terça-feira, 11 de setembro de 2007
ÉTICA NA CIÊNCIA
Este artigo vem a propósito da próxima reunião internacional sobre “Integridade na Investigação” que se realiza na próxima semana, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa:
Toda a gente estará recordada do escândalo da fusão fria em 1989. Numa conferência de imprensa realizada no estado de Utah, Estados Unidos, foi anunciado um resultado científico importante antes da sua publicação por uma revista com arbitragem pelos pares. Mais tarde mostrou-se que a experiência não era reprodutível. Os autores caíram em descrédito na comunidade científica.
Algo semelhante aconteceu anos depois, em 2002, com um jovem investigador alemão que trabalhava na Bell Telephones, em New Jersey, também nos Estados Unidos. Foi acusado de ter repetido os mesmos gráficos em artigos diferentes sobre sistemas nanotecnológicos diferentes. O facto levantou sérias suspeitas sobre a validade dos seus trabalhos, suspeitas essas que se vieram a avolumar. Na sequência do inquérito que se seguiu, vários artigos vieram a ser retirados, o que significa que, apesar de publicados, foram dados como inexistentes. E o investigador viu-se arredado dos laboratórios. Na polémica então ocorrida escreveu Paul Grant, um investigador de Palo Alto, Califórnia:
“Se está a jogar o jogo da física experimental, outra pessoa terá de reproduzir os seus resultados sob pena de ficar fora de jogo. Se tem um resultado excitante que pode dar-lhe um prémio Nobel, a primeira coisa a fazer, depois de o ter publicado e de ter pedido a patente, é fazer com que o seu pior competidor reproduza esse resultado, ajudando-o mesmo se necessário”.
Uma norma da investigação científica consiste em verificar repetidamente e com o maior cuidado todos os conteúdos que vão ser submetidos a publicação, evitando erros triviais ou sofisticados. E evitando, acima de tudo, a fraude grave que é o erro pior: a invenção, parcial ou total, de resultados. Essa invenção faz-se por vezes através de manipulação de dados, que consiste em escolher acintosamente os dados que mais interessam a um certo propósito, escondendo os outros, que poderão levar a uma outra conclusão. É a excepção, mas já aconteceu várias vezes (não foi só nos dois casos referidos!) a destruição de uma carreira de cientistas que forjaram resultados. Em ciência, o erro é permitido e até frequente pois a eliminação do erro é o propósito da ciência. Mas a fraude - o erro deliberado – é a “morte do artista”.
Não há talvez outra actividade humana que seja ciência tão exigente do ponto de vista ético. Não se pode fugir à verdade. Não se pode fugir à avaliação pelos pares, que em geral permite evitar o erro. Não se pode desrespeitar os outros. Não se pode desrespeitar a inteligência dos outros. Aprender a fazer ciência implica sempre interiorizar preceitos desse tipo: um jovem cientista, que normalmente faz a sua aprendizagem junto de um ou mais cientistas seniores, começa por aprender essas normas, não de uma forma teórica, mas na prática ao preparar e divulgar os seus próprios trabalhos.
A luta contra a batota é uma marca inalienável da ciência, Quando um batoteiro é apanhado num laboratório ou instituto de investigação, ele fica em apuros. Há, claro, várias formas de batota. Batota pode ser a cópia ou a referência a resultados de outros sem a atribuição do devido crédito aos seus autores. Esta forma de batota devia ser activamente combatida na escola: logo nos bancos da escola primária dever-se-ia aprender para a vida toda que um roubo intelectual é tão roubo como um roubo material. Batota é ainda publicar artigos irreprodutíveis ou incompreensíveis por lhes faltarem dados essenciais. A confirmação por outros é necessária a qualquer resultado científico. Batota é também um avaliador atrasar ou impedir a publicação de um trabalho porque tem em curso um seu trabalho relacionado com aquele ou ainda usar em proveito próprio informação privilegiada. Na investigação científica como em várias outras actividades humanas há o chamado "conflito de interesses".
Há quem pense que a ciência é um conjunto de resultados. Decerto que ela é um conjunto de resultados, que representam numa dada altura o melhor conhecimento que o homem tem do mundo. Mas a ciência não é só isso. Além de corpo de conteúdos é também o método para os obter, validar e ampliar. E esse método, que tão boas provas tem dado, socorre-se de um conjunto de valores que são universais. A verdade poderá ser difícil de definir, mas toda a gente percebe o que significa na prática o “amor à verdade”. O respeito poderá ser um conceito vago, mas é claro em casos práticos o que é o “respeito pelos outros”. Tanto o amor à verdade como o respeito pelos outros fazem parte do método da ciência.
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5 comentários:
O problema sobre a exactidão é sermos sistematicamente bombardeados:
- com valores, nomeadamente na Economia, que depois não se verificam, e normalmente são piores, e não sucede nada;
- resultados/decisões dados como válidos, não se sabe como, como sucede no futebol;
etc.
Assim nenhuma criança na escola se convence sobre a necessidade do RIGOR.
Exacto Carlos Fiolhais, gostei bastante deste post, mas quem defende a ética jamais poderá estar do lado de qualquer tipo ou forma de Competitividade, competição ou jogo, vindo assim confirmar o que eu contestei no seu post >>> MENTES BRILHANTES.
E depois é bom que não esqueçamos que ao lado da Ética temos também a Estética para que se efective com toda a seriedade e com sensibilidade, uma boa Educação, uma boa investigação, um bom ensino e um bom trabalho com todo o rigor e seriedade. Viver em Ética e Estética é caminhar na procura da Verdade e é nessa fusão que os pretensos Pensadores da Filosofia e das Ciências deviam de saber encimar esse Entendimento.
Alice
Acho o post muito interessante!
Gostei que referisse que "Batota pode ser a cópia ou a referência a resultados de outros sem a atribuição do devido crédito aos seus autores. Esta forma de batota devia ser activamente combatida na escola: logo nos bancos da escola primária dever-se-ia aprender para a vida toda que um roubo intelectual é tão roubo como um roubo material".
Por acaso tive a sorte de ter tido professores que sempre me alertaram para o facto de que nunca devemos utilizar palavras de outras pessoas como sendo nossas. E ao longo de todo o meu percurso académico tive sempre a preocupação de cumprir este ensinamento. E é com muito espanto da minha parte que ainda hoje, estudante universitária, me deparo com pessoas que não ligam nenhuma às fontes, ou seja às referências bibliográficas! Tenho tido algumas discussões um pouco acesas com certos colegas justamente por isso: querem utilizar referências "aleatórias" em trabalhos que supostamente deveriam primar pelo rigor científico!
Fico feliz por existirem pessoas a alertar para estas questões éticas, o que me deixa a certeza que, em certos momentos em que me impus, agi bem!
A. Marques
A Cimeira da U.E. ocorre num momento em que os preços dos cereais atingem cumes nunca vistos.
Por sua vez, estes aumentos bruscos de preços têm a sua lógica dentro da lógica do mercado. É porque a U.E. faz uma aposta forte nas «energias renováveis» em particular no bio combustível.
Assim, o assunto das sementes transgénicas para a agricultura está completamente relacionado com a sua utilização para produção de bio combustível.
Torna-se urgente esclarecer a opinião pública, de que os processos ditos «renováveis», não o são, na verdade, em termos ecológicos, pois o esgotamento rápido de solos (em particular de solos de países da zona tropical, quase todos países pobres) será a consequência inevitável de cultivos intensivos, seja com sementes transgénicas ou não.
Haverá uma boa oportunidade agora de colocar em relevo este assunto, da utilização de sementes transgénicas para culturas cujo objectivo é a produção de álcool ou de outras moléculas para servirem como substitutos parciais ou totais dos petróleos.
Propõe-se uma declaração pública de técnicos e cientistas de várias proveniências e especialidades: isto poderia ter um impacto positivo sobre a opinião pública.
Hear! Hear!
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