Conservadorismo, subfinanciamento e opressão a investigadores entre principais causas da estagnação da Ciência durante o regime. Investimento científico nas colónias usado em prol da consolidação do império em África, explica investigador da NOVA-FCSH.
- Por Joana Almeida, Guilherme Borges e Ana Cardoso
Artigo do jornal A CABRA, da Associação Académica de Coimbra, comemorativo dos 50 anos do 25 de Abril, para o qual prestei declarações:
Durante a Ditadura, o clima de opressão e instabilidade que se vivia era universal em todas as áreas da sociedade, pelo que a Ciência não era exceção. Este foi um período marcado pelo princípio manifestado por António de Oliveira Salazar, que assentava na ideologia estabelecida: “estamos orgulhosamente sós”. A expressão foi usada em 1965 num discurso sobre a Guerra Colonial e a situação geopolítica do país, mas também pode ser aplicada ao contexto do progresso científico no Estado Novo.
Por todo o mundo assistia-se a uma grande evolução científica, em que países competiam pelo desenvolvimento e conquista de novas tecnologias, explica Carlos Fiolhais, físico e antigo professor da Universidade de Coimbra (UC). Por outro lado, Portugal não acompanhou este avanço e abraçou um conservadorismo que pretendia manter uma economia "ligada à terra”, destaca.
O cientista explica que não foi uma época “amiga da Ciência nem dos cientistas” no país. “O mundo sabia que a Ciência era poderosa, mas o Estado português não percebeu isso, estava isolado devido à Guerra Colonial”, esclarece. Carlos Fiolhais refere ainda que, apesar de se ensinar e praticar Ciência, o investimento sempre foi insuficiente quando comparado com as demais nações da Europa. As entidades responsáveis pela política científica - a Junta de Educação Nacional, que depois passa a Instituto para a Alta Cultura - atribuíam um “apoio muito tímido” ao desenvolvimento científico, o que causou um “subfinanciamento crónico” no setor, reflete Tiago Brandão, investigador integrado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa (NOVA FCSH). Carlos Fiolhais acrescenta que, em 1964, a estimativa de investimento na Ciência e tecnologia abrangeu apenas 0,1% do PIB português.
Por outro lado, começaram a surgir os primeiros apoios de privados, em especial vindos do estrangeiro, como aconteceu com a Fundação Calouste Gulbenkian, em 1956, refere o investigador da NOVA FCSH. “Este instituto foi como um oásis onde foi possível proteger algumas individualidades que não comungavam da ideologia do regime”, expõe. As contribuições dos privados, promovidas por meio de bolsas, permitiram combater o baixo financiamento do Governo, levando à criação de «ilhas de progresso e de abertura», conclui.
A maior parte do avanço científico que existiu durante este período nasceu com a finalidade de ser aplicado nas colónias, em particular através de investigações para melhor rentabilizar os seus recursos naturais, como explica Carlos Fiolhais. Segundo Tiago Brandão, a ocupação efetiva dos territórios em África “sempre foi muito difícil”. Assim, na década de 1930 surge “uma retórica da ocupação científica do Ultramar", utilizando a “Ciência como parte do projeto político de controlo das colónias”, explicita. Destaca ainda a geologia, por exemplo, que foi usada para “conhecer os recursos naturais e desenvolver a indústria extrativista”.
Contudo, quando foi descoberto petróleo em Angola, Salazar teria ficado “assustado”, considera Carlos Fiolhais. Este acontecimento era sinónimo de progresso e transformações sociais, o oposto dos ideais defendidos pelo regime, elucida o físico. O Estado Novo encarava a modernização como “perigosa”, pois a industrialização “levaria ao aparecimento dos operários, o que resultaria em movimentos sindicais, que culminariam no comunismo, o grande inimigo do regime”, argumenta o antigo professor da UC.
Com o objetivo de aumentar a sua popularidade, a Ditadura usou como propaganda a revista mensal “Portugal Colonial". Isabel Duarte, docente na Universidade do Porto, foi uma das autoras do artigo “Discurso científico e ideologia na revista do Estado Novo, Portugal Colonial”. Na publicação dissertou sobre o uso da Ciência para fins propagandísticos, especialmente no contexto colonial do regime salazarista. De acordo com a autora, um dos objetivos dos textos era “pôr o conhecimento especializado ao serviço do império colonial”.
A revista continha artigos sobre agricultura, economia, comércio e indústria, assim como textos “claramente ideológicos”, ressalta a professora. A “Portugal Colonial” era a favor da Ditadura e “muito elogiosa”, utilizando a Ciência “ao serviço da construção da ideologia do Estado Novo e para legitimar o regime”, refere. Isabel Duarte assevera o contraste com a atualidade: “ao contrário do que acontece hoje na Ciência, a revista era expressa com superlativos e muita adjetivação”. Assim, existia uma “presença ostensiva por parte dos seus autores, que se aproximava mais de um discurso de manifesto do que científico”, adiciona.
Carlos Fiolhais aponta que as várias áreas científicas eram tratadas de formas diferentes nesta época. De acordo com o antigo docente, o regime usava a Ciência aplicada para fazer propaganda. “O Estado Novo, mais do que recorrer à Ciência como propaganda, usava obras e infraestrutura, como é o exemplo de alguns edifícios da UC, que imitam os da Itália fascista”, explica. A Ponte 25 de Abril chamava-se “Ponte Salazar” em homenagem ao ditador que a inaugurou, exemplifica. xxx Durante esta época, vários investigadores e professores foram alvo de perseguição pelo regime, outro obstáculo que impediu o desenvolvimento científico e tecnológico. Em 1947 foi redigido um decreto no qual o presidente do Conselho de Ministros ordenou a demissão de 21 professores da Universidade de Lisboa. Marieta da Silveira, assistente do professor Aurélio Marques da Silva, afastado da cátedra da Faculdade de Ciências de Lisboa, garante que os professores demitidos não tinham qualquer atividade política. “No Laboratório de Física só se falava de política esporadicamente, na hora do lanche, e só para comentar alguma notícia que saía nos jornais”, explica em entrevista ao Expresso.
Carlos Fiolhais destaca que “muitas destas pessoas tiveram de se exilar, tendo só regressado a Portugal após o 25 de Abril”. A título de exemplo, apresentou o caso de Mário Silva, cientista português que, após ter sido depurado, para se conseguir sustentar, teve de vender equipamentos da Philips. Ainda assim, explica que as perseguições que existiram neste período “não eram científicas, mas políticas”.
Por sua vez, Tiago Brandão aponta que os cientistas foram oprimidos devido à sua “liberdade intelectual e liberdade de expressão”, que constituíam uma ameaça aos princípios ideológicos do regime salazarista. Por este motivo, de acordo com o investigador, Salazar censurou a introdução da Sociologia na Academia Portuguesa, o que “revela como as Ciências humanas e sociais apresentavam um perigo para o regime”.
“A Ciência precisa tanto de liberdade como um cidadão necessita de pão para a boca: é preciso poder pensar e escrever livremente, passar fronteiras com papéis e com instrumentos”, argumenta Carlos Fiolhais. Desta forma, o físico assevera que a “área científica não tinha um cenário ideal para florescer no país”. Conclui ao sublinhar que o insuficiente desenvolvimento científico não se devia apenas à falta de
1 comentário:
Somos o país da Europa que mais apoia o Nazismo do regime de Kiev.
Dizer isto significa que este comentário terá muito tempo de sobrevivência.
Este blogue pratica censura como no regime de Salazar, aqui nesta ignorância podemos ser os primeiros, que eles querem lá saber.
Como pode esta gente importa-se com a ignorância dos portugueses e a dazer disso uma bandeira?
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