadas, formaram-se, a correr, levas de professores, que iriam entupir o sistema e que o Ministério não foi capaz de planear e controlar
Em suma, degradou-se a profissão docente, prejudicou-se a qualidade do ensino, meteu-se no sistema muito incompetente por inflação de classificações que são regra nas instituições menos qualificadas, e impede-se agora a profissionalização a muitos que poderiam dar bons professores, mas que estão impossibilitados pelo entupimento do sistema. Em suma, uma série de erros em cadeia onde falta de planeamento e de visão, oportunismo, presunção, razões de baixa política, pura ganância e amadorismo se misturaram para prejudicar o País num grau incalculável.
Imagem retirada de:
http://copy.pnn.pt/noticias_imagens/professores.jpg
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19 comentários:
Breve História do sistema de ensino em Portugal.
Muito bem contada.
Como em muitas outras coisas ainda falta a voz aos principais interessados, falta também transparência e comunicação a todos os níveis, a começar pela chamada comunidade educativa, pais professores e alunos.
Continuamos sem saber se foi o ovo ou a galinha.
«Como a linguagem dos sindicatos sempre foi a da reivindicação dura e da pressão, e nunca a da qualidade e da formação profissional, perderam crédito.»
A linguagem da reivindicação dura e da pressão é própria dos sindicatos e é a que lhes compete. A linguagem da qualidade e da formação profissional competiria a uma Ordem - que o poder político e o poder sindical nunca permitiram que se instituísse.
Ora aqui está (quanto a mim, claro está) uma assunto que tem sido tabu entre parte da comunidade docente que não vê, como já tive ocasião de referir em um outro comentário meu, que, sem desmerecer, de qualquer forma a acção meritória dos sindicatos em certas conquistas que beneficiaram os professores, a acção sindical apenas deve cingir-se a questões laborais: de um lado o Estado/patrão, do outro os professores/empregados. Em resumo a acção sindical completa-se com a existência de ordens profissionais em actividades em que os seus membros se auto-regulam por delegação do próprio Estado. Será que os professores, por formação académica, desempenho de uma profissão socialmente meritória, não têm maturidade suficiente para o fazerem? Gostaria desaber a posição do autor deste lúcido post que nele se bateu em defesa da "qualidade e da formação profissional" dos professores. "Alea jacta est", só falta atravessar o Rubicão.
Linquei este artigo e comentei.
http://range-o-dente.blogspot.com/
.
O tempo que gastamos na catártica queixa dos males que nos assolam talvez houvesse algum mérito em abordar o problema da Ordem dos Professores e congregar vontades a convergirem para o mesmo ponto, com a mesma eufórica vontade com que se produziram prolíferos sindicatos de várias cores e configurações, e em cuja multiplicação não encontro qualquer racionalidade política e social. Para quê continuar a bater na mesma tecla desde o vintismo?
Dois pontos essenciais neste acertadíssimo "post":
"proliferaram por todo o País muito antes de terem recursos de qualidade em número suficiente"
"meteu-se no sistema muito incompetente por inflação de classificações que são regra nas instituições menos qualificadas"
Muitas das medidas governamentais com vista a aumentar o tempo de escolaridade e o número de escolas lembram aquele prefeito brasileiro que fez uma postura municipal para não chover. Puseram quase sempre a frigideira ao lume sem terem os ovos batidos... porque não havia ovos suficientes.
Outro drama foi a proliferação de sindicatozinhos. Fui um dos fundadores do sindicato dos Açores, que fazia parte do sindicato nacional, que era um único. Íamos a Lisboa a reuniões no fim-de-semana, juntávamo-nos em Ponta Delgada depois das horas lectivas, etc. Mais tarde, ser sindicalista passou a ser um lugar de conveniência para os dirigentes, muitos e pagos pelo próprio patrão contra quem lutam...
As ordens são entidades ridículamente corporativistas que deveriam ser extintas. Deveriam, isso sim, existir associações de profissionais, formadas livremente e com credibilidade,dimensão e notoriedade a terem de ser conquistadas e defendidas junto dos seus associados e na praça pública. Os professores e profissionais da educação já têm algumas e bem interessantes.
Quanto ao ensino, defendo que o principal papel deva pertencer a Comunidades Escolares formadas por cidadãos,associações e entidades locais (e do poder local), com a representatividade advindo da sua condição de parte integrante da sociedade e da prestação de contas pelo trabalho desenvolvido.Devem ser essas as entidades capazes de confrontar Governos, Sindicatos e Universidade com as suas obrigações perante este problema (problema que aliás nunca se extinguirá, a bem da nosso futuro).
Deixar e ensino exclusivamente nas mãos do Estado parece-me demasiado redutor e mesmo perigoso.
E depois somos confrontados com a etiqueta de que as Ordens são corporativistas, e a proposta das Comunidades Escolares (CE) como o "salva nos perimus".
A proposta da Ordem dos Professores (OP) não é minha, é do Rui Baptista, e não lhe reconheço ideias corporativistas. Também não vou dizer que a OP seja o salvatério da educação, como também não vou renegar as CE.
A malha da Educação tem contornos permanentemente mal definidos, e sem estabilidade, o que lhe confere o estatuto de estrutura desorganizada. A sociedade educativa é um arquipélgo de poderes - Estado, sindicatos, associaçõe - onde o braço da balança, por dar sinais de desequilíbrio, solicita a criação da OP, ou das CE, para que lhe sejam delegados poderes, os tais poderes que não foram concedidos aos Sindicatos, que aliviem a pesada carga do Ministério da Educação.
Se já deu entrada um pedido no Parlamento para a legalização da Ordem, não parece oportuna a diversão para outro tipo de enquadramento como o das CE, ou outras, porque, além de constituirem argumentos suficientes ao retardamento da legalização da OP, evidenciaria o diferendo entre os professores em matéria que deveria ser de comum interesse entre os professores.
A OP pode constituir a instituição equilibradora dos interesses do Estado comulativamente com os do professorado.
Com a elevação que se esperava por se tratar do tema da Educação, nos comentários aqui deixados encontram-se em confronto opiniões diferentes (mas não tão diferentes como possa parecer à primeira vista!) sobre ordens profissionais e sindicatos. Tentarei fazer um apanhado resumido das diversas opiniões expressas que poderão ser confrontados com a respectiva textura integral, obedecendo, apenas por razões de sistematização, a uma ordenação de ordem de publicação (com excepçãode José Luiz Sarmento que deixei para o fim). Assim:
1. Rui Baptista (RB) mostra-se incondicionalmente a favor da criação da Ordem dos Professores não desmerecendo a “acção meritória dos sindicatos”, embora cingida a questões laborais.
2. João Boaventura (JB), com o seu estilo característico de discutir os assuntos de uma forma cirúrgica sem utilizar, em situação de emergência, a simples faca de cozinha, ou até o próprio e muito usado bisturi, utiliza os raios laiser para ir directo ao assunto e com toda a precisão apelando ao “congregar de vontades a convergirem para o mesmo ponto”: a criação da Ordem dos Professores.
3. Daniel de Sá (DS), sem definir a sua posição quanto à criação da Ordem dos Professores, mostra-se saudoso dos tempos heróicos de um sindicalismo de entrega total e desiludido com o rumo actual dos sindicatos, pondo corajosamente o dedo na ferida: “Mais tarde, ser sindicalista passou a ser um lugar de conveniência para os dirigentes, muitos e pagos pelo próprio patrão contra quem lutam…”
4. “Mister p” não está com mais aquelas: julgando poder resolver o assunto de uma forma draconiana - “As ordens são entidades ridiculamente corporativistas que deveriam ser extintas”(sic.) -, acorre esbaforido em defesa de outras associações profissionais que especifica no seu comentário.
Em resumo, estão a favor da criação da Ordem dos Professores (RB e JB); não se pronuncia sobre essa criação (DS); está contra a criação da Ordem dos Professores “Mister p”.Por ser muito contudente no que respeita à criação de uma Ordem dos Professores, debruço-me sobre a respectiva opinião contra-argumentando eu (não me cabe a mim dizer se bem ou mal) da forma seguinte:
a) A organização corporativa do Estado Novo foi morta e enterrada com a Revolução de 25 de Abril.
b) A revisão constitucional de 1982 introduziu alterações à Constituição de 1976, entre elas a separação de fronteiras entre as ordens profissionais e sindicatos.
c) “Apud” o art.º 267.º, ponto 3, da actual Constituição, Título IX, “Administração Pública”,“as associações públicas [e as ordens profissionais gozam desse estatuto] só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas, não podem exercer funções próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na FORMAÇÃO DEMOCRÁTICA (as maiúsculas são da minha responsabilidade) dos seus órgãos.”
d) Por outro lado, como é consabido, a filosofia e a doutrina legislativas que têm presidido à criação das ordens profissionais (12 na actualidade) apontam estas, inequivocamente, como associações profissionais públicas que exigem como condição de inscrição uma licenciatura universitária (a criação da Ordem dos Enfermeiros, excepcionou esta obrigação exigindo apenas uma licenciatura politécnica) que se possa responsabilizar pela qualidade dos actos profissionais prestados pelos seus membros.
e) Em face da dúzia de ordens profissionais existentes (no caso específico da Saúde, existem já 4 ordens!), é simplesmente espantoso e deveras injusto que uns tantos licenciados sejam senhores do seu próprio destino e outros escravos submissos à vontade e arbitrariedade do Estado na formação de docentes de duvidosa qualidade.
f) Este “statu quo” tem consequências funestas para os jovens deficientemente formados e, por causa, correndo o risco de ser vítimas da chaga social do desemprego.
g) Na União Europeia, o comboio do desenvolvimento é posto em marcha pela locomotiva da Educação nele só viajando indivíduos com uma sólida formação; os outros ficarão na estação, ou simples apeadeiros, com o diploma da sua ignorância responsabilizando, mais cedo ou mais tarde, os diversos governos que encararam a sua preparação académica como um palco de feirantes e os professores como marionetas do reino da mediocridade, porque, como já deixou escrito o espanhol Jacinto Benavente (1912), “fala-se em cultivar terras e fala-se pouco no que mais importa – no cultivo de homens, a cultura humana”,
h) “Last but not least”, será que os professores não são merecedores da mesma dignidade estatutária dos médicos, advogados, engenheiros e outros profissionais que chamam a si e assumem a responsabilidade de actos profissionais de declarado interesse público devidamente regulamentados e salvaguardados por um código deontológico que defenda os direitos dos alunos e responsabilize os professores pelos seu deveres?
[A criação da ordem dos Professores] “Trata-se evidentemente de reflexão, e a irreflexão parece-me uma das principais características do nosso tempo” – Hannah Avendt, flósofa (1906-1975). Em nome do Ensino, peço essa reflexão para que a irreflexão não possa constituir argumento contra a criação de uma Ordem dos Professores e a paixão se não possa sobrepor à razão.
Parte da questão, penso poder transportá-la para o comentário inicial da autoria de José Luiz Sarmento: “A linguagem da reivindicação dura e da pressão é própria dos sindicatos e é a que lhes compete. A linguagem da qualidade e da formação profissional competiria a uma Ordem(…)”. Ao tempo verbal "competiria", prefiro, e defendo até à exaustão, este: COMPETE. A questão da criação da Ordem dos Professores é unicamente uma questão de tempo, porque, tal como o João Boaventura, defendo que "a Ordem pode constituir a instituição equilibradora dos interesses do Estado cumulativamente com os do professorado".
Eu vou bem longe na minha fé inabalável na sua criação.A exemplo de Vergílio Ferreira, "tenho esperança; é o que me vem sustentando: a esperança de que amanhã é que é!"
RECTIFICAÇÃO:
Na alínea d), do meu comentário imediatamente anterior, escrevi:"a criação da Ordem dos Enfermeiros, excepcionou esta obrigação [a posse de uma licenciatura universitária]exigindo apenas uma licenciatura politécnica".
Na verdade, impõe-se a devida rectificação que se faz em devido tempo. Reza o Artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º104/98, de 21 de Abril, que suporta a criação da Ordem dos Enfermeiros, que "o título de enfermeiro é atribuido aos profissionais habilitados com os seguintes cursos:
a) Curso de Enfermagem Geral ou equivalente legal.
b)Curso de bacharelato em enfermagem ou equivalente legal.
c) Curso de licenciatura em enfermagem ou equivalente legal" .
Assim, a exigência para a inscrição na Ordem dos Enfermeiros não se trata de uma licenciatura politécnica, mas, apenas, tem como exigência menor um curso médio técnico:"O Curso de Enfermagem Geral ou equivalente legal". A César o que é de César!
Meu Caro Rui Baptista
Não me pronunciei a respeito de uma hipotética ordem dos professores porque a questão me parece demasiado complexa. Por isso volto um pouco à história germinal do sindicato. As dificuldades iniciais de entendimento foram políticas. Quando participei pela primeira vez numa reunião nacional em Lisboa, já tinham acontecido outras que nunca haviam terminado com todas as representações presentes, facto que eu desconhecia. Por qualquer ocasional razão, fui eu que dirigi os trabalhos das várias sessões, e só no fim me disseram que, pela primeira vez, tudo decorrera sem conflitos. É que a representação do Norte (Porto) era do PPD; a do Centro-Norte (Coimbra) era do PS; a do Centro-Sul (Lisboa) era trotskista; a do Sul do Tejo (Setúbal) era comunista. E havia a da Madeira, além de eu mesmo (o único que estava sozinho pela respectiva região, os Açores).
Mal resolvidos ainda os conflitos partidários e regionais, começaram a surgir outros, relacionados com os graus de ensino, e o sindicato começou a desdobrar-se em vários. Depois, foi a conhecida subdivisão por áreas ou disciplinas.
Quanto à hipótese de uma ordem, o caso dos professores é muito distinto da generalidade dos outros, que englobam profissionais ditos liberais, como médicos, engenheiros, advogados ou farmacêuticos, que podem definir os seus objectivos segundo os interesses da classe, sem haver quem directamente interfira de fora. Quase à maneira das medievais guildas. Ora os professores fazem parte de um sistema nacional, dependente de órgãos tutelares do Estado, que não apenas lhes definem as condições de trabalho como proporcionam, ou pelo menos avalizam, as credenciais para exercer a profissão.
É perante estes condicionalismos que penso que a existência de uma ordem não será de utilidade muito superior à de um sindicato. O que nunca foi levado a sério foi a criação de um grupo de estudos pedagógicos e de currículos escolares, integrante de todos os graus de ensino e disciplinas, que servisse de interlocutor com o Ministério, e que ajudasse a harmonizar a passagem de um grau de ensino para outro (evitando saltos qualitativos com solução de continuidade) e garantisse a qualidade e a utilidade dos programas. Tendo em vista sobretudo esta finalidade, já que os sindicatos nunca se mostraram capazes de a enfrentar, a criação de uma ordem talvez fosse a solução para o vazio que a tal respeito se verifica.
Daniel de Sá denuncia o pensamento do Estado na matéria em apreço, dado que o papel do Estado é estar em permanente guerra contra a intromissão alheia em matéria que lhe é útil. Mantém uma estrutura musculada de que é espelho o panoptismo que o alimenta e lhe permite manter um domínio inviolável.
A prova evidente está em que ainda não saíu do Estado qualquer aprovação à petição da criação da Ordem dos Professores (OP), arquivada na pasta do esquecimento como forma de resposta iníqua.
Aduz ainda que as Ordens dos médicos, advogados, e outras, contempla profissões liberais, como se no professorado não as houvesse. Relembro apenas que a Ordem dos Médicos não se tem coibido de censurar o Ministro da Saúde em matéria que lhe assiste, nem o dos Advogados de criticar o Ministro da Justiça.
Refere ainda a dificuldade perante a diversidade dos graus de ensino e disciplinas, o que é incontestável, mas relembro que a Ordem dos Médicos contempla um leque de especialidades maior, facto que não impede o seu funcionamento; o mesmo retrato se faz da Ordem dos Advogados e da Ordem dos Engenheiros.
O que não se pode aceitar é a perfeita glorificação dominante do Estado que, resolvendo mal a problemática da educação nacional, se permite guerrear a contribuição dos supostos dominados, fugindo ao diálogo sobre a formação da Ordem dos Professores, e permitindo-se ostensivamente não responder à petição.
Herbert Spencer, no seu "The Man versus the State" (1884), já tinha avisado, no 2.º parágrafo da Introdução:
"Reduced to its simplest expression, the thesis maintained was that, unless due precautions were taken, increase of freedom in
form would be followed by decrease of freedom in fact. Nothing has occurred to alter the belief I then expressed. The drift of legislation since that time has been of the kind anticipated. Dictatorial measures, rapidly multiplied, have tended continually to narrow the liberties of individuals; and have done this in a double way. Regulations have been made in yearly-growing numbers,
restraining the citizen in directions where his actions were
previously unchecked, and compelling actions which previously he might perform or not as he liked; and at the same time heavier
public burdens, chiefly local, have further restricted his freedom, by lessening that portion of his earnings which he can spend as he pleases, and augmenting the portion taken from him to be spent as public agents please."
Estamos em 1884?
Meu Caro João Boaventura
Não percebi bem o seu 3º parágafo e não concordo muito com o 4º. Se fôssemos a uma discussão filosófica, eu até estaria do seu lado quanto a haver tantas diferenças na classe dos Médicos quanto na dos Professores. Na prática, não é bem assim. E, quando eu disse profissionais liberais, referia-me a profissionais não sujeitos ao Estado, não aludindo pois ao seu espírito livre.
Quanto ao Herbert Spencer, meu Caro, leia calmamente, e vá pensando. Noventa anos depois estávamos praticamente assim. Hoje... (Desculpe-me... a Sr.ª Secretária de Estado não incluiu os blogues no número de lugares onde pode falar-se mal do Governo.)
Até ao momento não vejo que vantagens terá usufruído a sociedade com a existência das Ordens Profissionais.
As de maior visibilidade nem me parecem excepcionalmente interessadas na resolução dos problemas da saúde ou da justiça, para alem de criticas ou pontuais ou demasiado vagas relativamente à actuação do estado enquanto responsável pela administração dos respectivos sistemas.
Por isso não creio que uma Ordem dos Professores, guardiã de um código deontológico definido inter pares e com intervenção exclusiva no acesso ao estatuto profissional mas apenas teóricamente interessada e sem qualquer responsabilidade assumida na definição de políticas educativas, possa ser apresentada como "instituição equilibradora dos interesses do Estado comulativamente com os do professorado".
Devo acrescentar que não encaro a existência de Ordens Profissionais como prejudiciais à Democracia ou com efeitos negativos na Sociedade; apenas contesto que um enquadramento classista seja legitimado pelo direito público. Acrescento ainda que, sendo defensor do papel decisivo das elites no desenvolvimento das sociedades, acho que este estatuto deve ser conquistado e sempre posto em jogo, mas nunca advir de legitimação apriorística.
Quanto ao sistema educativo (e apenas falando no básico e secundário), estou convicto de que parte significativa do problema advém do desinteresse generalizado dos cidadãos. E como menos educação = menos cidadania, há necessidade de inverter esta espiral, o que só poderá ser feito com a motivação pela criação de responsabilides próximas às comunidades. Daí crer que as Comunidades Escolares poderiam ter um efeito decisivo com efeitos práticos no desenvolvimento educativo e na génese de uma cidadania responsável.
E acho que qualquer autarca candidato à Câmara e à Junta de Freguesia deveria obrigatóriamente apresentar ao concidadãos eleitores a sua política para o ensino, as sua opinião acerca do trabalho desenvolvido e a desenvolver nas escolas locais e o grupo de cidadãos e entidades que propõe para a Comunidade Escolar.
Meu Caro Daniel de Sá:
Muito grato pela sua contribuição para uma possível, desejável e reflectida troca de pontos de vista que possa propiciar que apareça um novo Alexandre, “O Grande”, que desembaínhe a espada e desfaça o verdadeiro nó Górdio que tem representado a criação da Ordem dos Professores.
A seu exemplo, também eu tenho experiência sindical (fui fundador do Sindicato Nacional dos professores Licenciados, sendo, desde o início, até hoje, já são passadas mais de uma dezena de anos, presidente da respectiva Assembleia Geral). Quiçá, por isso mesmo, não desmereça o papel dos sindicatos num contexto próprio e civilizado do tratamento das questões laborais, "tout court". A criação de uma Ordem dos Professores, preencheria o vazio de uma terra de ninguém, reunificando os chamados professores (assim havidos através de um mero exercício profissional) pulverizados por 14 sindicatos, situação que aproveita o ministério da Educação sem aproveitar a Educação e os seus mais directos e importantes agentes: os professores.
Que fique bem claro e sem qualquer equívoco: as ordens profissionais não se podem substituir aos sindicatos (ponto 3, do art.º 267.º, da Constituição Portuguesa). Numa linguagem plebeia (sei correr o risco de ser tido como elitista por esta adjectivação!): “Cada macaco no seu galho”. A inexistência de uma Ordem dos Professores tem criado um terreno movediço que tem sido bem aproveitado pelo Estado (e até pelos próprios sindicatos, quando exorbitam nas suas funções!) para assumir essas funções, e assumi-las mal. Desta forma, substitui-se a pesada e burocrática máquina do Estado , e julgo que um tanto ou quanto abusivamente, a desempenhos que deviam ser assumidos de pleno direito pelos professores por serem do interesse público que bem se cumpres através da regulamentação da profissão, atribuição do título de professor e estabelecimento de um código deontológico.
Ora, “só uma política inspirada na preocupação de atrair e de promover os melhores, esses homens e mulheres de qualidade que todos os sistemas de educação sempre celebraram, pode fazer do ofício de ensinar a juventude o que ele deveria ser; o primeiro de todos os ofícios” – Pierre Bordieu (1930-2002), festejado sociólogo francês que dedicou um interesse especial às questões relacionadas com a Educação. Terá sido essa a política seguida por um dos ministérios da tutela quando, por exemplo, determinou uma involução na formação dos professores permitindo que a docência do 2.º ciclo do ensino básico pudesse ficar a cargo simultâneo dos professores diplomados por universidades e escolas superiores de educação quando, até então, estava a cargo exclusivo dos licenciados universitários? A qualidade do ensino estará na razão inversa da qualidade da formação dos professores? Ou seja, um ensino é tanto melhor quanto pior for a formação dos professores?
Bem sei que um dos óbices, que se quis como inamovível Rochedo de Gibraltar, levantado à criação da Ordem dos Professores foi o entendimento sobre profissão liberal. O desafio era grande impondo-me um estudo sobre o assunto publicado numa tríade de extensos artigos de opinião no “Correio da Manhã”, com o título de “Subsídios para a criação de uma Ordem dos Professores”, e os subtítulos “O Leitode Procusta”(1), “Definição de profissão Liberal” (2) e “Breve historial das Ordens” (3), respectivamente, em 15, 16 e 17 de Novembro de 1995. Sobre o entendimento actual e “lato sensu” de profissão liberal, no segundo artigo, consubstanciei-me num parecer do então bastonário da Ordem dos Advogados e distinto jurista, Dr. Lopes Cardoso, sobre o assunto:
“É necessário que, mesmo quando exercida em regime de contrato de trabalho, essa profissão seja reconhecida socialmente como relevante de grande valor precisamente porque exigindo, pelo menos, uma independência técnica e deontológica incompatível com uma relação laboral de pleno sentido. Com efeito, como tem sido defendida doutrinariamente, a noção jurídica de subordinação aparece no direito moderno como perfeitamente compatível com a independência técnica do assalariado. Ela significa apenas uma dependência na organização geral e administrativa do trabalho”.
Por isso, por exemplo, o Estatuto da Ordem dos Advogados, que cito como do meu melhor conhecimento, teve o cuidado de, ao admitir expressamente o exercício da advocacia em regime laboral, esclarecer que o ‘contrato celebrado pelo advogado não pode afectar a sua plena isenção técnica perante a entidade patronal’” (“Cadernos de Economia”, Publicações Técnico-Económicas, Ld.ª, ano II, Abril/Junho de 94).
Julgo não oferecer dúvida que o professor satisfaz o requisito de produzir um trabalho de natureza intelectual, como duvidoso me não parece que ele cumpre a condição de reconhecimento social que o põe a coberto da distinção que em Roma Antiga se estabelecia entre profissões livres e profissões servis. Pela inexistência de uma Ordem dos Professores, a orientação dos sistemas público e privado dos diversos graus de ensino, sem uma responsável audição dos seus mais representativos representantes, tem constituído uma penosa via sacra para os docentes flagelados pelo látego impiedoso de legíferos de leis mal feitas e mal interpretadas para satisfazer o apetite de pequenos tiranetes que enxameiam a Administração Pública e o próprio Poder Político.
“Ipso facto”, cumpre a todos os professores, sem excepção, no início ou no topo da carreira docente, ou a ela candidatos, sem solidariedades sindicais ou políticas entravadoras, comungarem duma estratégia intransigente para a criação da Ordem dos Professores,porque a melhor forma de estarem na vida e na profissão é não aceitarem passivamente um destino sem honra nem glória. Compreenderam-no os profissionais das ordens já criadas, de outras que se encontram na calha de serem criadas ou de aqueloutras que se manifestam publicamente a favor da respectiva criação. Só ainda o não compreenderem os professores!
Este “statu quo” não pode deixar de me trazer à memória a história de uma deliciosa ingenuidade de uma mãe que ao ver o seu filho a desfilar numa luzidia parada militar se volta para os circunstantes e diz alto e bom som, com indisfarçável orgulho: - “Todos levam o passo trocado, só meu filho leva o passo certo!” Será que só os professores é que marcham com o passo certo?
P.S.: Caro "mister p":
Quando me aprestava a publicar este meu comentário, tomei conhecimento do seu que veio enriquecer este debate porque, como defendeu Ortega y Gasset,"há tantas realidades quantos os pontos de vista; o ponto de vista cria o panorama".Fico-lhe agradecido pelo seu ponto de vista.
Cordiais cunprimentos
Rui Baptista
Meu Caro Rui Baptista
Como dei a entender no final do meu comentário, que tão amavelmente analisou com aquela clareza de raciocínios que faz com me identifique por norma com tudo o que tenho lido por si escrito, eu compreendo que só uma Ordem dos Professores resolveria, ou pelo menos poderia ajudar a resolver, muitos problemas que os sindicatos jamais resolverão, a não ser que mude a natureza humana. Quando, nos primeiros anos da nossa saudável convulsão social da liberdade como coisa nova, alguns modestos assalariados me diziam que o que eu queria era que se mudassem para o PS, eu respondia-lhes que os papéis estavam em parte trocados: eu é que deveria andar pela direita política, enquanto que eles deveriam estar até era no PC. E explicava-lhes que a classe média é que acabaria por lucrar mais economicamente com a revolução, enquanto que eles ficariam sujeitos às boas vontades dos governos. (Falhei em parte, porque a alta finança cada vez mais nada num mar da facilidades, inversamente proporcional às dificuldades dos pobres.)
Quero com isto chegar ao ponto que aflorei no meu comentário. Os sindicatos terão sempre tendência de defender os “direitos dos seus trabalhadores, como se a sua classe fosse a que mais merece o Céu na Terra. Os nossos, meu Caro Rui Baptista, não fogem à regra. Por isso só uma Ordem poderia, de facto, assumir a responsabilidade de gritar todas as nudezes de todos os reis que nos têm desgovernado.
Venha, pois, a Ordem, para pôr ordem nisto.
Um abraço.
Daniel de Sá
A eloquência do discurso do Professor Rui Baptista há muito nos tem vindo a revelar um profundo conhecimento dos temas que aborda e, simultâneamente, o temor com que alguma (muita) da mediocridade mandante manifesta ao abordar a questão da existência de uma Ordem de Professores.O Estado continua a reconhecer capacidade de auto-regulação a enfermeiros, economistas,..., mas a professores nem pensar. Muitos dos professores não se vendem, pensam, não têm filiação partidária,não estão sindicalizados,... em suma não são facilmente controláveis pelas pseudo-ditaduras das maiorias.
Ao Professor Rui Baptista a minha homenagem pela sua coerência e determinação a bem da Educação em Portugal.
...e o teclado continua a escrever sozinho... retiro um "com" e um circunflexo "^" no simultaneamente.
"Em suma, degradou-se a profissão docente, prejudicou-se a qualidade do ensino, meteu-se no sistema muito incompetente por inflação de classificações que são regra nas instituições menos qualificadas, e impede-se agora a profissionalização a muitos que poderiam dar bons professores, mas que estão impossibilitados pelo entupimento do sistema. Em suma, uma série de erros em cadeia onde falta de planeamento e de visão, oportunismo, presunção, razões de baixa política, pura ganância e amadorismo se misturaram para prejudicar o País num grau incalculável."
Só dei com este artigo hoje e quero agradecer-lhe, do fundo do coração, tê-lo um dia escrito.
Para me profissionalizar, tive que tirar um curso numa ESE, inteiro, que eles fazem tábua raza do CV de um professor não profissionalizado. Para os efectivos, a coisa fazia-se me 2 anos. Para os contratados, a coisa teve que ter 4 anos...Há uns anoas trás, os actuais quadros de escola na casa dos 50 anos, 40 e poucos, viram o tempo de serviço contado na íntegra. Eu não.
Isto foi antes desta nova oportunidade surgida há 2 anos para as profissionalizações em serviço. Durante os 4 anos do curso, não consegui dar aulas, era impossível fazer o curso num período de tempo razoável e estar no sistema de ensino ao mesmo tempo. Impôs-se uma escolha, priorizar as vertentes. Optei por agarrar-me ao curso, para despachar.
Saí de lá, tiraram-me meio ano de serviço por cada ano antes da profissionalização, para efeitos de concurso. Caí nas listas de forma absurda.
Vi e vejo ainda miúdas, e outras já não tão miúdas, que muitas vezes mal sabem escrever, passar-me à frente com notas escandalosas.
Está aí um novo concurso à porta.
Mais uma vez, andarei com o credo na boca e serei ultrapassada por garotada de 25, 24, 23 ou 22 anos que saem com 16,17;
Tirei a licenciatura na ESE já depois dos 30, com um filho pequeno em casa, grávida de outro que nasceu no meu 3º ano. Comi o pão que o diabo amassou e ainda ando a comê-lo..
Sinto-me o Calimero..
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