domingo, 30 de setembro de 2007

FOGO NO CÉU


Desde tempos imemoriais que o homem conhece o fogo que, através do feérico espectáculo dos vulcões, provém do interior da Terra. Da observação da lava a sair da boca das crateras se concluiu a existência de matéria a alta temperatura no interior da Terra. Os antigos elementos gregos fogo e terra aparecem, portanto, frequentemente associados. E vem talvez daí a ideia antiga da localização do inferno no interior do nosso planeta…

Mas não menos espectacular que o fogo na Terra é o fogo no céu. De facto, a associação dos antigos elementos químicos fogo e ar também é comum porque o fogo arde, evidentemente, no ar. Mas fogo no céu? Sim, o fogo aparece no céu quando, mais ou menos perto da Terra, passam cometas, meteoros ou asteróides. Fala-se de cometas no caso de pequenos astros do sistema solar, com núcleo, cabeleira e cauda, que efectua uma órbita, geralmente muito alongada e não necessariamente periódica, em torno do Sol. Fala-se de meteoros ou de “estrelas cadentes” quando um rasto luminoso percorre o céu. Essa provém do atrito de um ou mais fragmentos celestes (meteoróides) em queda na atmosfera terrestre. Os meteoritos são os restos observados na Terra de meteoróides. E, finalmente, fala-se de asteróides no caso de pequenos corpos que gravitam em torno do Sol. Há relações entre estes fenómenos celestes: algumas chuvas de meteoróides estão associadas à passagem de cometas; um asteróide pequeno é, ao fim e ao cabo, um meteoróide. E alguns asteróides não passam de antigos cometas.

O céu é, embora ocasionalmente, palco de violentas travessias de corpos incandescentes. Não admira que esses fenómenos entrem na cultura popular ou que sejam mesmo imortalizados por artistas. Sejam eles cometas, meteoros ou asteróides, os fenómenos de fogo no céu sempre foram perturbadores e mesmo assustadores para os habitantes da Terra. A aparição de fogo no céu atenta contra o lugar comum segundo o céu é um sítio de paz e tranquilidade. Perante a surpresa, podemos ser tomados pelo pânico!

A moderna cultura popular soube transmitir os maus augúrios associados ao fogo no céu. Abraracourcix, um personagem da série “Astérix”, só tem medo que o céu lhe caia na cabeça, isto é, que meteoritos, asteróides, etc. caiam na Terra. No álbum “A Estrela Misteriosa” das aventuras de Tintim, um asteróide embate na Terra, entrando nas águas do Atlântico Norte. De início temia-se o fim do mundo, mas depressa se percebe que é apenas um fenómeno natural que precisa de ser estudado. Na junta de cientistas que se reúne para o estudar conta-se um físico da Universidade de Coimbra, chamado Pedro João dos Santos (não houve nenhum físico com esse nome em Coimbra, embora tenha havido um João de Almeida Santos). A ilha formada pelo asteróide acaba por se afundar no oceano, dela só se salvando, a bordo do navio expedicionário “Aurora”, algumas estranhas amostras rochosas.

Os artistas visuais também não ficaram indiferentes a esse tipo de fenómenos. Em Inglaterra, onde no século XVII o astrónomo Edmund Halley profetizou o regresso do cometa que tem hoje o seu nome, vários artistas fixaram nos seus quadros a passagem de cometas pelo céu. Assim, quando em 1985-1986 o cometa Halley reapareceu nos céus (muita gente deve estar ainda recordada dessa reaparição) a Smithsonian Institution realizou uma notável exposição em Washington D.C. sob o título “Fire and Ice: A History of Comets in Art” (catálogo da autoria de Robert Olson, New York, 1985). A exposição mostrava vários quadros representando cometas e o espanto que estes causavam. A contribuição dos cometas para a arte britânica foi muito bem estudada no livro “Fire in the Sky. Comets and Meteors, the Decisive Centuries, in British Art and Science” (Roberta Olson e Jay Pasachoff, Cambridge, 1998).

É bem sabido que a ciência pode inspirar a arte. Mas, por outro lado, representações artísticas podem inspirar missões científicas. Com efeito, a Agência Espacial Europeia (ESA) lançou em 1995 uma sonda de reconhecimento ao cometa Halley que chegou a cerca de 500 km de distância do núcleo para recolher dados e tirar fotografias e o nome dessa sonda - "Giotto" - era uma homenagem ao grande pintos florentino Giotto di Bondione, que nos deixou uma bela representação do cometa Halley (antes de ele se chamar Halley) no quadro “Adoração dos Magos”, patente numa capela de Pádua e datado de 1301. De facto, a presença do Halley perto da Terra foi já assinalada pelo menos 24 vezes no mundo ocidentall e pelo menos 28 vezes na China (cada habitante da Terra, em geral, só vè uma vez o Halley na vida, pois ele demora 76 anos a voltar: eu já vi!).

Outro grande pintor que representou cometas e meteoros foi o inglês Joseph Mallorde William Turner. Esse grande especialista da luz e da cor observou o Halley em 1835-1836. E representou numa aguarela, a partir da qual se fez uma gravura, um cometa sobre o palácio de Fontainebleau, onde mostra a abdicação de Napoleão. A imagem pode ser pouco realista mas o simbolismo é evidente: a “queda da estrela” é ligada à decadência do imperador francês. O que se passava nos céus era apenas um presságio do que ocorria na Terra...

E muitos outros artistas representaram cometas: merece destaque em Inglaterra um quase homónimo do anterior – William Turner de Oxford (outro Turner, contemporâneo do referido acima), que pintou o cometa Donati (ver imagem em cima), aparecido apenas em 1858 (talvez tenha também aparecido ao poeta romano Séneca em 146 a. C., mas não há a certeza que seja o mesmo). Em Portugal há uma representação de um cometa num mosaico na igreja do Convento de Santa Joana, onde se situa o Museu de Aveiro.

Hoje em dia cometas, meteoros e asteróides continuam a aparecer, para delícia dos astrónomos, amadores ou profissionais, e para receio de muito boa gente, nomeadamente os cidadãos menos prevenidos para os fenómenos naturais. Continua a haver quem receie que o céu lhe caia em cima da cabeça... Não nos iludamos: os meteoritos caem mesmo e ninguém está livre de apanhar com um no telhado da sua casa)? Embora muito remota (esteja o leitor descansado!), existe sempre a probabilidade da colisão de um asteróide com a Terra com consequências catastróficas. Pois não vimos há anos o cometa Shoemaker-Levy a cair sobre o planeta Júpiter?

De vez em quando os media veiculam notícias, mais ou menos alarmantes, sobre a queda de asteróides. A história de “A Estrela Misteriosa” parece tornar-se verídica quando nos jornais é relatada a aproximação de um pequeno astro à Terra. Esses corpos, pequenos mas com dimensões suficiente para poderem causar mossa ao nosso planeta, têm passado felizmente ao largo, muito ao largo. Não é fácil fazer as contas de modo a obter resultados suficientemente precisos sobre uma dessas trajectórias, mas não há até agora a menor indicação em abono de risco de colisão nos próximos tempos. Mas uma legião de astrónomos, profissionais e amadores, está atenta. Um dia pode até ser que se torne real uma história de ficção científica, já aproveitada pela indústria cinematográfica, na qual uma expedição temerária consegue fazer explodir um asteróide em rota de colisão com a Terra. Não sabemos quando a ficção mais delirante se vai concretizar…

8 comentários:

Anónimo disse...

"Um personagem da série “Astérix” tem medo que o céu lhe caia na cabeça, isto é, que um meteorito ou asteróide caia na Terra"

Na BD "Astérix", todos os gauleses têm medo que o céu lhes caia na cabeça. E isto não é que um meteorito ou asteróide caia na Terra.

O resto do Post alinha na mesma pobreza.

Anónimo disse...

N' A estrela misteriosa" o objecto não tinha dimensões que causassem estragos. Aliás ele caiu e não provocou qualquer catástrofe geofísica. Os danos foram a outro nível.

Anónimo disse...

Achei esta explicação preciosíssima no que concerne ao seu aspecto pedagógico pois por esta elaborei uma história para contar aos meus filhos que, conjuntamente com os sistemas astrofísicos que possuo, lhes permitirá mais facilmente aprenderem estes aspectos. Agora, no que concerne ao Asterix e à aldeia Gaulesa quem não estiver de acordo - como eu também não estou, mas autora também não pode saber tudo (o dia só tem 24 horas) -, sempre se pode contentar com o martelo de Thor hahahahahaha
À autora, um muito obrigado pela exposição que elaborou.

Anónimo disse...

Peço imensa desculpa ao Professor Carlos Fiolhais por me dirigir 'à autora' e não 'ao autor' como o deveria ter feito mas já o manifestar-me na língua Portuguesa não é nada mau.

JSA disse...

Um outro pormenor lamentável no post foi a ideia que seria possível seguir o conceito aproveitado em filmes (plural, Prof. Carlos Fiolhais, houve já muitos filmes nessa temática) de explodir com um asteróide ou um cometa. A verdade é que provavelmente não seria possível fazê-lo (talvez um cometa...) e, mesmo que fosse possível, apenas se garantiria que os pedaços chegariam à Terra radioactivos.

Não digo que a tecnologia futura não o permita, mas seria com uma lógica totalmente diferente.

marcia adriana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Ai nada a vê cara ¬¬ ;D

Anónimo disse...

poxa isso é mesmo inacreditavel meu deus ate parece que o m undo vai se acabar!!!
nome:jessica
idade:23

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Otília Pires Martins, teve a amabilidade de me enviar notícia da publicação, a título póstumo, do último livro de Eugénio Lisboa , Manual Pr...