sábado, 29 de setembro de 2007
Nanopartículas e segurança
Há uns tempos a Samsung lançou uma linha de produtos a que chamou Silver NanoTM Health System (sistema de saúde Silver Nano) que garantia eliminar 99.9% das bactérias presentes no ar, nos alimentos e nas roupas. Os electrodomésticos estão dotados de placas de prata e durante o funcionamento a prata é oxidada electroquimicamente a Ag+ e são estes iões os responsáveis pela acção bactericida. Lembro-me de há uns anos ver publicidade a electrodomésticos louvados pelo seu «poder ionizador» mas aparentemente a ionização passou de moda e o o hype actual é anteceder qualquer produto com o prefixo nano, sejam produtos cosméticos ou alimentares . Só assim se percebe porque razão a Samsung resolveu incluir o termo Nano na designação destes electrodomésticos que não assentam em nanopartículas.
Na realidade, como o Carlos já explicou, poderíamos referir toda a química como ocorrendo em nano escalas e certamente nenhum químico ou físico considera um ião (ou uma molécula) uma nanopartícula. Os electrodomésticos da Samsung não cabem assim naquilo a que chamamos nanotecnologias.
A distinção entre iões e nanopartículas é tão óbvia que não deveria ser necessário fazê-la, mas o facto de a US Environmental Protection Agency (EPA) se ter sentido obrigada a explicá-la, em relação a esta linha de electrodomésticos, é um pequeno sintoma, ou antes, um nano-sintoma, de um macro problema: a incompreensão pública de ciência que permite este tipo de publicidade.
Assim, dia 21 de Setembro a EPA emitiu um esclarecimento em relação a estas máquinas de lavar roupa, posteriormente ainda mais clarificada:
«Embora artigos recentes na imprensa se tenham referido a uma máquina de lavar roupa com iões de prata como um produto nanotecnológico, a EPA não tem informação que sugira que este produto usa nanotecnologia».
Em causa estão as parangonas que tinha merecido em Novembro último a classificação da referida máquina pela EPA como pesticida - porque os iões de prata se poderiam concentrar nas estações de tratamento de águas residuais matando as batérias que são utilizadas para tratar a água. A imprensa norte-americana anunciou o evento como «EPA regula nanotecnologia pela primeira vez», quando na realidade não houve qualquer regulação de nanoprodutos e, como relatou a Chemistry World, a EPA, assim como os restantes organismos reguladores americanos, não fazia sequer ideia, na altura, como avaliar os nano efeitos quanto mais regulá-los.
Embora os electrodomésticos da Samsung não recorram a nanopartículas de prata, estas - assim como as correspondentes de ouro - são utilizadas em inúmeras aplicações, nomeadamente médicas, como meias contra o pé de atleta ou os lençóis e pijamas actualmente em teste contra infecções hospitalares no hospital Lister, na cidade britânica de Stevenage, particularmente contra as causadas por estafilococos aureus resistentes à meticilina (MRSA).
Claro que os charlatães estão em cima do acontecimento e embora este produto em particular apenas me pareça banha da cobra - não consigo perceber o que é suposto fazer para além do óbvio - , muitas panaceias «alternativas» vendidas nos Estados Unidos que exibiam nanopartículas de prata ou prata coloidal no nome ou na publicidade, foram reconhecidas como fraudes, algumas perigosas já que a ingestão prolongada de prata pode causar argiria. O problema pode ser resolvido com o uso de nanopartículas de prata de dimensões controladas e em torno de 100 nm, mas uma característica de todos os charlatães é que só pensam na respectiva conta bancária e na melhor forma de vender a sua aldrabice sem qualquer consideração pelas consequências desta.
Não só os intrujões se aproveitam infamemente e sem escrúpulos da ciência para vender as banhas da cobra respectivas, sejam «nano» partículas ou «vibrações» quânticas, como muitos pensam que tudo o que luz é ouro – ou prata. Embora as nanotecnologias sejam extraordinariamente promissoras em inúmeros campos e de utilidade reconhecida em muitos outros, por exemplo, «drug delivery» - com controvérsias recentes, agora no que a preços diz respeito -, e prometam revolucionar o mundo como o conhecemos, muita da ciência subjacente está ainda na sua infância. E se os cientistas são cautelosos em relação a possíveis efeitos adversos e insistem que o impacto a vários níveis das nanopartículas deve ser melhor estudado, essas preocupações pareciam estar ausentes de algumas empresas que comercializam nanoprodutos sortidos.
A Europa no aspecto da segurança das nanotecnologias vai muito à frente do resto do mundo e só precisamos ter cuidado com produtos «alternativos» que por razões que nunca percebi não são regulados como os produtos «convencionais». De facto, a União Europeia é responsável por um terço do investimento público mundial em ciência nesta área (embora em investimento privado esteja muito atrás dos Estados Unidos ou Japão) e está consciente deste problema. Para além de uma aproximação integrada ao financiamento de projectos em nanotecnologias, em que as considerações de segurança têm uma importância central, os legisladores europeus estão atentos à necessidade de regulamentação da área, nomeadamente:
«The European Commission is currently undertaking a review of existing legislation to see whether the current regulatory framework appropriately addresses health, safety and environmental risks. Moreover, it has taken steps to establish an observatory to provide decision-makers with dynamic assessments of scientific and market developments.»
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